Cabritos e borregos
«(…) depois de um cabrito assado no forno, a que mesmo Horácio teria dedicado uma Ode…»
Eça de Queiroz
«(…) com este cheirinho do ensopado de borrego a bulir no estômago…»
José Saramago
Os franceses desconfiam do cabrito e chegam ao ridículo de o considerarem venenoso
Em tempo ainda de eflúvios pascais, vem a propósito a evocação (breve) das duas jovens criaturas que lhe andam associadas no prato.
O filho da cabra é um alimento que desde a época dos lusitanos até hoje congrega fervores e está no topo das preferências nacionais.
Os espanhóis, à excepção de Navarra e Aragão, não lhe ligam nenhuma, canalizando afectos para o cordeiro.
Os franceses desconfiam dele e chegam ao ridículo de o considerarem venenoso; só admitem o cabrito montês.
Os italianos não praticam.
O cabrito
Da preparação culinária do chibinho já Domingos Rodrigues, o nosso primeiro tratadista de cozinha (1680), trata. A sua carne muito fina e delicada, se até aos dois meses se revela algo insípida, a partir daí atinge a plenitude.
Embora lentamente se vá vendo por aí muitas vezes grelhado e frito, os procedimentos de cozinha que melhor o servem são o assado e o guisado.
Quando antigamente, para nossas casas, se comprava vivo e inteiro, era fatal o destino de pernas e pás para o forno e do restante para a caçarola.
Executa-se em quase todo o Centro e Norte do país como deve ser.
Se devidamente condimentado, assado com brandura num forno de lenha e cadenciadamente regado com o molho que da lei do fogo se vai libertando, acompanhado com batatinhas que coraram por se verem metidas nestes assados, engrinaldado por montículos verdejantes de tenros grelos de nabo, constitui uma das peças mais valiosas do nosso cancioneiro gastronómico.
Na Beira Baixa, particularmente em Oleiros e Sertã, há a especificidade do cabrito «estonado», que não é esfolado, mantendo a pele na assadura (como acontece com o leitão) e valorizando-a também como elemento sápido.
O filho da ovelha que equivale ao cabrito é mais o anho, legalmente honrado em assados nortenhos.
O borrego
Com um pouco mais de idade, o borrego é um grande elemento carnívoro na alimentação alentejana.
Refira-se que a Beira Baixa, na mesma área já citada, também faz uma perninha de originalidade com os «maranhos», feitos de um bucho de borrego seccionado em saquinhos recheados com a carne do mesmo e outros pertences.
Contudo, é no Alentejo que ele é trabalhado como em mais nenhuma outra região, de múltiplas formas em todos os seus componentes.
O mais emblemático talvez seja o ensopado de borrego, onde aparece aliado a outro grande produto da terra, o pão de trigo.
Curiosamente não tem receita única. Em linhas gerais, pode dizer-se que no Baixo Alentejo predomina o chamado «à pastora», sem refogado, a carne por assim dizer cozida num caldo temperado – quiçá o primitivo e mais genuíno.
No resto do território transtagano, o refogado é tido por indispensável, os condimentos mais carregados, a junção de batatas habitual.
Vivam os pais que tais filhos criam.
Guia a Semana – Expresso – Edição Norte
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