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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Guerra Junqueiro: "O Chapelinho Encarnado"

 Era uma vez uma rapariguinha muito bonita e cheia de bondade, a quem sua mãe e sua avó adoravam extremosamente. A boa da avozinha, que passava o tempo a imaginar o que poderia agradar à neta, deu-lhe um dia um chapéu de veludo vermelho. A pequenita andava tão contente com o seu chapéu novo, que já não queria pôr outro, e começaram a chamar-lhe a menina do chapelinho encarnado.

A mãe e a avó moravam em duas casas separadas por uma floresta de meia légua de comprido. Uma manhã a mãe disse à pequenita:

- Tua avó está doente, e não pôde vir ver-nos. Eu fiz estes doces, vai levar-lhes tu esta garrafa de vinho. Toma cuidado não quebres a garrafa, não andes a correr, vai devagarinho e volta logo.

- Sim, mamã, respondeu ela, hei de fazer tudo como deseja.

Atou o seu avental, meteu num cestinho a garrafa e os doces, e pôs-se a caminho. No meio da floresta um lobo aproximou-se dela. A pequenita, que nunca vira lobos, olhou para ele sem medo algum.

- Bons dias, chapelinho encarnado.

- Bons dias, meu senhor, respondeu delicadamente a pequena.

- Onde vais tão cedo?

- A casa da minha avó que está doente.

- E levas-lhe alguma cousa?

- Levo, sim senhor; levo-lhe uns bolos e uma garrafa de vinho para lhe dar forças.

Dize-me onde mora a tua, avó, que também a quero ir ver.

- É perto, aqui no fim da floresta. Há ao pé uns carvalhos muito grandes, e no jardim há muitas nozes.

- Ah! tu é que és uma bela noz, disse consigo o lobo. Como eu gostava de te comer. Depois continuou em voz alta: - Olha, que bonitas árvores e que lindos passarinhos. Como é bom passear nas florestas, e então que quantidade de plantas medicinais que se encontram!

- O senhor, é com certeza um medico, respondeu a inocente pequenita, visto que conhece as ervas medicinais. Talvez me pudesse indicar alguma que fizesse bem a minha avó.

- Com certeza, minha filha, olha, aqui está uma, e esta também, e aquela. Mas todas as plantas que o lobo indicava, eram plantas venenosas. A pobre criança, queria-as apanhar para as levar a sua avó.

- Adeus, meu lindo chapelinho encarnado, estimei muito conhecer-te. Com grande pena minha, tenho de te deixar para ir ver um doente.

E pôs-se a correr em direção da casa da avó, enquanto que a pequerrucha se entretinha em apanhar as plantas que ele tinha indicado.

Quando o lobo chegou à porta da velha, achou-a fechada e bateu, mas a avó não se podia levantar da cama, e perguntou: Quem está aí?

- É o chapelinho encarnado, respondeu o lobo imitando a voz da pequerrucha. A mamã manda-te bolos e uma garrafa de vinho.

- Procura debaixo da porta disse a avó, que encontrarás a chave.

Encontrou-a, abriu a porta, engoliu de uma bocada a pobre velha inteira, e depois, vestindo o fato que ela costumava usar, deitou-se na cama.

Pouco depois entrou a pequenita, assustada e admirada de encontrar a porta aberta, porque sabia o cuidado com que a avó a costumava ter fechada.

O lobo tinha posto uma touca na cabeça, que lhe escondia uma parte do focinho, mas o que lhe ficava descoberto era horrível.

- Ai! avozinha, disse a criança, porque tens tu as orelhas tão grandes?

- É para te ouvir melhor, minha filha.

- E porque estás com uns olhos tão grandes?

- É para te ver melhor.

- E para que estás com os braços tão grandes?

- É para te poder abraçar melhor.

- E Jesus! para que tens hoje uma boca tão grande e uns dentes tão agudos?

- É para te comer melhor. A estas palavras o lobo arremessou-se à pobre pequena, e engoliu-a. Como estava repleto, adormeceu, e começou a ressonar muito alto. Um caçador que passava por acaso, perto da casa, e que ouviu aquele barulho, disse consigo: A pobre velha está com um pesadelo, está pior talvez, vou ver se precisa de alguma cousa. Entra, e vê o lobo estendido na cama.

- Olá, meu menino, diz ele: há muito tempo que te procuro.

Armou a sua espingarda, mas parando logo: Não, disse ele, não vejo a dona da casa. Talvez o lobo a engolisse viva. E em lugar de matar o animal com uma bala, pegou na sua faca de mato, e abriu-lhe cuidadosamente a barriga. Apareceu logo o chapelinho encarnado e saltou para o chão, gritando:

- Ai! que sítio medonho onde eu estive fechada!

A avó saiu também contentíssima por ver outra vez a luz do dia.

O lobo continuava a dormir profundamente, e o caçador meteu-lhe então duas grandes pedras na barriga, coseu tudo, e escondeu-se com a avó e a neta para verem o que se ia passar.

Decorrido um instante o lobo acordou, e como tinha sede, levantou-se para ir beber ao lago. Ao andar ouvia as pedras baterem uma na outra, e não podia compreender o que aquilo era; com o peso, caiu no lago, e afogou-se.

O caçador tirou-lhe a pele, comeu os bolos e bebeu o vinho com a velha e a sua neta. A velha sentia-se remoçar, e o chapelinho encarnado prometeu não tornar a passar na floresta, quando sua mãe lh'o proibisse.

Fonte:
Guerra Junqueiro: "Contos para a Infância", Publicado originalmente em 1877.

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