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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

A MINHA BISAVÓ JÚLIA

Por: Humberto Pinho da Silva 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Era mulher simples e profundamente crente. Casou duas vezes. Os maridos eram primos. O primeiro, austero, proibia-a de ler a Bíblia (Novo Testamento,) porque era, na sua opinião, Livro protestante!
Já idosa ficou entrevada, impedida de participar na missa, devido à enfermidade. Assistia, ao culto, na varanda da sua velha casa, virando-se para a igreja de Santa Marinha, lendo o “Ordinário “
Quando tinha saúde, em épocas em que se receava entrar numa igreja, para não se escutar a chacota dos hereges, não faltava à missinha, enfrentando, com ardor, os vitupérios.
Passou anos – cheia de dores, – numa cadeira de rodas, encafuada em sombrio quarto, a rezar e a cantar loas, aos santos e ao Santíssimo Sacramento.
Um dia, quando ainda andava, foi, com amigas, à igreja de S. Francisco, no Porto. Demoraram-se, em recolhimento, após a missa.
Saiu com as amigas, senhoras devotas que frequentavam movimentos católicos, pela porta lateral. Ao passarem pelo corredor, estacaram:
Decorria pequena procissão. Eram entoados cânticos muito antigos, e antigos eram as vestes dos fiéis.
Retrocederam, e saíram por outra porta.
Ficaram, todavia, a pensar na procissão, a horas impróprias, e foram, mais tarde, falar ao sacerdote. Este ficou admirado. Não houvera qualquer cerimónia nesse dia…
Já de avançada idade, cuidou do neto (meu pai,) órfão – o pai falecera de pneumónica, a mãe tuberculosa.
Como o órfão era menor – oito anos, – criou-se Conselho de Família. O presidente era honesto e pessoa de bem; mas outros, aproveitando a ingenuidade da velha avó, conseguiram ludibria-la, prejudicando o menino-órfão.
Certa vez ouvira num sermão, dizer: que as Bíblias protestantes, eram falsas e deviam ser queimadas.
Escrupulosa, pegou na sua Bíblia, ricamente encadernada, ilustrada com preciosas gravuras, em dois volumes, e foi ter com o abade.
Este disse-lhe, que era pena queima-la. Que ficaria para seu uso, já que era bilingue (português e latim),
Bondosa e simples, mas não burra, retorquiu:
 - Se é boa para o senhor abade, também é para mim…”
E saiu sobraçando os dois pesados volumes. Educou meu pai com esmero, mas o rapazinho pouco valor dava às recomendações da avó, e menos ainda ao clero.
Por intermédio de sacerdote, da sua idade, congraçou-se com Deus, chegando a levar, ao bom caminho, primo, avesso à Igreja, influenciado pelas ideias de velhos e fanáticos republicanos.
Dizem que era bonita, mas nada vaidosa; cantava divinamente; faleceu nos anos trinta, antes de meu pai casar mas ainda conheceu sua esposa.
Morreu como santa. Após a morte, pediam-lhe intercessão no Céu, porque a julgavam digna.
Durante anos, na Igreja de S. Francisco, foi lembrado a misteriosa procissão, com orações e ligeiras cerimónias litúrgicas.
Tudo caiu no esquecimento, até para os descendentes. Hoje, não passa, como disse Cecília Meireles, de simples antepassada, cujo nome nem sequer recordam…
Tudo passa. Tudo esquece…Todos nós, em escassos anos, passamos a mito ou meros antepassados. Como se nunca tivéssemos existido…

Humberto Pinho da Silva
nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro de 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual, Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou, no semanário diocesano de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo Prof. Doutor Videira Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa portuguesa, brasileira, alemã, argentina, canadiana e USA. Foi redactor do jornal: “NG”. e é o coordenador do Blogue luso-brasileiro "PAZ".

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