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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

“Bô, um abraço arrochado para 2021!”

E se um caga-lérias qualquer armado em guicho perguntar a um transmontano “É verdade que vocês usam bô em tudo o que dizem?”, ele vai responder ao lapantim: “Bô, eu cá não concordo nada.”

Desde muito pequeno que me lembro dessa interjeição. O meu pai, beirão por nascimento, transmontano por adoção, usava-a e, sempre que ia a Chaves ou a Bragança, ouvia-a, variadíssimas vezes e em diferentes contextos, ao ponto de não a conseguir interpretar corretamente e ter que pedir explicações. Logo me disseram que queria dizer tudo e não queria dizer nada, ao mesmo tempo.

Na altura, fiquei resignado com a justificação. Demorei alguns anos a questionar-me novamente. A verdade é que, na maioria das vezes, não valorizamos e nem sequer nos apercebemos de que, todos nós, somos bibliotecas vivas e dicionários em permanente atualização. Por esse motivo, são geralmente as pessoas de outras regiões que nos chamam a atenção para determinada palavra ou expressão que usamos e à qual o ouvinte reagiu, por não conseguir descodificar o seu sentido. Eu, que sou do Porto, só me apercebi de que a expressão “à minha beira” é propriedade quase exclusiva dos nortenhos quando, num programa de televisão, o apresentador, que tinha passado parte da sua vida no Norte, salientou esse facto, quando, a propósito de algum assunto, lhe dizia que estava ali, “sentado à sua beira”. No Sul, usam “junto de mim”. Não tem a mesma força nem a mesma paixão, digo eu. Tal como “Bô”. É das palavras mais pequenas, mas das que mais significados e estados de espírito abrangem!

Bô, bendita região transmontana! É terra de gente de respeito, de trabalho, de grande coração, que tão depressa promete uma arrochada a quem o tenta guilhar, como oferece a sua melhor canhona ao amigo. Gente de asseio que não preza bodalhices, seja uma carranha fora do local certo, seja a cama emboligada de forfalha. É terra abençoada, um cibinho de céu ao alcance de todos.

Um abraço arrochado para todos!


Ora essa! | Bom | Não acredito

Em termos de classificação morfológica, “Bô” é apenas uma interjeição, a forma antiga e popular do adjetivo bom. Mas para os transmontanos é muito mais do que isso. É uma expressão utilizada, ainda nos nossos dias, quase diariamente por muitos milhares de falantes e, curiosamente, serve para várias situações. Bô, sejamos honestos: serve para quase tudo!

Este interjeição tanto pode designar espanto ou incredulidade, como desconfiança como ainda simplesmente funcionar como cajado de ajuda linguística para dar tempo a pensar no que se vai dizer a seguir. Na verdade, é praticamente impossível definir o seu significado. A forma como o transmontano a pronuncia e entoa pode ajudar um pouco a descodificar o seu real sentido, mas isso é um código que só quem é de Trás-os-Montes domina. Dependendo do contexto, pode querer dizer “Ora essa!”, “Estás a tentar enrolar-me!”, “Pensando bem”, “Bom” e tantas outras coisas.

Por outro lado, introduz uma das expressões mais usuais entre os falantes, que é o celebérrimo “Bô, bem m’eu finto!”, uma espécie de “Fia-te na Virgem e não corras…, que a mim não me enganas!”.

Bodalhices
Porcarias | Sujeiras | Falta de asseio

Se pensamos em palavras decorrentes das respetivas palavras, encontramos algumas que, pela sua sonoridade, musicalidade e etimologia nos apetece dizer ou fazer. No que diz respeito a bodalhices, é das que dá muito gozo dizer, mas já se deve pensar um pouco antes de as materializar, pois a palavra é sinónimo de falta de asseio, porcarias. Fazer bodalhices é sujar-se, mas sujar-se em excesso, tal como os porcos gostam de chafurdar na lama. Em Trás-os-Montes, reporta-se a sua utilização a miúde em diversas situações, mas principalmente nas reprimendas ou conselhos dados de mães aos filhos.

A palavra tem uma explicação tão simples quão lógica: vem de bodalho, que significa leitão ou “porco novo”. Assim, se porco origina as porcarias, bodalho transforma-se em bodalhices!

João Carlos Brito

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