Apesar de os clientes terem vindo a diminuir ao longo do tempo, com o abandono das aldeias, este tipo de serviço continua a ser considerado importante e ganha maior relevo numa altura em que a pandemia condiciona as deslocações e exige mais recolhimento. Para Margarida Afonso o medo do vírus leva-a a ficar na aldeia de Gondesende e quase sempre em casa. Sair para comprar o pão é uma das poucas excepções. Se não houvesse padeiro ambulante “não era fácil” poder ter este bem. “Que o senhor não se encontre doente, porque é muito importante”, afirma.
Para as outras compras recorre também ao vendedor ambulante que vai de 15 em 15 dias à aldeia. O padeiro José Luís Pereira leva o pão directamente à porta de Natália Pires, de 91 anos, e do marido, de 92, em Terroso. “O padeiro vem sempre trazer-nos o pão, não saímos muito da aldeia”, diz. Conta que antes cozia pão mas agora já não consegue, por isso se o padeiro não viesse só se mandasse “vir de Bragança”. Virgínia Ervedosa compra pão todas as vezes que passa. Se não viesse “não era nada bom, não sei o que seria de nós”. “Eu cozer já não posso, tenho forno mas já não sou capaz e o resto das compras vem cá um merceeiro e quando não vem traz-mas a minha sobrinha”, conta.
Não sai da aldeia há dois meses. “Tenho medo, tinha uma consulta há uns dias e não fui”, diz. No caso de António Correia, de Veigas, o peixeiro vai mesmo à porta. Diz que sai da aldeia só quando é essencial. “Às compras não vou tantas vezes, mas compro mais quantidade, da maneira que isto anda…” Carmelina Oliveira diz que quase não sai. “Já antes disto saía pouco. É raro ele passar aqui que não compre peixe, este peixe é melhor que congelado. Também vem cá um merceeiro e compramos- -lhe o que precisamos”, conta. Para as pessoas que “não saem daqui eles vêm cá e lá se vão governando”. A quem dá jeito este serviço é a Ilda César, de Santa Comba de Rossas. “Não se pode sair, só saio de casa até aqui, porque está aqui ele [o peixeiro], senão não saía”. Outras compras são encomendadas ao filho, mas aproveitou para comprar legumes, que Luís Abel Nogueiro começou a vender também no primeiro confinamento porque as pessoas lhe pediam. Adaptou a carrinha, colocando duas prateleiras para disponibilizar frutas e vegetais.
O empresário faz venda ambulante de peixe em mais de 30 aldeias do concelho de Bragança e Macedo de Cavaleiros. Nota “muita diferença em relação ao primeiro confinamento”, quando vendia “muito mais” porque as pessoas estavam “mais retraídas”, embora agora veja também muita gente com medo. “Muita gente está isolada e tem medo de sair à rua”. Mas, nos últimos anos, nota que “o comércio baixou muito, não é fácil as pessoas governarem-se, porque as aldeias cada vez têm menos gente, sai uma ou duas pessoas” em cada localidade, que sempre compra. Admite que há mais gente em casa devido à obrigação de recolhimento domiciliário, “mas não saem ou vão às grandes superfícies” e diz que este confinamento “não está a ser cumprido a 100 por cento”. Na sua opinião, “há muito mais movimento”.
Com uma peixaria aberta ao público em Bragança, sai todos os dias para a distribuição, durante as manhãs, mas admite que não compensa muito. No entanto, diz que lhe “custa deixar as pessoas agora nesta pandemia abandonadas” e se parar “é óbvio que algumas pessoas vão morrer à fome porque não têm quem lhes traga nada a casa”. O vendedor de peixe recorda que no primeiro confinamento até medicação trazia às pessoas.
Menos venda na cidade, mas mantém-se nas aldeias
Já no caso de José Luís Pereira, que vende pão em várias aldeias do concelho de Bragança, diz que a venda só se mantém idêntica ao pré- -confinamento no meio rural. “Agora a 100 por cento é nas aldeias, porque em Bragança, caiu 60 a 70 por cento. A maior parte dos clientes são restaurantes que estão fechados”, explica. Segundo José Luís, nas aldeias tem os clientes habituais e “alguns que vêm de fora” em visita, o que depende “do tempo” e das limitações de circulação entre concelhos. “Quando as pessoas têm um bocadinho mais de liberdade, digamos, as pessoas vêm cá passar uns dias e sempre vão comprando um pão ao padeiro. Às vezes levam, porque lá para baixo não comem pão tão bom como este”, afirma. Em algumas aldeias, José Luís é o único padeiro ambulante que passa, fazendo o circuito duas vezes por semana. “Há dias que se vende muito, há outros que se vende pouco, no negócio há estes riscos, vender uns dias mais e outros dias menos”, diz e acrescenta que o negócio não é muito lucrativo e que “compensar, para ganhar dinheiro, não compensa”, mas dá “para tirar um ordenado” e “para as despesas”, “principalmente nesta altura que estamos atravessar”. Devido à pandemia, muitas dos habitantes das aldeias, em especial os mais idosos não saem muito e o padeiro é das poucas pessoas com quem se cruzam. “Também dou um bocadinho de conversa às pessoas, porque elas gostam de falar comigo”.
Vende vários tipos de pão em cerca de 15 aldeias e nesta altura é frequente ter encomendas maiores. “Agora vende-se um bocadinho mais, por exemplo, por causa do fumeiro, para fazerem alheiras, senão era a mesma coisa”, refere. Foi o caso de David Pires. E mesmo as pessoas que dispõem de transporte próprio e se podem deslocar habituam-se a comprar alguns produtos à porta. “Desenrascávamos sempre, porque vamos a Bragança muitas vezes, mas isto é um hábito que já vem de há muitos anos. Porque há vezes era preciso ir lá de propósito comprar pão e assim evitamos”, diz David Pires. Isabel Vaz fica em Gondesende em época de confinamento e diz que a passagem “do padeiro e do merceeiro dá jeito”, em especial para os mais idosos.
A professora que esteve de férias e agora em teletrabalho evita ir a Bragança, se o padeiro não vem a gente já estranha logo. Graça Diz, aposentada, passou a viver na aldeia de Terroso devido à pandemia há um ano. “Não compro pão todos os dias, mas é importantíssimo para as pessoas não se deslocarem”, afirma. Já Guilhermina Rodrigues afirma que é normal comprar o peixe ao vendedor e não apenas agora devido à Covid-19, mas reconhece que é uma boa ajuda para não ter de sair tantas vezes da aldeia de Santa Combinha de Rossas para ir às compras. Trabalha na sede de concelho num infantário, mas agora está em casa. “Vou menos vezes a Macedo, esta semana ainda não fui”, conta.
Fátima Eiras diz também que costuma comprar peixe e acha que é um bom serviço “para as pessoas na aldeia, tal como o pão que também é muito importante”. Desde que ficou em casa, com a filha, tem “evitado sair, só se precisar de comprar alguma coisa urgente”.
Ausência estranhada
Luís Gonçalves vende mercearia pelo meio rural e diz que se apercebe que as pessoas mais velhas não saem. “Nas nossas aldeias a população é bastante envelhecida e essas pessoas com mais idade têm mais dificuldade em se deslocar ou têm receio de o fazer” e, nesta altura, “fazem mais umas compras, como leite e esses produtos”, conta o vendedor. Na última semana, não percorreu como habitualmente as aldeias do concelho, porque a carrinha avariou e a ausência foi estranhada. “Alguns clientes ligaram-me e tive de ir levar mercadoria a casa de algumas pessoas. Dizem-me o que faz falta, eu faço uma lista e tenho estado a entregar ao domicílio”, afirmou. As pessoas contam com a mercearia, a fruta e legumes que há mais de 20 anos Luís distribui e quando não passa no dia certo “as pessoas ficam preocupadas e a achar que alguma coisa se passou”.
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