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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 23 de abril de 2022

O 25 de abril nunca chegará a todos abr2022

 Cuidando do país como se de mercearia se tratasse e escorreitas as contas, o ditador começara a amealhar valiosa fortuna para o país, para a geração pós 25 de abril esbanjar.

Tal como o ditador fazia, na sua espartana e sovina maneira de ser, acabaria por nunca investir nem gastar a fortuna, pois o país não precisava de progresso que esse só traz a devassidão e maus costumes. “Estou deprimido” é uma expressão recorrente nesta geração paradoxal. Inconsciência crónica com um excesso de preocupações. Da banalidade despreocupada à angústia paralisante

A propósito convirá recordar que a atual geração não passou por nada em termos de privações familiares comparado com a geração de “baby boomers” a que pertenço, nascida no pós-guerra (2ª Grande Guerra). A geração rebelde que, no fim dos anos 60, se revoltava contra o status quo na França e contra a guerra colonial em Portugal tinha algo contra que lutar. Vivia melhor que a geração dos pais, em conforto e posses económicas, mas era arrastada para projetos militares alienígenas aos quais se opunham. Queria tomar parte na construção da História e não ser arrastada como nota de rodapé como acontecera aos pais.

Depois chegou o 25 de abril e as liberdades misturaram-se, inicialmente, com as libertinagens em que tudo era permitido. Os jovens dos anos 70 e 80 nasceram já com o rei na barriga. Nada era proibido, tudo era permitido e podiam almejar a uma sociedade sem classes em que todos tinham acesso ilimitado a todos os bens, sendo felizes até todo o sempre.

As crises não se fizeram sentir severamente na Europa Ocidental (exceção à crise do petróleo 1972-1974) e a máquina da publicidade assenhoreou-se da televisão e órgãos de comunicação social moldando os jovens que temos em casa ou os que dela saíram há pouco. Por mais que se lhes tenha dito que a vida era feita de sacrifícios, não passaram pelas suas experiências dolorosas, nem as viram nem as sentiram. Frequentar a universidade não era um apanágio de elites, nem mesmo as universidades privadas. Os cursos facilitaram o acesso a canudos com a fama de distinguir entre os que vencem na vida e os outros, embora na prática começasse a ser diferente. As classes sociais esbateram-se e o grande fosso educacional, passou a ser memória do passado.

Jamais esquecerei o que era viver sem liberdade (especialmente de expressão e pensamento). Antes do 25 de abril em Portugal havia uma coisa chamada lápis azul, ou censura, que em 1972 me cortou 70 páginas a um livrinho de poemas adolescentes que publiquei com cerca de trinta páginas… O resto é já história, o 25 de abril trouxe a liberdade de pensamento e de expressão e muita água correu sob as pontes e sou confrontado por uma sociedade mais desigual do que nunca, de falsa fluência consumista.

 No que conseguíamos ler e ouvir queríamos a liberdade de um Woodstock americano, das manifs de estudantes de Paris em 68-69 e subsequentes, em vez de viver sob “brandos costumes” que me obrigaram a uma multa de 2$50 (dois escudos e cinquenta avos) por andar descalço no acesso à praia …ou a uma multa (creio que 250$00) por não ter licença de porte de “arma” (neste caso, um isqueiro). Alguns colegas eram “bufos” não só da PIDE mas ao denunciarem o meu uso de isqueiro sem licença ganhavam 50% da receita…

Quando veio o dia de todas as esperanças, 25 de abril (quase sem mortes e com cravos na ponta das espingardas) eu, em Timor, esperei, tardava a chegar (teria ido de barco?) e jamais arribou.

A Europa cresceu, o sonho da europa unida medrou e cresceu descontroladamente, até ter mais olhos que barriga e ficar desesperadamente obesa na palhaçada que hoje é. Por toda a parte, uma após outra, as ditaduras iam sendo aniquiladas e substituídas por modelos de democracia onde alegadamente o povo e a sua vontade eram representados em parlamentos. Com a queda do Muro de Berlim e a glasnost a dar lugar a uma nova Rússia todos acreditamos que sonhar era isto, quando se tornavam realidade até na América Latina e América do Sul. Já o neoliberalismo da nova ordem mundial tinha disseminado sementes com a Thatcher e o Ronald Reagan, mas não sabíamos que isso iria perverter todo o ocidente. Isto antes da sangrenta invasão russa da Ucrânia.

Há algo que sempre afirmei e reitero, mesmo que já não sirva para grande coisa, o 25 de abril trouxe-me o bem mais precioso: a liberdade de expressão, a mim que sou um individualista nato e jamais conseguiria viver numa autocracia. Dantes, os países democráticos tinham eleições os outros não (nem mesmo as mascaradas eleições do partido único em Portugal o ocultavam).

Hoje assistimos a um novo e preocupante paradigma, a semi-democracia onde existe a aparência de uma verdadeira democracia com eleições e tudo o mais, mas onde a realidade não está representada, com resultados viciados, roubo descarado de votos e tanta manipulação que o resultado é a via autocrática travestidas de democracia oca. O que temos assistido nas últimas décadas é um ataque à democracia, e são as próprias instituições europeias quem mais tem atrofiado o funcionamento dos sistemas democráticos.

E até mesmo eu, que sempre me considerei um otimista nato, tenho demasiadas dúvidas, rodeado como estou por autómatos não-pensantes, obcecados com os pequenos ecrãs dos smartphones e impérvios aos atropelos à dignidade, equidade e justiça que acontecem em volta. Quando essa liberdade se perder, de facto só terei de me conformar e aceitar que me implantem um ”chip” para o meu próprio bem, como nem George Orwell (1984 e o Triunfo dos Porcos) nem Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo) conseguiram imaginar.

Lembro o checo Thomaz de "A Insustentável Leveza do Ser" de Milan Kundera (o caso do médico que vira pintor de paredes ao renegar as ordens do partido não é diferente dos que não se adaptam nas profissões no mundo livre). Inspirado na opressão dos regimes totalitários das décadas de 1930 e 1940, o livro de Orwell critica o estalinismo e o nazismo e a nivelação da sociedade, tal como pretendem fazer em Portugal depois do 25 de abril. Uma redução do indivíduo a peça para servir o estado ou o mercado através do controlo total, incluindo o pensamento e a redução do idioma. Tudo isto acontece já e só vai piorar.

Mas termino e agradeço a quem me deu a liberdade que tanto prezo e pela qual lutei nos jovens anos, antes de ser obrigado a ir "defender as colónias" de arma em riste, feito máquina de guerra, eu, que nunca andei à pancada com ninguém. Sem o 25 de abril não haveria essa liberdade e os melhores da minha geração teriam continuado a verter o sangue em África. Sem o 25 novembro 1975, o país dividir-se-ia ao meio numa guerra civil fratricida como a de Espanha, décadas antes, com o Norte e os Açores a recusarem a ditadura do proletariado. Sei que tudo isto é politicamente incorreto mas nesta idade estou-me nas tintas, apenas queria viver os últimos dias de vida em paz e não nesta guerra que a todos afetará e que pode levar à extinção da humanidade como a conhecemos. Por isso creio que 25 de abril nunca chegará a todos.

Chrys Chrystello

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