Foto: Paulo Pimenta |
E quando se argumenta que talvez não fosse má ideia promover primeiro uma mudança de mentalidades, em vez de se desatar a legislar o impossível, André Silva responde: “Não raras vezes, o legislador tem de ser o motor da mudança que a sociedade exige.”
Estamos perante mais um engenheiro do progresso social construído a partir do Diário da República, herdeiro de uma velha e vasta tradição nacional, com os resultados que se conhecem. Mas a verdade é que o PAN cresceu, todos os partidos querem mostrar a sua paixão animal, a lei de 2016 foi aprovada por unanimidade, e o próprio António Costa se mostrou recentemente sintonizado com André Silva no Parlamento, considerando o acidente de Santo Tirso “intolerável” (nisso estamos todos de acordo) e insinuando que vem aí mais uma direcção-geral, pois é necessário “repensar” a “orgânica do Estado” já que “a DGAV não está feita para cuidar de animais de estimação e não tem revelado capacidade ou competência para se ajustar à nova realidade legislativa”. Mais uma vez, a realidade legislativa é óptima — o país é que resiste malevolamente às belas leis.
Só que a razão pela qual o país resiste à Lei n.º 27/2016 explica-se perfeitamente por outros números: os resultados eleitorais do PAN. Nas legislativas do ano passado, o partido de André Silva alcançou 3,3% dos votos e conseguiu eleger quatro deputados: dois por Lisboa, um por Setúbal e um pelo Porto.
Sendo três dos quatro distritos mais populosos do país, é aí que a eleição de deputados pelos pequenos partidos é mais provável, mas reparem na percentagem de votação do PAN por círculo eleitoral. Círculos em que teve resultados acima dos 3% nas eleições do ano passado? Seis: Lisboa, Faro, Porto, Setúbal e os círculos da Europa e de fora da Europa. Círculos eleitorais em que ficou pela casa do 1%? Sete: Beja, Bragança, Évora, Guarda, Madeira, Portalegre e Vila Real.
Notam o padrão? O partido dos animais e da natureza recebeu a esmagadora maioria dos seus votos nas regiões onde quase não há animais nem natureza. Em Setúbal, onde as duas realidades coabitam, o PAN obteve 4% nos concelhos urbanos e 2% nos rurais. André Silva recusa-se a comer gelados com a testa, mas quer enfiar na testa de todos os portugueses uma visão da relação do homem com os animais que é exclusiva dos urbanitas que contactam com galinhas sem penas nas prateleiras do supermercado. No mundo da gente que as mata e as depena é, de facto, difícil impor uma paixão por animais semelhante à do eleitorado do PAN. E se André Silva acha que isso se muda por decreto a partir de São Bento, boa sorte para ele — e má sorte para os cães que continuarão a morrer em condições miseráveis em abrigos ilegais.
João Miguel Tavares
Sem comentários:
Enviar um comentário