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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - MANUEL LOPES, UM JUDEU DO TEMPO DA INQUISIÇÃO

No último texto ficámos em Chacim onde assistimos ao casamento de João Ventura, irmão de Manuel Lopes. Ao lado da casa de João Ventura e Beatriz, morava o casal constituído por Simão Pereira e Francisca Dias,(1) ambos com 70 ou mais anos, ele natural de Chacim e ela de Vila Flor, onde tiveram morada até depois de 1670. E ter-se-ão mudado para Chacim depois que foram presos e saíram penitenciados pela inquisição de Coimbra. Deles, poucas mais referências nos dá Manuel Lopes, para além de dizer que eram seguidores da lei de Moisés.
Podemos, no entanto, dizer que Simão e Francisca não deixaram descendência. E se Simão e Francisca fixaram morada em Chacim, já o António Pereira irmão daquele e Isabel Rodrigues,(2) irmã de Francisca, ficaram por Vila Flor. Ambos foram presos, em 1662, pela inquisição de Coimbra, saindo António condenado em penas espirituais e Isabel degredada por 5 anos para Angola.
Depois disso, António Pereira internou- -se por Castela, assentando morada no Porto de Santa Maria, na costa do Mediterrânio. Por lá andou durante 9 anos, com passagem pelas celas da inquisição de Sevilha onde penou por 41 meses. No entanto, parece que “o mandaram para sua casa, solto e livre, mandando entregar-lhe os seus bens sem ir a auto”. António Pereira regressou a Portugal, sendo novamente preso, em 1681, pela inquisição de Lisboa, acusado de falso testemunho. É que, entre as confissões que fizera na inquisição de Coimbra, denunciara como judeu, um ferrador de Roios, Vila Flor, que foi preso. Este conseguiu provar que não era judeu e nunca tinha judaizado…Deste processo António Pereira não saiu tão bem, pois foi desterrado por 3 anos para Castro Marim. Nesta altura, o casal já se tinha reencontrado e morava na Rua das Mudas, em Lisboa, onde, por 1678, Isabel Rodrigues catequizava os seus filhos (Francisco Rodrigues Pereira, Gabriel Pereira Mendes(3) e Francisca Mendes Pereira) na lei de Moisés. Ao tempo que Manuel Lopes viveu em Chacim, certamente ouviu falar dos irmãos e dos sobrinhos de Simão Pereira e Francisca Dias. Veja-se o que ele contou aos inquisidores: — Também está recordado de novo que ouviu dizer a seu tio João Dias Pereira e a Diogo Lopes Marques, seu cunhado, que Diogo Nunes Pereira, que era rendeiro do vinho, portos secos e alfândegas, morador em Lisboa, e tinha um irmão chamado Gabriel Pereira Mendes, casado em Santarém, com tenda de panos de seda…(4)
Na verdade, Diogo Nunes Pereira não era irmão de Gabriel mas seu cunhado, por ser casado com a irmã deste, Francisca Mendes Pereira. Diogo era filho de outro António Pereira, de Torre de Moncorvo, que foi queimado pela inquisição e sua mulher, Maria Nunes Pereira.(5) Deixemos Santarém e a tenda e casa de Gabriel Pereira Mendes, sita na Rua Direita, avaliada em 7 ou 8 mil cruzados (cerca de 3 contos de réis!) e voltemos a Chacim onde era notória alguma diferenciação social dentro da ”nação hebreia”, a avaliar pelos depoimentos constantes de muitos processos. Inclusivamente ao nível da localização das moradias, com os mais abastados mercadores e fabricantes de seda vivendo na zona alta da vila, em redor da praça. 
Em baixo, nas margens da Ribeira, habitavam sobretudo os curtidores. Obviamente que estes, na medida em que crescia o seu poder económico, procuravam ofícios e profissões mais nobres para os filhos, de modo a ascender na escala social. Uma importante família de curtidores de Chacim era a dos Tinoco, originários de Torre de Moncorvo. Com efeito, 3 filhas de Luís Lopes Tinoco e Catarina Martins foram casar e morar em Chacim, com os maridos dedicando-se ao trato das peles: Brites Lopes Martins, casou com António Lopes, curtidor e, ficando viúva, casou 2.ª vez com Gabriel Rodrigues; Isabel Rodrigues, a Marquesa,(6) casada com Jorge Lopes, curtidor, e Maria Henriques. Sendo a dita Maria Henriques casada com seu primo André Lopes, curtidor, sobrinho materno de Jorge Lopes. Com toda esta gente se cruzou Manuel Lopes e disso deu conta aos inquisidores de Sevilha. Por seu turno, um irmão de André Lopes, chamado Manuel Lopes Pereira, o Galego, de alcunha, casou com Ana Cardosa, como atrás se viu.
Em Chacim, a casa e horta do Galego seria um espaço muito procurado para ajuntamentos em oração, a crer nos depoimentos recolhidos dos processos de sua mulher e filhas. Vejamos um deles, prestado por Ana Cardosa: — Haverá 6/7 anos, em Chacim, chegou a sua casa Antónia Pereira, viúva e Catarina e Brites, solteiras, filhas de André Lopes, cunhado dela confitente e de Maria Henriques, e Filipa e Guiomar, cristãs-novas, filhas de António Lopes e Leonor Henriques, filha de Francisco Cardoso e Isabel Henriques, cristãos-novos, e Isabel Henriques ou do Vale, filha de Manuel Rodrigues e Branca Henriques e também estavam presentes Violante Maurícia e Ângela Maria, suas filhas; e estando todas, disse o dito António Pereira que vinha chegando o jejum do dia grande, que era necessário que todos o fizessem (…) e todos se juntaram em casa dela confitente (…) e passados 3 ou 4 dias, foram as sobreditas pessoas para casa dela (…) e fizeram o dito jejum do dia grande…(7) Talvez por ser assim notório o judaísmo de Manuel Galego e sua mulher, é que, logo que em Chacim começou uma nova onda de prisões por parte da inquisição, eles deixaram a terra e se foram para as partes de Coimbra, mais concretamente, para Vila Verde, junto a Buarcos. E dali se mudaram para Lisboa. 
Um dos primos de Manuel Lopes, filho de sua tia Isabel Cardosa, de Lebução, chamava-se Ventura António Nunes Ferro, o qual, sendo ainda solteiro, se foi para a região da Andaluzia, Castela, com os irmãos mais velhos. Pois, aconteceu que, quando Manuel e João viviam em Chacim, ali veio ter o primo, fazendo escala na viagem para a cidade do Porto onde tinha combinado casar-se com Branca Gomes, filha do advogado Francisco Marcos Ferro que atrás encontrámos em Torre de Moncorvo. Veja-se como Manuel Lopes contou o caso: — Quando o dito Ventura António Ferro foi ao Porto para casar, ficou de noite em Chacim em casa de João Ventura, seu irmão dele confitente, por ser lugar de carreira e transito para o Porto. E se recorda que deu um dobrão a ele confitente.(8) Em Livorno, os primos voltarão a encontrar-se, com Ventura Ferro usando o nome de Abraham Nunes. E encontrar-se-ão ainda antes em Lisboa, para onde os dois irmãos seguiram, depois de uma permanência de ano e meio em Chacim, acompanhados de Beatriz Pereira, mulher da mulher de João Ventura e de Maria Manuela, sua irmã.
Dissemos atrás que os filhos de Isabel Cardosa e Lopo Nunes tinham todos os olhos azuis e o cabelo ruivo. Vejamos agora o retrato de João Ventura, feito pelo seu irmão: — Sinais de João Ventura Lopes, seu irmão dele confitente: baixo e redondo de corpo, cara larga, branca, olhos azuis, barba ruiva, pouco farta, sobrancelhas da mesma cor, cabelo curto e crespo, 25 anos.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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