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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Os trabalhos que o linho dá | Ciclo do linho


 Operações do linho em Peso de Melgaço

Estruma-se a terra, lavra-se e semeia-se a linhaça. Fica o linhar (linhal). Agrada-se, isto é, desmancha-se com grade, os canhotes de terra. Engaça-se, quer dizer, acerta-se o chão com o engaço.

Nasce o linho.

Daí a oito dias começam as regas – oito a nove regas. Dá então a sua florinha e a sua cabecinha, que se chama baganha. Arrinca-se com a mão – raiz e tudo. Ripa-se no ripanço. Homens fazem isto. Enfeixa-se.

Mergulhar na água

Deita-se à poça, onde está oito dias. Tira-se e bota-se a secar ao sol no tendal (num monte ou num Paulo seco). Oito dias, ou mais ou menos, está a secar. Apanha-se e maça-se com a maça de pau numa pedra lisa, ou maçadoiro. Noutras terras (por exemplo, Coura), vai para um engenho movido pela água do rio, e aí é maçado por uma roda, tocada por outra maior; este engenho fica ao pé de um moinho – a água que move um move o outro.

O engenho substitui aqui o maçadoiro. Fazem-se anacos (= porções ou manadas, porque cabem na mão). Estriga-se com as mãos. Espadela-se (também se diz «grama-se»), o que consiste em lhe tirar a aresta ou tomento, trabalho feito por espadeladeiras (mulheres). Tasca-se no cortiço para lhe tirar a aresta miudinha. Asseda-se no sedeiro (menor e diferente no ripanço).

Carpia-se noutro sedeiro e fazem-se manelas de estopa para pôr na roca. Fia-se e ficam as maçarocas. Ensarilha-se no sarilho e ficam as meadas. Cozem-se as meadas ao borralho num pote: cozer meadas. Põem a corar as meadas ao sol. Depois secam-se e põem-se na dobadoira e dobram-se ficando em novelos (dobar). Tece-se num tear, trabalho de tecedeira. Por fim, cora-se o pano.

Uma espadelada

A espadelada merece descrição especial: a dona do linho chama mulheres para a espadelada, por favor, não por paga. O trabalho é feito ao luar, num terreiro, ou com luz, mas sempre fora de casa. Assistem homens, que formam uma roda ou um quadrado, no terreiro, como espectadores. As mulheres sentam-se ou estão de pé (Cerveira), cada uma junto do seu cortiço, que é aberto para cima ou por baixo.

Por entre as mulheres andam rapazes ou crianças a distribuir os anacos às espadeladeiras. A espadeladeira tem na mão esquerda o naco e na mão direita a espadela, com a qual bate no anaco, posto à beira do cortiço. Assim que o anaco está espadelado, põe-se de lado e recebe-se outro do distribuidor.

Enquanto espadelam, cantam em coro: uma começa o canto e as outras continuam. Entrementes vêm os namorados, que se sentam ao pé das espadeladeiras; alguém trouxe música (harmónico, viola).

No fim da espadelada dançam todos.

Quando acaba a espadelada, a dona dá de comer: sardinha, pão e vinho (se o há na terra).

Preparação do linho em Telões – Amarante

Desde que se deita a semente (linhaça) à terra, requer o linho vários cuidados (regas e mondas) até ao arranque (arrinca), a que se segue a ripa da baganha. Depois é mergulhado em água durante dias (empoçado), findo o que se estende a secar.

Estando seco, vai para o engenho, máquina quase sempre movida por uma roda hidráulica, que, por sua vez, acciona um sistema de cilindros canelados (tambor e cilindros), com movimentos contrários, entre os quais o linho é moído.

A porção de linho com que se carrega o engenho chama-se estrigão.

Os estrigões e as estrigas

Vindos do engenho, são os estrigões divididos em mancheias (estrigas), 30 das quais é um afusal, para se proceder à espadelada. Esta operação, que consiste em separar a aresta do linho, é feita com a espadela sobre um suporte de madeira, ou sobre um cortiço, o que é mais geral, e dentro do qual as raparigas escondem o merendeiro, que quase sempre é fruta.

Logo ao espadelar se vão separando os tomentos, que é o fio mais grosseiro e ainda com bastante aresta, e o que fica de estriga vai agora ao sedeiro, pequena tábua eriçada de delgados pregos, a assedar para assim se separar o linho da estopa.

Finalmente, esta junta-se em pequenas porções (monêlos), e as estrigas, depois de levemente torcidas, estão prontas para fiar, separando-se em meadas de arrátel e meio, que quase sempre levam mais de um afusal.

O linho é fiado com roca e fuso:

Fiando na minha roca
É uma lenda sabida;
Tira-te lá, ó magano,
Perdição da minha vida.

                                 (Peso)

Para carregar a roca, ou roçar, gastam-se geralmente duas estrigas, que se desmancham e enrolam na roca, formando a rocada, à qual se seguram com a roqueia.

“Forma-se a maçaroca…”

O fio inicialmente preso à parte metálico do fuso (maúnça) é por meio deste torcido e nele enrolado sobre um papel, formando a maçaroca. As maçarocas são depois dobadas no sarilho, formado de quatro pombas, pregadas na cruz.

A ponta da meada chama-se cabrita e o baraço de cinco ou seis fios com que se ata a meada de dentro para fora, para se não desfazer, chama-se costal.

Antes de entregar o fiado à tecedeira, são as meadas primeiramente cozidas num pote de ferro com água e cinza ou no forno, empastadas num barro de cinza e postas às camadas sobre camas de erva sarneira e perrexil.

Depois da cozedura, vão para a barrela, antes da qual são lavadas.

Ao sair da barrela, são encanadas ou espalhadas cada uma na sua cana e vão para o tendal a corar, onde são amiúde regadas e viradas durante quinze dias, pouco mais ou menos.

Depois de coradas, são ainda mais uma vez lavadas e, estando secas, vão a dobar. Esta operação é feita na dobadoira, enrolando-se o fio a princípio num canudo de cana, que depois se tira para dar ao novelo a forma esférica. Para o fio não cortar os dedos, faz-se passar por entre a dobra dum pequeno trapo, a que se dá o nome de puidoiro.

Por último, entrega-se o fiado à tecedeira, que calcula para cada quatro varas (uma tinta) arrátel e meio, pouco mais ou menos, para urdir e outro tanto para tapar, e o vai tecer no seu tear, que pode ser de ramada ou cruz.

Os restos da teia são cadilhos.

Informações disponibilizadas por José de Pinho

Curiosidades relacionadas com o trabalho do linho

Quando se arrinca o linho, vêm os moços do ripanço(*) e agarram-se às raparigas e rolam com elas pelo linhar abaixo. Chama-se a isto uma camisada.

O linhar vai acabado,
Na derradeira manada:
Os senhores do ripanço
Venham dar a camisada.

                             (Peso)

No concelho de Amarante, tem lugar a mesma brincadeira, mas dá-se-lhe o nome de aboleirar-se. Não se sabe a razão de tal costume, explicando-o apenas pelo desejo de adevertimento. Todas as criancinhas se aboleiram.

Em Mondim de Basto

Em Mondim de Basto, é também costume os rapazes e as raparigas darem o tombo: o rapaz leva nos braços, sentado como numa cadeira, a rapariga, do fundo ao cima do cabeceiro, e a rapariga traz o rapaz. O rebolarem-se é pouco usado e nunca com raparigas de boa reputação. A isto não se dá significação, se bem que tenha um carácter amoroso. O tombo também se dá na eira do ripo (local onde é ripado o linho).

No Cercal (Valença do Minho), chamam a esta brincadeira rebolada e em Santo Tirso talhar a camisa. Vê-se nele acto de procriação.

Nas linharadas, isto é, na arranca do linho, no mês de S. João, vão várias raparigas a cantar cantadas de S. João, tais como:

No dia de São João
Nasceu o Sol arraiado…

               (Albergaria-a-Velha)

No Peso, quando o dono do linhar vem com o vinho, gritam:

Arriba, maça,
Que aí vem a cabaça!

E no Alto Alentejo

Ouvi no Alto Alentejo, em 1933, a seguinte historieta:

Duas comadres, uma preguiçosa, outra cuidadosa, encontram-se e diz a segunda:

– Comadre, vais mondar o teu linho?

– Olha, comadre, o meu linho não tem erva que mal lhe faça: tem pimpilos (erva amarela) – vai ao sarilho; ter margaça (erva) . dá-le graça; tem carriolos (erva) – vai ao lençol (serve para o lençol que se tecer); tem azevém – s’roca vem.

Também lá me ensinaram a seguinte adivinha:

Semeei cavaquinhas (= linhaça); nasceram-me bengalinhas (= hastes do linho: caule); nas pontas das bengalinhas tornaram a nascer bogalhinhas (= semente do linho); dentro das bogalhinhas tornaram a nascer cavaquinhas (para tornar a semear).

Informação de uma gramadeira de Tolosa, 1933.

(*) Para tirar a baganha (cápsula) do linho, dentro da qual está a linhaça (semente do linho), usa-se um pente com dentes de ferro: ab – dois palmos; | cd – palmo e meio; ac – cinco palmos; | e – orifício para passar um pau, quando o levam às costas; até meia altura fica enterrado para assim se segurar.


Os tecidos e os teares

Os tecidos que fabricam vários teares são: linho; estopa, ou tecidos para toalhas, guardanapos de olhos de sapo; colchas lisas ou de borbotos, que são urdidas com estopa e tapadas com lã, enxerga, que serve para capas de mulher ou para saias; enxerga de lã branca, de que se fazem saiotes. O pardo, que se usa no vestuário dos homens, é tecido num tear especial, mais largo, em que tecem ao mesmo tempo dois, geralmente um homem e uma mulher.

O tear ordinário consta das seguintes peças: duas mesas aos lados – o órgão e o entrepeito, diante do aperto da tecedeira, que forma os quatro lados, desenhando um quadrado. Há dois órgãos, espécie de eixos: num está a teia ainda urdida e enrolada, no outro está a teia já tecida.

As peças do tear

Seria longo descrever a função de cada uma das peças, por isso, vamos apenas enumerá-las: as canas, os liços – que são de duas ou de quatro perchadas, segundo a qualidade do tecido, os canais que, com os dois troçais, defendem o pente.

O ponto varia segundo se tece o linho, estopa ou lã, é a lançadeira que com a avareta segura a canela e os tempereiros, que são de ferro; os liços estão pendurados nas carrilhetas, que, por sua vez, estão suspensas de altas travessas. Os cachorros seguram as apremedeiras, que são uma espécie de pedal. As peças auxiliares são o compostor e restrelo, as cavilhas desandadeiras e o gancho. No rodeleiro é que se fazem as canelas, com que se fabrica a tecedela.

Artigo do Jornal NORTE TRANSMONTANO, nº85 (1896)

Os diversos textos foram recolhidos na obra “ETNOGRAFIA PORTUGUESA” – Livro III – José Leite de Vasconcelos

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