Eram tesas as raparigas! Não saíram à mãe que guardava o mesmo recato, o mesmo respeito com que saiu da igreja com o braço tímido apoiado no seu. Sorria o César, entregue a estas lembranças do tempo em que pusera os olhos naquela rapariguita miúda de cinturinha estreita e olhar lavado. Decidira, nesse momento, fazer dela sua mulher.
Passados alguns meses e trocas de olhares, apresentou-se em casa dos pais com o pedido de casamento. Tolhidos de surpresa e desagrado começaram a deslindar defeitos à filha: que era muito fraquinha, nem lhe entregavam serviços de casa...quanto mais do campo. E a mãe, astutamente, foi contando as vezes que andava atrás dela com a tigela das sopas na mão.
-Ora veja lá o senhor, como pode ser dona de casa, se nem dela sabe tratar!
A tudo quanto lhe disseram respondeu apenas.
-Não faz mal. É muito nova! Com o tempo aprende.
Pena é que a sogra não tivesse vivido o bastante para ver aqueles «cinco réis de gente», como lhe chamava, gerir as tarefas da criada, lidar o dia inteiro na casa e criar a filharada que aumentava a cada ano. Um dia desabafou:
-Tantos filhos, mulher!
E logo ela saiu com a pergunta:
-Então se viessem pedir-nos um, qual é que davas?
-Estás tola ou quê? Não dava nenhum, era só o que faltava!
E não se falou mais no assunto. Já iam em oito e ele olhava-a a com secreta ternura e velado respeito, quando a via dar de mamar a um, enquanto o pé embalava o berço onde outro dormia e os olhos vigiavam os que brincavam ao redor.
Mas se o sogro não tivesse morrido, pouco tempo depois da mulher, sem doença nenhuma para além da tristeza que tomou conta dele, desde o instante em que a chamou e não houve voz a responder, ele teria dito à filha:
-Bem feito, não deste ouvidos! Tantas vezes te disse para não casares com o senhor César, que ele tinha engolido um estadulho! Eras fraquinha, a tua mãe estava sempre em cuidado contigo, eu tinha medo de te contrariar… tu rias sempre que eu falava no estadulho.
Agora ela não achava graça à falta de apego ao trabalho, ao descuido na orientação das tarefas da lavoura, deixando o pastor escolher as pastagens e o criado decidir as lavragens. Mas, quando o via regressar com aquele porte direito de filho de lavrador abastado, com a caçadeira ao ombro, as perdizes e coelhos pendurados ao cinto e os olhos repletos de liberdade e horizonte, calava a mágoa e gritava:
- Filhos, venham ver o pai!
Era uma festa e, ele, um herói!
Sílvia Lamas
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