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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Consiglieri Pedroso: “A menina e o bicho”

 Era uma vez um homem que tinha três filhas.

Eram todas muito amigas dele, mas havia uma que ele estimava mais.

Foi um dia à feira e perguntou às filhas o que é que elas queriam de lá. Uma delas disse:

— Um chapéu e umas botas!

A outra disse também:

— Um vestido e um xaile!

Mas a que ele estimava mais não lhe disse nada.

O homem, muito admirado, perguntou:

— Ó minha filha, tu não queres nada?

— Não quero nada, disse ela. Quero que meu pai tenha saúde!

— Tu hás de também pedir uma coisa, seja o que for, que eu trago-ta! respondeu o pai.

Ela, para que o pai a deixasse, disse então:

— Quero que meu pai me traga um corte de goraz em campo verde.

O homem foi para a feira, comprou todas as coisas que as filhas lhe tinham pedido, e não fazia senão procurar o corte de goraz em campo verde. Mas não o encontrou. Era coisa que não havia. Por isso vinha muito triste para casa, porque era a filha que ele mais estimava.

Quando vinha andando, aconteceu-lhe ver luzir uma luz no caminho, porque já era noite.

Foi andando, andando, até chegar àquela luz.

Era um pastor, que estava ali numa cabana. O homem chegou-se a ele e perguntou:

— Sabe-me dizer que palácio é aquele, e se me podiam dar agasalho!

O pastor respondeu muito admirado:

— Oh!, senhor, mas... naquele palácio não habita ninguém; aparece lá uma coisa, e todos têm medo de lá estar!

— Deixá-lo, disse o homem, não me hão de comer, e como não tem ninguém, vou lá dormir esta noite!

Foi. Encontrou tudo iluminado e muito rico e, entrando mais para dentro, viu uma mesa posta. Quando se ia a chegar à mesa, ouviu uma voz dizer:

— Come e vai-te deitar naquela cama que ali está, e pela manhã levanta-te e leva o que está em cima daquela mesa, que é o que a tua filha te pediu, mas, ao fim de três dias, hás de ma trazer aqui.

O homem ficou muito contente por levar à filha o que ela tinha pedido, mas ao mesmo tempo ficou triste pelo que a voz lhe tinha dito.

Deitou-se e ao outro dia levantou-se, foi direito à mesa e viu o corte de goraz em campo verde; agarrou nele e foi para casa.

Apenas chegou, começaram as filhas de roda dele:

— Meu pai, que é que nos trouxe? Deixe ver.

O pai deu-lhes tudo quanto trazia.

A outra filha, a que ele estimava mais, perguntou-lhe só se ele tinha saúde. O pai respondeu-lhe:

— Minha filha, venho contente e ao mesmo tempo triste! Aqui tens o teu pedido.

A filha respondeu-lhe:

— Oh! meu pai, eu tinha-lhe pedido isto, porque era coisa que não havia; mas porque é que vem tão triste?

— Porque tenho de levar-te ao fim de três dias aonde me deram isto!

E contou tudo o que lhe tinha acontecido no palácio e o que a voz lhe tinha dito. A filha, quando ouviu tudo, respondeu:

— Não esteja triste, meu pai, que eu vou, e há de ser o que Deus quiser!

Assim foi. Ao fim de três dias o pai levou-a ao palácio encantado.

Estava tudo iluminado, a mesa posta e duas camas feitas.

Quando entraram, ouviram uma voz dizer:

— Come e deixa-te estar três dias com a tua filha, para ela não ter medo.

O homem esteve os três dias no palácio. No fim, foi-se embora, ficando a filha só.

A voz falava com ela todos os dias, mas não se via ninguém.

Ao fim de uns poucos dias, a menina ouviu cantar um passarinho no jardim. A voz disse-lhe:

— Tu ouves o passarinho a cantar?

— Oiço, sim, disse a menina; é alguma novidade?

— É tua irmã mais velha que está para casar. E tu queres ir? perguntou a voz.

A menina, muito contente, disse:

— Eu quero, sim; e tu deixas-me Ir?

— Eu deixo, tornou a voz, mas tu não voltas!

— Volto, sim! - disse a menina.

A voz deu-lhe então um anel, para ela se não esquecer, e disse-lhe:

— Olha que ao fim de três dias vai um cavalo branco buscar-te; há de bater três pancadas: a primeira é para te vestires, a segunda é para te despedires e a terceira é para te montares. Se às três não estiveres em cima do cavalo, ele vem-se embora e deixa-te lá!

A menina foi. Houve uma grande festa, e a irmã casou-se. Ao fim de três dias, foi o cavalo branco bater três pancadas. À primeira a menina começou a vestir-se, à segunda despediu-se e à terceira montou a cavalo.

A voz tinha dado à menina um caixote de dinheiro para levar ao pai e às irmãs, e por isso elas não queriam que ela tornasse para o palácio encantado, porque já estava multo rica.

Mas a menina lembrou-se do que tinha prometido, e apenas se viu em cima do cavalo foi-se embora.

No fim de certo tempo tornou o passarinho a cantar muito contente no jardim. A voz disse-lhe:

— Tu ouves o passarinho a cantar?

— Oiço, sim, disse a menina, é alguma novidade?

— É a outra tua irmã que está para casar. E tu queres ir? perguntou a voz.

A menina, muito contente, disse:

— Eu quero, sim; e tu deixas-me ir?

— Eu deixo, tornou a voz, mas tu não voltas!

— Volto, sim, disse a menina.

A voz disse, então:

— Olha que se ao fim de três dias não vieres, ficas lá, e serás a rapariga mais desgraçada que há no mundo!

A menina foi. Houve uma grande festa, e a irmã casou-se. Ao fim de três dias veio o cavalo branco. Deu a primeira pancada, e a menina vestiu-se; deu a segunda, e a menina despediu-se; deu a terceira, e montou a cavalo e foi para o palácio.

Passados tempos tornou o passarinho a cantar no jardim, mas muito triste, muito triste.

A voz disse-lhe:

— Tu ouves o passarinho?

— Oiço, sim, disse a menina, é alguma novidade? É, sim, é o teu pai que está para morrer, e não morre sem se despedir de ti!

— E tu deixa-me ir? perguntou a menina, muito triste.

— Deixo, sim, mas desta vez é que tu não voltas!

— Volto, sim, disse a menina.

A voz disse-lhe:

— Não voltas, não, que as tuas irmãs não te deixam vir! E tu e mais elas, serão as raparigas mais desgraçadas deste mundo, se não voltares ao fim de três dias!

A menina foi, o pai estava muito mal e não podia morrer, mas apenas se despediu dela, morreu.

As irmãs, como ela tinha perdido a noite, deram-lhe dormideiras e deixaram-na dormir.

A menina pediu muito que a acordassem antes de vir o cavalo branco.

As irmãs que fizeram? Não a acordaram e tiraram-lhe o anel do dedo.

Ao fim de três dias veio o cavalo. Bateu a primeira pancada, bateu a segunda, bateu a terceira e foi-se embora, e a menina ficou.

Ela andava muito satisfeita com as irmãs, porque não tinha o anel e já não se lembrava de coisa nenhuma.

Daí a uns poucos dias, começou a fortuna a andar para trás, a ela e às irmãs.

Até que uma vez as duas disseram-lhe:

— Mana, tu não te lembras do cavalo branco?

A menina lembrou-se, então, de tudo e disse a chorar:

— Ai. que desgraça a minha! Ai, que me desgraçaram! Que é do meu anel?

As irmãs deram-lhe o anel, e a menina, com muita pena, foi-se logo embora. Chegou ao palácio encantado, mas viu tudo muito triste, muito escuro e muito fechado.

Foi direita ao jardim e encontrou um bicho muito grande, estendido no chão. O bicho, apenas a viu, disse-lhe:

— Retira-te, tirana, que me dobraste o meu encanto! Agora serás a rapariga mais desgraçada do mundo, tu e as tuas irmãs!

O bicho estava a acabar e, assim que disse isto, morreu. A menina voltou para as irmãs, muito triste e a chorar multo, meteu-se em casa sem comer nem beber, e dali a dias morreu também.

As irmãs, essas ficaram cada vez mais pobres, por terem sido a causa disto tudo.

Fonte:
Contos Populares Portugueses (1910)

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