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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Francisco Manuel Alves, conhecido ‘urbi et orbi’ como Abade de Baçal

 Francisco Manuel Alves, conhecido ‘urbi et orbi’ como Abade de Baçal, além de ser um sábio de enorme erudição, era um trasmontano de corpo inteiro, devotado aos valores de Trás-os-Montes, e fez da sua obra-mestra, as celebradas “Memórias arqueológico-históricas do distrito de Bragança”, uma tribuna de defesa e propaganda desses valores, como acontece no decantado volume IX (acaso o mais lido e citado, porque trata da etnografia bragançana, assunto que tem sempre os seus incondicionais). Essa defesa e essa propaganda surge às vezes de forma inesperada e até aparentemente deslocada, mas é sempre enérgica e apaixonada.
É o caso do fervor com louva... o porco. No capítulo que dedica à Páscoa, aparece, naturalmente e com toda a justiça, uma alusão ao folar. Mas, às duas por três, já está a falar de outros petiscos (as alheiras, que em Bragança também se chamam tabafeias, e as trutas dos rios Tuela e Baceiro) e logo, num salto imprevisto, aí o temos a gabar o leitão assado, que naquelas terras tinha então (julgo que já não tem) o curioso nome de torradeiro. E ei-lo a exortar os seus conterrâneos ao consumo do leitão assado: «Bragançanos! Não esqueçais o torradeiro, regado com os vinhos regionais, celebrizados na lenda popular pelo bom vinho dos Alvaredos, Arcas, Nozelos e Vilarinho de Agrochão.»
Anteriormente tinha esclarecido, com conhecimento de causa próprio de um ‘connoisseur’, que o leitão, «para estar em condições deve regular por trinta dias de idade – leitão de mês e cabrito de três – como reza a culinária local» (palavras suas). E lamenta: «Infelizmente a moda vai abastardando alguns derrancados de gosto, que tentam substituir-lhe o desensabido peru. Que tristeza! Que dor de alma! E não reparam que assim nos desregionalizamos, caindo na chata vulgaridade do anonimato equivalente da não existência, por falta de qualidades típicas características!...»
Do leitão passa ao porco adulto, em abono de cuja excelência culinária cita um provérbio que ainda se ouve em terras trasmontanas: Das carnes, o carneiro; das aves, a perdiz e, sobretudo, a codorniz; mas, se o porco voara, não havia carne que lhe chegara.
Eu não sou, nem de longe, um gastrónomo. Como cada vez menos e quase todas as carnes e peixes me dão fastio. Mas confesso que um bom leitão assado, um vez por outra, lá quando el-rei faz anos, me sabe bem — embora me cause alguma impressão aquilo que o nosso Abade diz com toda a naturalidade: que «para estar em condições, o leitão deve regular por trinta dias de idade». É mais uma das velhas contradições de que o homem não há meio de se libertar: coitadinhos dos porquinhos, tão novinhos — mas tão saborosos... 
Tudo isto me lembra irresistivelmente o poema de Sophia: «As pessoas sensíveis não são capazes / De matar galinhas / Porém são capazes / De comer galinhas.»
Termino aqui esta crónica. Por pudor.

A. M. Pires Cabral

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