Por: Manuel Amaro Mendonça
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Como são difíceis os dias, após a partida daqueles que nos são queridos.
Parado no tempo, era assim que tudo estava; os mesmos quadros, as mesmas fotos, as divisões, envelhecidas, mas iguais... toda a casa era uma gigantesca máquina do tempo que me levou anos e anos atrás, ao período em que também eu fiz parte daquele ambiente.
Entrei para arrumar o quarto que ele habitara até partir.
Os objetos do dia a dia continuavam em cima da mesa de cabeceira, aguardando o regresso do seu proprietário. A caixa dos medicamentos, meio preenchida, sugeria uma continuidade que não aconteceria.
As paredes ainda mostravam as marcas de ter sido a biblioteca de que o meu pai tanto se orgulhava. Fora movida, anos depois do desaparecimento dele, para se transformar num quarto para quem já não conseguia subir escadas.
Ao retirar os casacos pendurados atrás da porta, um objeto caiu com estrondo no chão de cerâmica. Fiquei uns segundos para a olhar para a bengala castanha de verniz reluzente e cabo decorado.
Apanhei-a e olhei-a de perto, como se fosse a primeira vez que a via... mas não era.
"Quem és tu?" Perguntei-me. "És quem suportou o meu pai, quando as forças lhe começaram a faltar e os dias eram curtos por entre o oblívio dos longos sonos... que acabaram por o levar."
"Talvez sejas aquela que acompanhou a minha mãe, quando as quedas lhe minaram a confiança e lhe deste um pouco de equilíbrio até as pernas a não susterem mais."
"Não, já sei, eras a companheira do meu irmão, que se arrastou até ao último momento, a vontade férrea a contrariar a maleita cruel que o devorava."
Não pude evitar um sorriso enquanto a pendurava no seu lugar, suspensa no tempo, entre ecos e pegadas, à espera do próximo companheiro.
Voltei a pegar-lhe, pensativamente e dei por mim a experimentá-la na minha mão.
Manuel Amaro Mendonça é licenciado em Engenharia de Sistemas Multimédia pelo ISLA de Gaia. Nasceu em janeiro de 1965, em Portugal, na cidade de São Mamede de Infesta, no concelho de Matosinhos; a Terra de Horizonte e Mar.
Foi premiado em quatro concursos de escrita e os seus textos foram selecionados para mais de duas dezenas de antologias de contos, de diversas editoras e é membro fundador do grupo Pentautores (como o seu nome indica, trata-se de um grupo de cinco autores) que conta já com cinco volumes de contos publicados.
É autor dos livros "Terras de Xisto e Outras Histórias" (2015), "Lágrimas no Rio" (2016), "Daqueles Além Marão" (2017), “Entre o Preto e o Branco” (2020), “A Caixa do Mal” (2022), “Na Sombra da Mentira” (2022) e “Depois das Velas se Apagarem” (2024), todos editados e distribuídos pela Amazon.
Colabora nos blogues “Memórias e Outras Coisas… Bragança” https://5l-henrique.blogspot.com/, “Revista SAMIZDAT” http://www.revistasamizdat.com/, “Correio do Porto” https://www.correiodoporto.pt/ e “Pentautores” https://pentautores.blogspot.com/
Outros trabalhos estão em projeto, mantenha-se atento às novidades em http://myblog.debaixodosceus.pt/, onde poderá ler alguns dos seus trabalhos, ou visite a página de autor em https://www.debaixodosceus.pt/
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