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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 29 de maio de 2021

Gambúsia: Este peixe invasor veio para combater a malária e ficou em Portugal

 No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras, Filipe Ribeiro, investigador do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, ligado ao projecto LIFE Invasaqua, explica tudo o que precisamos de saber sobre este peixe que já tem uma longa história em território português.

Macho de gambúsia (em cima) e fêmea da mesma espécie (em baixo). Foto: Filipe Ribeiro

Que espécie é esta?

Este peixe de pequenas dimensões não atinge mais do que sete centímetros, mas geralmente tem um tamanho de três a quatro centímetros. Pertence à família dos Guppies e apresenta uma barbatana caudal redonda e tons azulados na barriga; as fêmeas têm uma mancha preta no abdómen. Os machos são mais pequenos e têm uma barbatana anal prolongada, que serve de órgão copulador.

É uma espécie originária da parte leste da América do Norte, tendo sido introduzida em todos os continentes – sobretudo para o combate à malária no início do século XX, mas também por motivos ornamentais.

Geralmente, a gambúsia não vive mais do que 15 meses, mas reproduz-se logo após quatro a seis semanas de vida. Costuma reproduzir-se entre abril e agosto.

E como chegou a Portugal?

Há cerca de 100 anos esta espécie era introduzida para o combate à malária, através da sua potencial predação sobre as larvas do mosquito transmissor desta doença.

A primeira ocorrência em território português já tem 90 anos: data de 1931, quando a espécie foi detetada em Benavente. Segundo reza a história, um dos diretores da Estação Antimalárica de Benavente enviou para o Aquário Vasco da Gama uns exemplares para identificação de uns “peixes vulgares nas valas” da região.

Após uma expedição no local, descobriu-se que esta espécie era a Gambusia holbrooki e estava amplamente espalhada pelos rios ali da zona. Também se reconheciam as suas capacidades antimaláricas, uma vez que comeria as larvas aquáticas do mosquito transmissor da malária.

A sua proveniência terá sido de Espanha, uma vez que a espécie tinha sido introduzida num pequeno lago em Cáceres em 1921. Não sabemos muito bem qual terá sido o mecanismo de dispersão: a introdução directa desde Cáceres em Portugal ou se se foi dispersando pelo Rio Tejo ao longo da década seguinte, até ser encontrada em território nacional. Depois, durante o século XX, a gambúsia foi dispersada pelo país todo, quer oficialmente, quer pelas pessoas de forma descontrolada.

Onde é que está presente no nosso país?

Pode ser encontrada em todo o território nacional, sobretudo nas margens dos rios ou nas barragens. São peixes que nadam em pequenos cardumes, relativamente cabeçudos, e conseguem-se ver bem duas manchas na cabeça que correspondem aos olhos. Mas esta é uma espécie que se encontra apenas em rios com águas mais paradas, é raro ocorrer em rios de montanha.

Foto: Wiki Commons

Mas qual é o problema com a gambúsia?

A introdução deste pequeno peixe teve como objetivo controlar a malária através da predação das larvas de mosquito. Entretanto a doença acabou por desaparecer devido à aplicação de pesticidas e também à melhoria da rede de esgotos nas vilas e aldeias. Mas esta espécie, que permaneceu no país, é altamente agressiva.

Por um lado, porque ataca os peixes que se encontram nos habitats mais lênticos – ambientes de águas de pouca movimentação como lagos ou charcos – e pode afastá-los para áreas menos apropriadas à sua sobrevivência. Para além de serem ótimas competidoras por espaço, as gambúsias são muito vorazes, comendo muito eficazmente o alimento, e são de uma forma geral insaciáveis. Tudo isto faz com que alguns dos peixes nativos, sobretudo os juvenis, tenham menor sobrevivência.

Por outro lado, alimenta-se preferencialmente de zooplâncton – animais microscópios que vivem na coluna de água – o que reduz a abundância deste nos rios e barragens. Como o zooplâncton controla a biomassa de fitoplâncton (algas), a maior predação exercida pela gambúsia tem como consequência a diminuição do zooplâncton e uma perda da qualidade da água das barragens e rios devido ao aumento de fitoplâncton. Com frequência, aliás, isto faz com que a água das barragens se torne verde.

Há medidas possíveis para controlar ou erradicar as populações desta espécie? 

Não é possível erradicar as populações de gambúsia por vários motivos: têm uma elevada fecundidade, são tolerantes a uma grande variedade de condições ambientais e também oportunistas em relação à disponibilidade de alimentos. Por isso, a melhor forma de evitar os impactos deste invasor é mesmo prevenir a sua introdução em sistemas aquáticos onde ainda não ocorre – como acontece também na amêijoa-japonesa, por exemplo.

Outro facto que impede a erradicação da espécie é que está hoje amplamente espalhada por todo o território português, sendo extremamente abundante nalguns locais. Até pode ser possível controlar as populações de gambúsia, mas isso terá de ser realizado a nível local e requer um esforço continuado.  

Então, que cuidados podemos ter ?

O importante é que as pessoas deixem de introduzir esta espécie nos poços e nos lagos que têm em casa. É preferível que não o façam, uma vez que isso pode contribuir para a sua dispersão para as ribeiras e rios mais próximos.

Fêmea de gambúsia. Foto: Robert Aguilar, Smithsonian Environmental Research Center

E qual é a situação noutros sítios do mundo onde é invasora?

A gambúsia é reconhecida a nível mundial como uma das espécies mais indesejadas e invasoras. Na Austrália, é considerada uma das espécies que tem mais impacto nos ecossistemas. E em Espanha, nas zonas estuarinas, é uma das espécies responsáveis pelo declínio de duas espécies endémicas que aí existem. 

Uma curiosidade…

O nome em inglês da família Poeciliidae é ‘Mosquitofishes’ (peixes-mosquito) e é a reboque deste nome que a gambúsia é hoje conhecida em inglês como ‘Mosquitofish’. Aliás, foi introduzida em inúmeros países para o suposto controlo da larva aquática do mosquito transmissor da malária. Mas foi realizado um estudo no Baixo Mondego, em que se avaliaram as preferências alimentares da gambúsia, e verificou-se que esta espécie de facto alimenta-se preferencialmente de zooplâncton. Só ocasionalmente é que se alimenta de larvas de mosquito.

… e ainda outra curiosidade

É comum verem-se gambúsias a predarem os ninhos de perca-sol (Lepomis gibbosus), que é outra espécie invasora. Estes peixes formam dois cardumes e atacam o ninho de forma cooperativa: um cardume serve de engodo para as percas-sol o perseguirem, deixando o ninho sem proteção para o outro cardume. Depois os progenitores de perca-sol apercebem-se e vão afugentar o outro cardume, deixando espaço para o primeiro cardume de gambúsias atacar o ninho. 

Filipe Ribeiro

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