Nas cidades, corredores de solo permeável e das plantas certas têm um papel crucial para permitir que a água das chuvas se infiltre lentamente no solo. Especialmente quando chove como nos últimos dias em várias regiões de Portugal, nomeadamente na área da Grande Lisboa.
Criar este tipo de bolsas de natureza nas cidades é uma solução já adoptada por cidades como Nova Iorque, nos Estados Unidos, que já tem centenas de “jardins de chuva” instalados nos passeios, e Londres, no Reino Unido.
“’Rain gardens’, ou jardins de chuva, são jardins que foram pensados para receber a água da chuva de superfícies impermeáveis (estradas, alçadas, estacionamentos, telhados, etc.), permitindo que a água se infiltre lentamente no solo”, explica à Wilder Carine Azevedo, consultora na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco.
“A diferença entre um jardim regular e um jardim de chuva é que o primeiro não tem a mesma capacidade de absorver o excesso de água”, diz a especialista.
A botânica explica que “os jardins de chuva são canteiros sub-elevados (depressões no solo) que usam a gravidade a seu favor. As águas que atingem superfícies impermeáveis escorrem até a esses canteiros. Estes jardins são organizados por camadas de solo e areia cuidadosamente dispostas, juntamente com plantas que tenham capacidade de suportar condições de encharcamento”.
Idealmente, Carine Azevedo considera que as espécies de árvores, arbustos e herbáceas a usar nesses espaços devem nativas, “adaptadas a condições de encharcamento temporário”. As espécies nativas são mais resistentes, requerem menos manutenção e também são muito importantes para os polinizadores.
Os jardins de chuva devem apostar em “espécies com capacidade para suportar períodos de encharcamento temporário mas que, ao mesmo tempo, consigam suportar longos períodos de seca, para que o jardim se torne sustentável e esteticamente agradável ao longo de todo o ano”.
Esta especialista salienta que os jardins de chuva “contribuem para diminuir o risco de inundações em meio urbano pois ajudam a gerir o excesso de água que cai sobre as superfícies”. Podem também “impedir a erosão e apoiar a gestão dos sistemas artificiais de escoamento de águas que, muitas das vezes, ficam sobrecarregados”. Têm como objectivos absorver a água em excesso e ajudar a travar a velocidade da água.
Além disso, os jardins de chuva filtram e reutilizam a água, reduzindo a poluição das águas pluviais, ao mesmo tempo em que são igualmente espaços esteticamente atraentes. “Muitas vezes a água da chuva arrasta consigo muitos poluentes que estão disponíveis nas superfícies de contacto (ex. combustíveis, metais pesados, fertilizantes, resíduos animais, etc.) encaminhando-os diretamente para os cursos de água. Os jardins de chuva permitem que essas águas sejam filtradas e limpas de toxinas nocivas, antes de voltaram a chegar aos rios e a outros cursos de água, aumentado a qualidade da água desses cursos.”
Outro benefício é o facto de estes jardins ajudarem a diminuir o aquecimento global, a reduzir a emissão de carbono e a aumentarem a biodiversidade. Do ponto de vista estético, também têm um papel importante no embelezamento da paisagem, sobretudo em grandes centros urbanos.
Segundo Carine Azevedo, estes jardins podem “ser implementados nas bermas de estradas, nos separadores centrais, nos passeios ou próximos de qualquer outra superfície impermeável para reter rapidamente a água, para que esta se infiltre no solo. Os telhados verdes também são eficazes no controlo das águas pluviais, pois permitem reduzir a velocidade e a quantidade de água, antes desta cair sobre superfícies impermeáveis”.
Carine Azevedo considera que “o principal problema da Grande Lisboa e de outras cidades é, essencialmente, a excessiva impermeabilização do solo e a falta de espaços verdes”. “Não bastam grandes espaços verdes nas periferias, é fundamental que estes espaços também sejam pensados para os centros urbanos.”
Na sua opinião, os espaços verdes devem também ser pensados “como sumidouros de água, para apoiar em situações como as que se verificaram nestes últimos dias”.
Charcos temporários devem ganhar espaço nas cidades
Haverá quem pense que os charcos são peças a eliminar no puzzle que são as cidades dos nossos dias. Mas na verdade, os chamados charcos temporários mediterrânicos são considerados habitats prioritários e existem um pouco por todo o país. Enchem no Inverno e secam no Verão. Mas, “infelizmente, estão muito mal conservados”, diz à Wilder Maria Amélia Martins-Loução, bióloga, professora catedrática de Ciências da Universidade de Lisboa e presidente da Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO).
“Nas nossas cidades este tipo de ‘jardins’ não são considerados porque ainda não perceberam nem a sua utilidade nem a sua beleza. Talvez rapidamente a moda pegue e passe a ser um objectivo de muitas cidades, construindo o que tem sido indevidamente ocupado pelo imobiliário, num total desajuste de planeamento urbano.”
Há um projecto que criou e está a gerir um destes espaços. É a miniFloresta da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), realizada no âmbito do Laboratório de Sustentabilidade, pela Horta FCUL, envolvendo o know-how dos departamentos e muitos estudantes. “Aí temos vindo a recrear um pequeno charco temporário com plantas e animais adaptadas ao alagamento de inverno e à seca de verão”, explica Maria Amélia Martins-Loução.
Estes charcos temporários são zonas de depressão, permitindo a acumulação da água da chuva no solo.
As plantas a usar têm “uma fisiologia muito própria, já que têm uma janela de crescimento muito curta, numas condições inóspitas de excesso de água ou seja com a concentração de oxigénio muito baixa. Em todo o caso são essas plantas que permitem reter a água e filtrá-la pela retenção dos nutrientes entre as suas raízes”.
Segundo esta bióloga, “as plantas que ali se encontram acabam por ter muita água mas funcionar como uma planta em seca: ou seja não podem simplesmente absorver e transpirar. Por dois motivos: primeiro, porque a quantidade e a qualidade da água não são favoráveis para a fisiologia da planta; segundo, mesmo que as condições de absorção fossem possíveis, a transpiração seria dificultada perante o excesso de humidade atmosférica (no inverno quando as chuvas são mais abundantes) o que impede a evapotranspiração, ou seja a saída da água sob a forma de vapor de água”.
Geralmente as plantas destes habitats, normalmente anuais, são “muito especializadas”. “A água é absorvida pelas raízes através de um processo que requer muita energia, já que não podem absorver água com excesso de nutrientes. Por outro lado, pode haver uns nutrientes em excesso e outros em falta gerando um desequilíbrio que as plantas terão de saber dosear gerando taxas de crescimento baixas. Estando mergulhadas em água, terão problemas de anóxia e muitas delas usam parte do oxigénio produzido no processo fotossintético para o excretar pelas raízes para permitir micro bolsas de oxigenação necessárias aos processos de tomada de água e nutrientes e retenção ou excreção de outros. Todo este processo permite a deposição de nutrientes e partículas no sedimento levando à filtração da água.”
Num charco podem existir plantas diferentes, consoante ocorram no centro ou na periferia, consoante a quantidade e qualidade de água e nutrientes e, também, a estação do ano.
“Algumas passam a zona seca sob a forma de sementes, por exemplo dos géneros Eryngium, Lythrum; são perenes como as do género Isoetes, que são geófitos, ou do género Littorella, estolhosa perene. Mas também podem existir plantas carnívoras como a Pinguicula ou ainda uma outra planta vascular não angiospérmica, como a Marsilea batardae (trevo-de-quatro-folhas-peludo), planta prioritária em risco de extinção.”
E onde instalar estes charcos nas cidades? “Estes charcos poderiam ser criados em zonas com algum declive, por forma a receber a água não só das chuvas como do arrasto da água no solo ou estrada. Teriam de ser zonas com uma envolvente particular para poder manter um tipo de “jardim” aquático alagado de forma temporária, mas enquadrado numa zona de prado ou semi-florestal. Estando enquadrado, mesmo que houvesse a plantação da flora especializada, ela acabaria por se manter pelo enquadramento florístico da envolvente. Em passeios ou telhados não faz qualquer sentido e requeria uma manutenção anual que não se justifica.”
“Estamos a viver o resultado de uma grande falta de planeamento urbanístico”, considera Maria Amélia Martins-Loução. “Ensinamos em Ecologia que devemos respeitar as zonas naturais, declivosas e de leito de rio porque são zonas de risco. Devemos respeitar as zonas costeiras sejam elas dunares ou de falésia, porque são elas que servem de barreira a intempéries ou mesmo subida do nível da água do mar. Alguém pensa ou se preocupa com isso quando surge um investidor que tem dinheiro e quer investir?Hoje estamos a colher o que semeámos com a ânsia de construção e falta de respeito pelas zonas semi-naturalizadas.”
“Infelizmente, de pouco serviram os conselhos deixados pelo Arquitecto Ribeiro Telles. Infelizmente são continuamente ignorados os pareceres negativos que as ONGA enviam em resposta às consultas públicas de tanta obra polémica que se pretende realizar à revelia da sustentabilidade ambiental, só pela necessidade de “desenvolvimento económico”.
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