No primeiro trimestre de 2022, foram estudados 19.628 recém-nascidos no âmbito do Programa Nacional de Rastreio Neonatal (PNRN), coordenado pelo INSA, através da Unidade de Rastreio Neonatal, Metabolismo e Genética do seu Departamento de Genética Humana. Comparando com igual período do ano passado, realizaram-se mais 1.402 “testes do pezinho” (18.226).
De acordo com os dados do PNRN relativos aos primeiros três meses de 2022, observa-se que o maior número de bebés rastreados nasceram nos distritos de Lisboa e do Porto, com 5.774 e 3.617 testes efetuados, respetivamente, seguidos de Setúbal, com 1.546, e Braga, com 1.479. Por outro lado, Bragança (132), Guarda (135), Portalegre (147) e Vila Real (220) foram os distritos com menos recém-nascidos estudados.
Já o mês de janeiro tinha tido apenas 46 nascimentos, um número que só teve comparação em 2016, quando nasceram apenas 45 bebés na maternidade do hospital de Bragança, a única do distrito.
O ano de 2019 tinha sido o que tinha tido maior volume de partos, com 75 crianças nascidas.
Para Henrique Ferreira, sociólogo, este é um fenómeno que “poderia ser ainda pior” se não fossem as comunidades imigrantes.
“A demografia é uma área interdisciplinar em que as disciplinas interferentes são muitas. Podemos dizer que a demografia é uma das áreas interdisciplinares mais amplas. Nela, demografia, interferem a geografia, a economia, a cultura, o sistema de valores, o sistema de motivações sociais, o sistema de oportunidades e o sistema de gratificações. Muitas destas áreas estão incluídas ou derivam das políticas públicas em relação à demografia, à natalidade, à educação e, sobretudo, às perspetivas de futuro.
Não se pode dizer que uma determinada comunidade não quer ter filhos. Isso também pode acontecer mas não é comum. O que acontece é que as pessoas avaliam a sua situação face aos contextos e decidem não ter filhos ou porque sentem que não têm condições para lhes dar uma vida boa ou porque acham que ainda não é oportuno tê-los face à situação em que se encontram. O resultado é que os filhos ou vêm cada vez mais tarde na idade dos casais, sobretudo das mulheres, ou, simplesmente, já não vêm porque passou o tempo.
O número de nascimentos fornecidos pela Unidade de Rastreio Neonatal, Metabolismo e Genética do Departamento de Genética Humana do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (https://www.insa.min-saude.pt/rastreio-neonatal-19-628-recem-nascidos-e…) estão em linha com os dos anos anteriores: regiões mais populosas têm mais nascimentos e menos populosas têm menos. Sem um algoritmo de comparação não podemos dizer que na região A houve mais nascimentos que na B. Essa afirmação implicaria saber, por exemplo, quantos nascimentos por cada 1000 habitantes ou quantos por cada 1000 mulheres. Não temos esse referente.
Porém, calculamos (apesar das variáveis interferentes do clima) que os 132 nascimentos registados no Distrito de Bragança, para o primeiro trimestre do presente ano, resultariam em 560 nascimentos para o ano inteiro, o que não é consolação nenhuma porque mantém o número dos anos anteriores, mesmo com o recurso à imigração, o que implicará que a situação seria ainda pior se não houvesse o recurso às comunidades estrangeiras ou naturalizadas, tais como a africana, a brasileira e a europeia, nesta particularmente a dos países do Leste Europeu”, explicou o investigador.
De acordo com Henrique Ferreira, “a população do Distrito continuará a envelhecer, particularmente nos concelhos mais afastados da A4, onde as oportunidades de vida e de serviços são menores para os jovens e adultos.
Precisaríamos de nascimentos ao ritmo de 10 por cada mil habitantes (1260 nascimentos por ano) para mantermos o atual nível etário da população do Distrito. Precisaríamos de um ritmo de 13 por cada mil para, em 70 anos, transformarmos o Distrito num distrito razoavelmente jovem. Estamos com 4,4 por mil. A tarefa é hercúlea”.
Henrique Ferreira frisa ainda que, apesar de haver a presença, nos últimos anos, de vários imigrantes oriundos dos PALOP, não é esperado o aumento do número de nascimentos.
“Em princípio, não, relativamente aos imigrantes dos PALOP, na medida em que estes não vieram para ficar. Se ficam, é em número pouco representativo. No entanto, face a números de anos anteriores, é expectável que cerca de 100 nascimentos tenham origem nas diferentes comunidades estrangeiras ou naturalizadas e nas comunidades ciganas, o que já é um bom contributo. Portanto, estas últimas parecem estar a contribuir para o aumento de nascimentos.
Porém, sendo a demografia a tal área sistémica e interdisciplinar não será apenas com as comunidades imigrantes que vamos resolver o nosso problema demográfico. É melhorando as condições de vida de todos e oferecendo fortes apoios aos pais com filhos e aos jovens com expectativas de ter filhos. Além disso, há que apostar na educação para o futuro e para o amor. Nada ensinará mais a amar que a relação pai/mãe- filho. É tempo de pensarmos numa sociedade intergeracionalmente solidária e não apenas em idosos abandonados em lares e jovens hedonistas a divertirem-se nos bares e discotecas e a terem de emigrar para ganhar o dia-a-dia. Perdeu-se a noção do futuro e do amor. Exportamos toda a nossa inteligência sem pensarmos no futuro do país. É isso que os grande países da Europa querem: que lhes sustentemos o progresso e a demografia sem gastarem um tostão com a formação”, sustenta.
O investigador sublinha que “estamos em comunidades que lutam pela sua própria morte, não pela sua vida e pelo seu futuro”.
“Basta olharmos para as nossas aldeias e vermos a tristeza das escolas fechadas. Ali já não saltam nem brincam crianças e os idosos sentem-se a morrer porque não vêem futuro razoável para as suas vidas. O envelhecimento, também ele é sistémico. Não é apenas um problema de idade biológica. É também um problema afetivo, de autonomia, de perda de confiança no futuro, de não-partilha de cultura e de afetos. Hoje destrói-se o passado alienando-se o futuro. Até os adultos-filhos alienam os seus progenitores nos lares privando-se a eles próprios das ricas histórias dos mais velhos e dos ensinamentos destes. Estamos em comunidades que lutam pela sua própria morte, não pela sua vida e pelo seu futuro.
Em 1993, no primeiro artigo que escrevi sobre a demografia no Distrito, previa que este já só teria 130.000 habitantes em 2020. A realidade ultrapassou a minha previsão e também estava longe de imaginar que a maior parte dos nossos concelhos estariam com índices de envelhecimento superior a 400% (400 idosos para cada 100 crianças e pré-adolescentes até 14 anos), havendo-os com 700%. Mesmo o de Bragança já atingiu os 281% quando os mais jovens andam pelos 50%”, diz.
Seria preciso o triplo dos nascimentos para rejuvenescer a população
Henrique Ferreira explica que o distrito de Bragança precisava do triplo dos nascimentos para um processo de rejuvenescimento da população.
“Precisaríamos de entre 1550 e 1600 nascimentos por ano contra os presumíveis 560 de 2022. Uma taxa de natalidade de 13 por mil e, mesmo assim, demoraríamos 70 anos, a chegar a uma taxa de envelhecimento de 50% e a uma taxa de juvenilização de 30% contra os atuais 7% (crianças e pré-adolescentes até 14 anos face a idosos com mais de 64 anos)
Esse desiderato é já impossível com a população existente no Distrito face à distribuição etária dela. Com a nossa população, o máximo que conseguiremos é ter entre 600 e 700 nascimentos. A pirâmide etária está invertida e, por isso, há que importar população jovem que possa dar-nos crianças mas isso levanta outros problemas de socialização, integração e apoio que é necessário salvaguardar e que vejo muito pouca gente a reflectir. Os portugueses e, em geral os europeus, só querem o seu bem-estar, pouco se preocupando com o dos outros e com o futuro. Foi este o principal efeito perverso das democracias e do Estado Social. Até que lhes aconteça como aos ucranianos”, concluiu.
Testes do pezinho nos meses de janeiro no distrito de Bragança:
2022 2021 2020 2019 2018 2017 2016 2015 2014 2013 2012
46 71* 66 75 67 50 45 45 57 55 46
* dados relativos aos meses de janeiro e fevereiro
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