Foram logo, e passaram sem fazer caso ao pé da ativa formiga e da abelha diligente. Mas o besouro, que eles convidaram a vir patuscar, disse-lhes:
- Brincar? Preciso construir com estas ervas uma ponte nova, porque a outra já não está solida.
- Eu, disse o rato, tenho que fazer as minhas provisões para o inverno.
- Eu, disse dali a pomba, tenho muitas cousas que levar para o meu ninho.
- Eu, disse a lebre, gostava bem de me ir divertir com vocês, mas ainda hoje não lavei o meu focinho. Antes de mais nada, tenho que fazer a minha toilete.
E tu, lindo regato, disseram os pequenos desertores, que passas o tempo a saltar e a tagarelar, também não queres brincar connosco?
- Estes pequenos são tolos, disse o regato. Como? Vocês então imaginam que eu não tenho que fazer? De noite ou de dia, não descanso nem um momento. Tenho que dar de beber aos homens e aos animais, às colinas, aos vales, aos campos e aos jardins. Tenho que apagar os incêndios, tenho que fazer mover as forjas, os moinhos, as serralherias. Nem hoje acabara, se lhes quisesse contar o que tenho que fazer. Não posso perder um instante. Adeus, adeus. Estou com muita pressa.
Os pequenos, desconcertados, puseram-se a olhar para o ar, e viram um pintassilgo, em cima de um ramo.
- Olha! tu, que não tens nada que fazer, queres brincar connosco?
- Nada que fazer? vocês estão a mangar comigo, disse o pintassilgo. Todo o dia tenho que apanhar moscas para comer. Tenho além disso que tomar parte no concerto dos passarinhos, tenho que alegrar o operário com o meu chilrear, e tenho que adormecer as crianças com uma outra cantiga, que à noite e de madrugada celebre a bondade do Criador. Ide-vos embora, preguiçosos, ide cumprir o vosso dever, e não tornem a vir incomodar os habitantes das florestas, que cada um tem a sua tarefa a desempenhar.
Os pequenos aproveitaram a lição, e compreenderam que o prazer só é legítimo, quando é a recompensa do trabalho.
Guerra Junqueiro: "Contos para a Infância", Publicado originalmente em 1877.
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