As crianças da aldeia têm permissão dos pais para fumar cigarros. Mas este ano, isso não aconteceu© Rui Manuel Ferreira/Global Imagens |
Este ano, por Vale de Salgueiro, no distrito de Bragança, devido às restrições impostas para o combate à pandemia da Covid-19, não foi possível cumprir a tradicional festa dos Reis, mais conhecida como a festa dos rapazes, em honra de Santo Estêvão, em que uma das práticas habituais tem dividido opiniões ao longo dos anos.
As crianças da aldeia têm permissão dos pais para fumar cigarros. Mas este ano, nem isso aconteceu.
Ainda assim, ontem à noite, duas dezenas de pessoas daquela aldeia, do concelho de Mirandela, com o devido distanciamento, percorreram as ruas a tocar gaita-de-foles. Uma forma simbólica de lembrar a festa anual mais importante da localidade, e nem os cinco graus negativos, impediram duas dezenas de habitantes de Vale de Salgueiro assinalarem, simbolicamente, aquele que, em ano normal, seria o primeiro de dois dias de festa dos reis. A maldita pandemia, como lhe chamaram, impede que se cumpram as tradições fora do comum.
Todos os anos, é escolhido alguém, por norma uma pessoa jovem, para protagonizar a figura do rei, que organiza a festa e ostenta uma coroa revestida a veludo e adornada de objetos em ouro, emprestado pelos habitantes.
No dia 5, percorre todas as habitações da aldeia, sempre com o grupo de gaiteiros a acompanhar, distribuindo cerca de 300 quilos de tremoços e 100 litros de vinho, em cabaças tradicionais, e no dia seguinte nova passagem para receber a manda, ou seja, os donativos para custear a festa.
Entretanto, no centro da aldeia, prepara-se o baile e, quando o rei chega, as pessoas são convidadas a dançar a murinheira, típica dos celtas, ao som das gaitas de foles e dos bombos.
Dezenas de crianças andam pelas ruas com maços de tabaco e têm permissão dos próprios pais para fumar, mas só durante os dias que dura a festa.
Uma tradição que se perde no tempo, "Tudo isto já acontece desde o tempo dos meus bisavós. Rapazes e raparigas, tudo fumava", revela Tibério Alves, de 85 anos
Para contornar este enfoque constante nesta tradição que divide opiniões, a junta de freguesia, em parceria com o Município de Mirandela, decidiram, em 2019, dar início a um curso de gaitas-de-foles, para que os habitantes pudessem vir a ser os protagonistas, durante a festa, deixando de ser necessário recorrer a tocadores de outras localidades.
Surgiu a criação do "Encharca o Fole", constituído por duas dezenas de habitantes da aldeia, dos 11 aos 67 anos de idade, que tiveram a estreia oficial, o ano passado.
Esta terça-feira, saíram à rua, apenas para lembrar a festa dos Reis. "É uma festa centenária e ninguém se lembra de não haver reis nesta terra. A ideia de fazermos esta arruada é deixar a marca de que nem tudo é desgraça e temos de ter um bocadinho de alegria", diz o presidente da junta, Carlos Cadavez, também ele integra o grupo.
Luís Lourenço, também integra o grupo, foi o Rei escolhido para organizar a festa em 2021, mas a pandemia veio trocar-lhe as voltas e só poderá cumprir o seu reinado em 2022. "Este ano, é com pena que não consigo entregar o tradicional vinho e tremoços pela aldeia e fazer a visita casa a casa desejar as boas festas, mas esperemos no próximo ano celebrar a dobrar", confia.
Depois da arruada pelas ruas da aldeia, o grupo "Encharca o fole" desmobilizou com a esperança que 2022 traga a normalidade e possam cumprir-se todas as tradições da festa dos rapazes.
Sem comentários:
Enviar um comentário