Por: Humberto Pinho da Silva
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Era mulher simples e profundamente crente. Casou duas vezes. Os maridos eram primos. O primeiro, austero, proibia-a de ler a Bíblia (Novo Testamento,) porque era, na sua opinião, Livro protestante!
Já idosa ficou entrevada, impedida de participar na missa, devido à enfermidade. Assistia, ao culto, na varanda da sua velha casa, virando-se para a igreja de Santa Marinha, lendo o “Ordinário “
Quando tinha saúde, em épocas em que se receava entrar numa igreja, para não se escutar a chacota dos hereges, não faltava à missinha, enfrentando, com ardor, os vitupérios.
Passou anos – cheia de dores, – numa cadeira de rodas, encafuada em sombrio quarto, a rezar e a cantar loas, aos santos e ao Santíssimo Sacramento.
Um dia, quando ainda andava, foi, com amigas, à igreja de S. Francisco, no Porto. Demoraram-se, em recolhimento, após a missa.
Saiu com as amigas, senhoras devotas que frequentavam movimentos católicos, pela porta lateral. Ao passarem pelo corredor, estacaram:
Decorria pequena procissão. Eram entoados cânticos muito antigos, e antigos eram as vestes dos fiéis.
Retrocederam, e saíram por outra porta.
Ficaram, todavia, a pensar na procissão, a horas impróprias, e foram, mais tarde, falar ao sacerdote. Este ficou admirado. Não houvera qualquer cerimónia nesse dia…
Já de avançada idade, cuidou do neto (meu pai,) órfão – o pai falecera de pneumónica, a mãe tuberculosa.
Como o órfão era menor – oito anos, – criou-se Conselho de Família. O presidente era honesto e pessoa de bem; mas outros, aproveitando a ingenuidade da velha avó, conseguiram ludibria-la, prejudicando o menino-órfão.
Certa vez ouvira num sermão, dizer: que as Bíblias protestantes, eram falsas e deviam ser queimadas.
Escrupulosa, pegou na sua Bíblia, ricamente encadernada, ilustrada com preciosas gravuras, em dois volumes, e foi ter com o abade.
Este disse-lhe, que era pena queima-la. Que ficaria para seu uso, já que era bilingue (português e latim),
Bondosa e simples, mas não burra, retorquiu:
- Se é boa para o senhor abade, também é para mim…”
E saiu sobraçando os dois pesados volumes. Educou meu pai com esmero, mas o rapazinho pouco valor dava às recomendações da avó, e menos ainda ao clero.
Por intermédio de sacerdote, da sua idade, congraçou-se com Deus, chegando a levar, ao bom caminho, primo, avesso à Igreja, influenciado pelas ideias de velhos e fanáticos republicanos.
Dizem que era bonita, mas nada vaidosa; cantava divinamente; faleceu nos anos trinta, antes de meu pai casar mas ainda conheceu sua esposa.
Morreu como santa. Após a morte, pediam-lhe intercessão no Céu, porque a julgavam digna.
Durante anos, na Igreja de S. Francisco, foi lembrado a misteriosa procissão, com orações e ligeiras cerimónias litúrgicas.
Tudo caiu no esquecimento, até para os descendentes. Hoje, não passa, como disse Cecília Meireles, de simples antepassada, cujo nome nem sequer recordam…
Tudo passa. Tudo esquece…Todos nós, em escassos anos, passamos a mito ou meros antepassados. Como se nunca tivéssemos existido…
Já idosa ficou entrevada, impedida de participar na missa, devido à enfermidade. Assistia, ao culto, na varanda da sua velha casa, virando-se para a igreja de Santa Marinha, lendo o “Ordinário “
Quando tinha saúde, em épocas em que se receava entrar numa igreja, para não se escutar a chacota dos hereges, não faltava à missinha, enfrentando, com ardor, os vitupérios.
Passou anos – cheia de dores, – numa cadeira de rodas, encafuada em sombrio quarto, a rezar e a cantar loas, aos santos e ao Santíssimo Sacramento.
Um dia, quando ainda andava, foi, com amigas, à igreja de S. Francisco, no Porto. Demoraram-se, em recolhimento, após a missa.
Saiu com as amigas, senhoras devotas que frequentavam movimentos católicos, pela porta lateral. Ao passarem pelo corredor, estacaram:
Decorria pequena procissão. Eram entoados cânticos muito antigos, e antigos eram as vestes dos fiéis.
Retrocederam, e saíram por outra porta.
Ficaram, todavia, a pensar na procissão, a horas impróprias, e foram, mais tarde, falar ao sacerdote. Este ficou admirado. Não houvera qualquer cerimónia nesse dia…
Já de avançada idade, cuidou do neto (meu pai,) órfão – o pai falecera de pneumónica, a mãe tuberculosa.
Como o órfão era menor – oito anos, – criou-se Conselho de Família. O presidente era honesto e pessoa de bem; mas outros, aproveitando a ingenuidade da velha avó, conseguiram ludibria-la, prejudicando o menino-órfão.
Certa vez ouvira num sermão, dizer: que as Bíblias protestantes, eram falsas e deviam ser queimadas.
Escrupulosa, pegou na sua Bíblia, ricamente encadernada, ilustrada com preciosas gravuras, em dois volumes, e foi ter com o abade.
Este disse-lhe, que era pena queima-la. Que ficaria para seu uso, já que era bilingue (português e latim),
Bondosa e simples, mas não burra, retorquiu:
- Se é boa para o senhor abade, também é para mim…”
E saiu sobraçando os dois pesados volumes. Educou meu pai com esmero, mas o rapazinho pouco valor dava às recomendações da avó, e menos ainda ao clero.
Por intermédio de sacerdote, da sua idade, congraçou-se com Deus, chegando a levar, ao bom caminho, primo, avesso à Igreja, influenciado pelas ideias de velhos e fanáticos republicanos.
Dizem que era bonita, mas nada vaidosa; cantava divinamente; faleceu nos anos trinta, antes de meu pai casar mas ainda conheceu sua esposa.
Morreu como santa. Após a morte, pediam-lhe intercessão no Céu, porque a julgavam digna.
Durante anos, na Igreja de S. Francisco, foi lembrado a misteriosa procissão, com orações e ligeiras cerimónias litúrgicas.
Tudo caiu no esquecimento, até para os descendentes. Hoje, não passa, como disse Cecília Meireles, de simples antepassada, cujo nome nem sequer recordam…
Tudo passa. Tudo esquece…Todos nós, em escassos anos, passamos a mito ou meros antepassados. Como se nunca tivéssemos existido…
Humberto Pinho da Silva nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro de 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual, Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou, no semanário diocesano de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo Prof. Doutor Videira Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa portuguesa, brasileira, alemã, argentina, canadiana e USA. Foi redactor do jornal: “NG”. e é o coordenador do Blogue luso-brasileiro "PAZ".
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