Foto: Johan Hansson / Wiki Commons |
As origens do coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus) estão no sudoeste da Europa. Diversos estudos afirmam que, até à Idade Média, a área de distribuição natural da espécie era restrita à Península Ibérica e ao sul de França. Mas hoje em dia, graças à introdução por parte do Homem, encontramos o coelho-bravo espalhado por todo o mundo.
Conhecemos duas subespécies de coelho-bravo, Oryctolagus c. cuniculus e Oryctolagus c. algirus, sendo a segunda a que habita em Portugal, como podemos observar nesta imagem.
Este pequeno mamífero caracteriza-se por uma pelagem castanho acinzentada, tendo a cauda bastante curta e branca na parte inferior. As patas traseiras são fortes e adaptadas para uma corrida em saltos, e a mobilidade das orelhas permite-lhe captar com precisão os sons em redor. Não apresenta dimorfismo sexual, no entanto a fêmea é ligeiramente maior e mais pesada do que o macho.
Segundo o livro “Mamíferos” de Helga Hofmann, podemos encontrar o coelho-bravo em diversos habitats, entre eles, pastos, zonas montanhosas (até 1600m de altura), planícies, jardins e outras zonas de vegetação baixa. Sendo exclusivamente herbívoro, a sua alimentação inclui sementes, ervas, raízes, plantas ou até frutos.
O coelho-bravo vive em tocas comunitárias que se ligam por galerias, contando com várias entradas e saídas. Os grupos familiares, desde 2 a 7 indivíduos, vivem com uma rigorosa hierarquia com um macho e uma fêmea dominante.
Foto: Mathias Appel/Wiki Commons |
Tendo a visão mais adequada a uma fraca luminosidade, é durante a noite que o coelho se alimenta e se desloca. Durante o dia, as atividades restringem-se às tocas e a áreas de mato denso, também como forma de evitar a sua predação.
O coelho-bravo pertence, e partilha, a família Leporidae com as lebres (Lepus granatensis). Podemos distinguir estes dois animais pelo tamanho, sendo o coelho uma espécie mais pequena. Além disso, a lebre possui patas traseiras mais longas e orelhas mais compridas pontuadas por manchas pretas.
Espécie fundamental na dinâmica e manutenção do equilíbrio ecológico dos ecossistemas ibéricos, o coelho-bravo enfrenta, nos dias de hoje, desafios preocupantes.
De Quase Ameaçado para Em Perigo…
Em 2019, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) mudou a classificação do coelho-bravo de “Quase Ameaçado” para “Em Perigo” nas suas áreas nativas. Esta chocante alteração deveu-se ao drástico declínio que esta espécie enfrentou entre 2009 e 2019. A redução da população do coelho-bravo durante este intervalo de tempo foi superior a 50%, sendo as doenças, nomeadamente uma nova variante da doença hemorrágica viral (DHV), o principal motivo.
A mixomatose, em 1950, e a DHV, em 1980, são exemplos de como as doenças já afetaram as populações de coelho-bravo no passado, explica o Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas.
Uma nova variante da DHV, designada atualmente por GI.2, foi detetada em 2012 em Portugal, dois anos depois de ter surgido em França. Sendo uma variante altamente contagiosa, a taxa de mortalidade foi muito elevada e afetou tanto coelhos juvenis como adultos, domésticos ou selvagens. Segundo o relatório da IUCN, os declínios populacionais de coelho-bravo, derivados desta nova onda da DHV, são estimados em 70%.
Outros impactos que conduziram à drástica redução das populações de coelho-bravo foram a desflorestação, a caça, o fogo posto, as alterações climáticas e a destruição de habitats, por exemplo, para extensão da agricultura e pecuária.
O papel do coelho-bravo
O coelho-bravo serve de alimento para, pelo menos, 39 espécies. Entre elas, saliento o lince-ibérico (Lynx pardinus) e a águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti), sendo espécies também ameaçadas no nosso território.
O declínio da população de coelho-bravo, quer por doenças quer por atividades humanas, irá desencadear enormes efeitos em cascata, pondo em causa a sobrevivência de espécies que dependem dele para a sua alimentação. Um estudo realizado em 2016 mostrou uma diminuição notória na fecundidade do lince-ibérico, em 65,7%, e da águia-imperial, em 45,5%, após a nova variante da DHV ter atingido o coelho-bravo.
Foto: Frank Vincentz |
Para além de ser a base da cadeia alimentar de muitos predadores, estudos recentes apontam o coelho-bravo como um engenheiro dos ecossistemas. A sua capacidade escavadora confere abrigo a outras espécies, a decomposição dos seus excrementos e da sua urina permite alterar as propriedades físico-químicas do solo, aumentando a diversidade e o crescimento da comunidade vegetal e, por fim, a variedade da sua alimentação contribui para a dispersão de sementes de espécies vegetais.
Projetos que trazem esperança
Entretanto, uma equipa internacional de cientistas comparou amostras de ADN de populações atuais com amostras de ADN obtidas a partir de um exemplar da coleção privada de Charles Darwin (século XIX) e de coelhos recolhidos antes do surto de mixomatose de 1950, concluindo que a espécie está a desenvolver uma maior imunidade a esta doença.
Outro estudo, publicado em 2017, demonstrou que um terço da população de coelho-bravo, em Portugal, já começa a apresentar alguma imunidade à nova estirpe de DHV. No entanto, esta imunidade pode não ser suficiente para obstar ao declínio deste animal, estimado em 20% a cada ano, pelo que é fundamental dar continuidade a todos os esforços de conservação.
Nesse sentido, Portugal e Espanha juntaram-se num projeto que procura “estabelecer um sistema de governança para a gestão do coelho na Península Ibérica”, o LIFE Iberconejo. Este projeto procura, para além de recuperar as populações de coelho-bravo, ajudar na prevenção dos danos que estes animais causam na agricultura. De maneira a cumprir estes objetivos, as áreas de atuação do LIFE Iberconejo passam por ações de sensibilização, monotorização da saúde das populações do coelho-bravo, testes de campo, criação de aplicações informáticas, prevenção de danos e avaliação dos impactos eco-sistémicos e socioeconómicos.
O Plano de Ação para Controlo da Doença Hemorrágica Viral do Coelho, em seguimento do Despacho n.º 4757/2017 do Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, é outra iniciativa que trabalha em prol da conservação do coelho-bravo. Para atingir este fim, o ICNF, os laboratórios do Instituto Nacional da Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) e algumas entidades gestoras das zonas de caça estão a trabalhar em conjunto no aumento da consciência social, na monitorização e controlo da mortalidade associada à DHV e na realização de práticas de gestão adequadas das populações de coelho-bravo.
Para além do controlo de doenças, outras práticas cruciais para a proteção deste mamífero passam pelo controlo da caça furtiva e pela melhoria dos seus habitats, nomeadamente através da construção de tocas artificiais e áreas de refúgio, limpeza de terrenos e aumento da disponibilidade de alimento e água.
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