Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Começava hoje o ano e a turma da Caleja reunia para designar os grupos de rapazes que iriam até ao dia cinco de Janeiro, inclusive, Cantar Os Reis à porta das famílias que aceitavam tal saudação e que retribuíam com algumas parcas moedas ou mantimento, vulgo, chouriças ou alheiras.
Tradição conservada durante muito tempo e mesmo rudimentar na forma como era praticada, não deixava de ter a sua beleza e ainda o seu objetivo, ao ser obra popular nos unir em tempo de grandes dificuldades.
Esta atividade lúdica trazia a garotada em polvorosa e os mais velhitos lá se encarregavam de manter a ordem no grupo e guardarem os proventos que eram irrisórios mas que no final, dia de Reis eram repartidos por todos.
Os instrumentos musicais eram de ordem simples e apenas com uma pandeireta, uns ferrinhos e a voz da turma em uníssono, causava como que um arrepio nas costas que ainda hoje recordo das vezes que calhava bem e a orquestra estava afinada e a recompensa se antecipava sofrível.
Abríamos com Alegres Festas Viemos dar / E o Deus Menino a acompanhar /, e logo que esta frase se concluía e não aparecia alguém da casa a dizer: -Não queremos Reis, cantávamos mais umas quantas de louvor ao Deus menino e aos membros da família que fossem presentes ou ausentes. A diversidade era pouquíssima mas para nós chegava já que assim era mais fácil cantar em muitas casas, fazendo assim que nos dessem maior recompensa. A quadra que abria o elogio começava assim: -Esta vai por despedida / Por cima de uma cadeira / Viva a dona desta casa /Que é uma bela cozinheira / repetindo a entrada e ajustando-a à necessidade do elemento que se queria elogiar: -Esta vai por despedida / Por cima de um candeeiro / Viva o dono desta casa / Que é um Senhor Cavalheiro /. E inventando ditos ficávamos com a incerteza da aceitação pacífica de os cânticos serem do agrado do, ou da visada.
Quando a porta se abria e alguém trazia a recompensa, estávamos nas nossas quintas, mas havia demasiados casos que em vez de recompensa recebíamos palavras de quem não queria ser incomodado ou mesmo alguma violência verbal que nós devolvíamos com acidez pois já alguém havia inventado a resposta, no caso de nos deixarem cantar e depois nos despedirem em branco, ou no caso de nos despedirem à chegada com maus modos: -Aqui caga o boi / Aqui caga a vaca / Não nos querem dar os Reis / Fazemos-lhe aqui a caca /.
Gradualmente e penso que pela força da mudança no estilo de vida ainda hoje se cantam os Reis mas de forma não espontânea e sem esta mística do grupo que busca um objetivo e que tudo faz para o conseguir. Lembro este tempo que descrevo como um tempo de crescimento e descoberta, pensando que hoje ao analisar a receção que algumas pessoas nos concediam, uns de boa mente, pensando em animar o grupo e elogiando-o e outros contrariamente nos despachavam com maus modos e até com violência verbal, pude apreender que o egoísmo dos homens deve ter a mesma percentagem do sentimento que nos faz irmãos e que estabiliza as relações.
Esta crónica foi hoje escrita como uma recordação grata da minha infância, tempo mágico que só se apagará quando prestar contas ao Altíssimo.
Bragança 01/01/2020
A. O. dos Santos
(Bombadas)
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