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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Caço com a máquina fotográfica

 Não sei se já lhes disse que, pelos meus dezoito anos, cheguei a ir à caça. Era uma questão mimética, por assim dizer. Fui criado no ambiente quase rural do Macedo daquele tempo — uma aldeia maiorzinha — e passei muitas férias no ambiente mais que rural de Chacim e Alvites (de Mirandela). Ora os ambientes rurais costumam fazer de cada homem um caçador — e eu toca a imitá-los. Por outro lado, o meu Pai foi um bom caçador até ao dia aziago em que um companheiro de caça, ao tentar alvejar uma codorniz, acertou no meu Pai, vazando-lhe um olho. De então em diante, só se o vício fosse muito é que o meu Pai ia para o monte. Escusado será dizer que nunca mais matou nada, porque não podia fazer pontaria, e acabou por arrumar os apetrechos. 
Mas a espingarda e a cartucheira andavam lá por casa e, à saída da adolescência, senti o apelo venatório. Pegava então na espingarda e ia até ao Alto da Corda, na vizinhança da vila, a espalhar chumbo seis por lavradas e restolhos, com bem modestos resultados, mas mesmo assim um pouco melhores do que os que Camilo Castelo Branco conseguiu nos chavascais da Samardã. 
Os meus Amig@s recordam certamente aquele passo das duas horas de leitura, em que ele confessa: «Fugia de casa para a serra, dava muitos tiros às galinholas e perdizes; porém, louvado seja Deus, não me dói o remorso de ter matado uma!» Pois a mim dói-me o remorso de ter matado um pombo bravo e uma perdiz. Nalguma coisa havia de me avantajar ao grande escritor... E quando digo que me dói o remorso, estou a falar a sério, porque desenvolvi uma costela de ecologista, e todos os atentados que cometi contra seres vivos sinto-os hoje como ferroadas na consciência.
De modo que, desencorajado pelos fracos resultados, arrumei a espingarda e a cartucheira e desisti.
Mas, se não persigo hoje perdizes ou coelhos, nem por isso perdi o gosto de caçar. Simplesmente, a  minha caça actual não precisa de espingarda nem implica, portanto, derramamento de sangues inocentes. Caço com a máquina fotográfica. Caço toda a casta de assuntos, mas ultimamente tenho-me especializado a caçar céus e nuvens. Nem mais: céus e nuvens, que por sinal, e contrariamente às perdizes, são recursos renováveis como o vento ou as marés. A nossa província tem céus e nuvens tão bonitos: no nascente e no poente, mas também, muitas vezes, a qualquer hora do dia. Volta e meia, chego-me à varanda, a espreitar se há promessa de um céu que valha a pena caçar. E tenho caçado tantos! Ontem, por exemplo, cacei este que lhes mostro hoje. E, palavra de honra, deu-me tanto gosto caçá-lo como me deram a perdiz e o pombo bravo que matei há mais de seis décadas.

A. M. Pires Cabral

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