Não sei se já lhes disse que, pelos meus dezoito anos, cheguei a ir à caça. Era uma questão mimética, por assim dizer. Fui criado no ambiente quase rural do Macedo daquele tempo — uma aldeia maiorzinha — e passei muitas férias no ambiente mais que rural de Chacim e Alvites (de Mirandela). Ora os ambientes rurais costumam fazer de cada homem um caçador — e eu toca a imitá-los. Por outro lado, o meu Pai foi um bom caçador até ao dia aziago em que um companheiro de caça, ao tentar alvejar uma codorniz, acertou no meu Pai, vazando-lhe um olho. De então em diante, só se o vício fosse muito é que o meu Pai ia para o monte. Escusado será dizer que nunca mais matou nada, porque não podia fazer pontaria, e acabou por arrumar os apetrechos.
Mas a espingarda e a cartucheira andavam lá por casa e, à saída da adolescência, senti o apelo venatório. Pegava então na espingarda e ia até ao Alto da Corda, na vizinhança da vila, a espalhar chumbo seis por lavradas e restolhos, com bem modestos resultados, mas mesmo assim um pouco melhores do que os que Camilo Castelo Branco conseguiu nos chavascais da Samardã.
Os meus Amig@s recordam certamente aquele passo das duas horas de leitura, em que ele confessa: «Fugia de casa para a serra, dava muitos tiros às galinholas e perdizes; porém, louvado seja Deus, não me dói o remorso de ter matado uma!» Pois a mim dói-me o remorso de ter matado um pombo bravo e uma perdiz. Nalguma coisa havia de me avantajar ao grande escritor... E quando digo que me dói o remorso, estou a falar a sério, porque desenvolvi uma costela de ecologista, e todos os atentados que cometi contra seres vivos sinto-os hoje como ferroadas na consciência.
De modo que, desencorajado pelos fracos resultados, arrumei a espingarda e a cartucheira e desisti.
Mas, se não persigo hoje perdizes ou coelhos, nem por isso perdi o gosto de caçar. Simplesmente, a minha caça actual não precisa de espingarda nem implica, portanto, derramamento de sangues inocentes. Caço com a máquina fotográfica. Caço toda a casta de assuntos, mas ultimamente tenho-me especializado a caçar céus e nuvens. Nem mais: céus e nuvens, que por sinal, e contrariamente às perdizes, são recursos renováveis como o vento ou as marés. A nossa província tem céus e nuvens tão bonitos: no nascente e no poente, mas também, muitas vezes, a qualquer hora do dia. Volta e meia, chego-me à varanda, a espreitar se há promessa de um céu que valha a pena caçar. E tenho caçado tantos! Ontem, por exemplo, cacei este que lhes mostro hoje. E, palavra de honra, deu-me tanto gosto caçá-lo como me deram a perdiz e o pombo bravo que matei há mais de seis décadas.
Mas a espingarda e a cartucheira andavam lá por casa e, à saída da adolescência, senti o apelo venatório. Pegava então na espingarda e ia até ao Alto da Corda, na vizinhança da vila, a espalhar chumbo seis por lavradas e restolhos, com bem modestos resultados, mas mesmo assim um pouco melhores do que os que Camilo Castelo Branco conseguiu nos chavascais da Samardã.
Os meus Amig@s recordam certamente aquele passo das duas horas de leitura, em que ele confessa: «Fugia de casa para a serra, dava muitos tiros às galinholas e perdizes; porém, louvado seja Deus, não me dói o remorso de ter matado uma!» Pois a mim dói-me o remorso de ter matado um pombo bravo e uma perdiz. Nalguma coisa havia de me avantajar ao grande escritor... E quando digo que me dói o remorso, estou a falar a sério, porque desenvolvi uma costela de ecologista, e todos os atentados que cometi contra seres vivos sinto-os hoje como ferroadas na consciência.
De modo que, desencorajado pelos fracos resultados, arrumei a espingarda e a cartucheira e desisti.
Mas, se não persigo hoje perdizes ou coelhos, nem por isso perdi o gosto de caçar. Simplesmente, a minha caça actual não precisa de espingarda nem implica, portanto, derramamento de sangues inocentes. Caço com a máquina fotográfica. Caço toda a casta de assuntos, mas ultimamente tenho-me especializado a caçar céus e nuvens. Nem mais: céus e nuvens, que por sinal, e contrariamente às perdizes, são recursos renováveis como o vento ou as marés. A nossa província tem céus e nuvens tão bonitos: no nascente e no poente, mas também, muitas vezes, a qualquer hora do dia. Volta e meia, chego-me à varanda, a espreitar se há promessa de um céu que valha a pena caçar. E tenho caçado tantos! Ontem, por exemplo, cacei este que lhes mostro hoje. E, palavra de honra, deu-me tanto gosto caçá-lo como me deram a perdiz e o pombo bravo que matei há mais de seis décadas.
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