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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 4 de agosto de 2020

De boas intenções estão os canis cheios

Foto: Paulo Pimenta
André Silva respondeu ao meu artigo sobre a tragédia no abrigo de Santo Tirso (“A lei de 2016 ajudou a matar os cães de Santo Tirso”) com um texto intitulado “A culpa é da Lei do PAN e andamos todos a comer gelados com a testa”, onde argumenta que: 1) o facto de canis e gatis estarem neste momento a transbordar devido à proibição de abate de animais; 2) assim se promover a proliferação de abrigos ilegais; 3) as matilhas de cães errantes crescerem pelo país; 4) não haver forma matematicamente inteligível de enfrentar o abandono de 20 mil animais por ano; tudo isso é, segundo o líder do PAN, culpa do laxismo das câmaras municipais e da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), pois a Lei n.º 27/2016 que emanou da Assembleia da República é impecável.
E quando se argumenta que talvez não fosse má ideia promover primeiro uma mudança de mentalidades, em vez de se desatar a legislar o impossível, André Silva responde: “Não raras vezes, o legislador tem de ser o motor da mudança que a sociedade exige.”
Estamos perante mais um engenheiro do progresso social construído a partir do Diário da República, herdeiro de uma velha e vasta tradição nacional, com os resultados que se conhecem. Mas a verdade é que o PAN cresceu, todos os partidos querem mostrar a sua paixão animal, a lei de 2016 foi aprovada por unanimidade, e o próprio António Costa se mostrou recentemente sintonizado com André Silva no Parlamento, considerando o acidente de Santo Tirso “intolerável” (nisso estamos todos de acordo) e insinuando que vem aí mais uma direcção-geral, pois é necessário “repensar” a “orgânica do Estado” já que “a DGAV não está feita para cuidar de animais de estimação e não tem revelado capacidade ou competência para se ajustar à nova realidade legislativa”. Mais uma vez, a realidade legislativa é óptima — o país é que resiste malevolamente às belas leis.
Só que a razão pela qual o país resiste à Lei n.º 27/2016 explica-se perfeitamente por outros números: os resultados eleitorais do PAN. Nas legislativas do ano passado, o partido de André Silva alcançou 3,3% dos votos e conseguiu eleger quatro deputados: dois por Lisboa, um por Setúbal e um pelo Porto.
Sendo três dos quatro distritos mais populosos do país, é aí que a eleição de deputados pelos pequenos partidos é mais provável, mas reparem na percentagem de votação do PAN por círculo eleitoral. Círculos em que teve resultados acima dos 3% nas eleições do ano passado? Seis: Lisboa, Faro, Porto, Setúbal e os círculos da Europa e de fora da Europa. Círculos eleitorais em que ficou pela casa do 1%? Sete: Beja, Bragança, Évora, Guarda, Madeira, Portalegre e Vila Real.
Notam o padrão? O partido dos animais e da natureza recebeu a esmagadora maioria dos seus votos nas regiões onde quase não há animais nem natureza. Em Setúbal, onde as duas realidades coabitam, o PAN obteve 4% nos concelhos urbanos e 2% nos rurais. André Silva recusa-se a comer gelados com a testa, mas quer enfiar na testa de todos os portugueses uma visão da relação do homem com os animais que é exclusiva dos urbanitas que contactam com galinhas sem penas nas prateleiras do supermercado. No mundo da gente que as mata e as depena é, de facto, difícil impor uma paixão por animais semelhante à do eleitorado do PAN. E se André Silva acha que isso se muda por decreto a partir de São Bento, boa sorte para ele — e má sorte para os cães que continuarão a morrer em condições miseráveis em abrigos ilegais.


João Miguel Tavares

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