Numa merenda de tarde de Inverno em casa do António Vila Franca, em Lamas de Podence, há uns anos, aprendi imenso, ao vê-lo a esfarelar três ou quatro castanhas cozidas sobre uma malga de caldo verde, feito pela Assunção, daqueles em que as couves sabem a couves, e só depois a desenhar-lhe um fio de azeite por cima. Foi dos melhores caldos-verdes da minha vida, ali à lareira, na tábua preguiceira do escano, nevava lá fora!
Nesse tempo bebiam-se o vinho da Cooperativa e o da Unamontes, que não voltarão jamais: afinados e desafinados nas salas de provas que eram o Dom Mário e o Desinquieto, armavam-se discussões tremendas sobre a cor, sobre o grau alcoólico, sobre tudo: o Mário Barracho, o Rui Cabral e o Medeiros de Valpaços ficaram como os protagonistas de vindimas, lotes e decisões de negócios que, durante anos, se fizeram com fórmulas misteriosas em cujos termos de equação a várias incógnitas entravam o sentido crítico do Zé Lázaro, o do Pereirinha e, até, o do João Pires – e, pois claro, as análises do laboratório da Junta Nacional do Vinho. Um bom termómetro era a resposta dada pelo Armando da Choupada aos clientes, quando lhe elogiavam o mesmíssimo vinho – É da minha colheita! – ou quando o desmereciam – É da comprativa! Deixou, então, de ser só de garrafão e foi feita uma edição épica de garrafas Vale D’Arcas com acidez corrigida, e este facto fê-lo correr com fama por copos e mesas em vários Invernos, aconchegando os salpicões assados na brasa ou os butelos cozidos com casulas secas. Às vezes, acertava-se com vinho tinto o sabor do caldo verde, se as castanhas o punham doce demais.
Nesta altura do ano as couves pencas estão no seu esplendor, tal como as nabiças, havendo já grelos, plantas essenciais para levar aos píncaros um prato com uma alheira bem tostada, uma batata bem cozida ou uma linguiça assada no ponto. E onde se arranjam? Ah, pois…
Há menos duma semana fomos a uma inauguração duma loja de produtos artesanais e regionais. Há imensas por Portugal, hoje em dia, mas permita-se-me explicar os porquês de me referir a esta. Estamos numa zona em decréscimo de população e em envelhecimento, segundo a Pordata com menos 1525 habitantes do que em 2011, um total de 14251 residentes, sendo 4941 (mais 506 do que em 2011) com 65 anos ou acima. Por isso, ter turistas e ter gente mais nova cá, é importante. Investir, nem que seja para gerar um posto de trabalho, é importante. Investir em coisas que façam os nossos visitantes repetir a visita, é importante. Ter turistas é importante. Ter imigrantes é importante. E, feliz sinal dos tempos, no quase arraial que se fez à volta do porco-no-espeto e das mesas de comes e bebes em frente à nova loja, divertiu-se um grupo de imigrantes novos, línguas e sotaques de leste, colorido apelativo numa tarde fria em que soube tão bem trincar as bifanas com o picante certo e beber todos aqueles tintos de bag-in-box a saber a super-reservas! Até teve bênção com oração e hissope! Apesar de não estar na praça com esse nome, a Casa das Eiras tem esse carácter bairrista nos seus produtos, os queijos, o fumeiro, os frutos secos, os vinhos, imediatamente relacionado com a história da terra: as feiras antigas de Macedo de Cavaleiros eram feitas na Praça das Eiras e esta era onde os muitos medeiros de palha do trigo e centeio depois das segadas se amontoavam após a debulha, ao lado do velho Solar do Morgado Oliveira, defronte da Rua Direita, a Estrada Real dos Cortiços – já ninguém nem os pais de ninguém se lembram disso! A Ivone e o Fernando Henrique, agarrados como eu a este sentido de berço, estão de parabéns nesta nova aposta que fazem de forma moderna, com o rigor de qualidade que lhes merece o respeito pelos seus clientes. Muito interessante, uma coincidência histórica: paredes meias, há um século, onde hoje é uma ourivesaria, era uma famosíssima loja, a Casa Parente, em que se vendiam umas das mais famosas alheiras da vila, hoje desaparecidas, as Alheiras Terba, cujo travo único as faziam predilectas no Porto, para onde eram expedidas de comboio. Felizmente que a sua origem é hoje um excelente destino para provas de fumeiro, basta ter na mesma travessa uma da Quinta da Amendoeira, outras do Talho S. Pedro, do Dona Antónia, do 5 Croas, do Saldanha, enfim, de qualquer das origens para se perceber que a diferença saboreável de cada uma lhe dá carácter e retira qualquer fastio que a repetição provocaria!
Em Carvalhais ocorre por estes dias a Feira da Couve-Penca. Neste vale, na Veiga de Chaves, na da Campeã, na Vilariça, em qualquer nesga de terreno de horta, Trás-os- Montes produz nesta altura, com a ajuda da chuva, da geada e do solo milenar, esse prodígio verde que, cozido com alho e temperado com o que se quiser, vai com tudo e vai sozinho como se fosse do melhor bife que se come em Paris ou Londres! E que pode ser ainda melhor: se for uma couve produzida nestes talvegues com aluviões cuidados que aqui há em Latães. Será da altitude, sim, e de ser deixada livre, sem precisar de grão de adubo nem de outro cuidado que não seja o de ser cortada certa e retirada uma das folhas de fora, eventualmente tasquinhada pela curiosidade dum corço ou atrevimento dum javali. Quando o Natal não é passado por cá e nos dirigimos a Lisboa, todo o espaço livre do carro vai repleto de couves, distribuídas por uma série de casas de amigos que as recebem como se estivéssemos a entregar prémios de pódios olímpicos!
A Mariana e eu comemos há dois dias a melhor sopa de castanhas da nossa vida! Foi feita pela Nazaré Madeira. Cozera cebolas, uma batata para espessante, nabos para fibra e textura certa. Varinha a tornar tudo em creme. Castanhas cozidas, supercozidas, umas desfeitas na alma da sopa e outras a esmagarmo-las nós com a colher, no prato, ou com a língua, a sentir-lhes o macio contra o céu da boca e a perceber então, estando sentados no conforto da sala diante dum prato de porcelana de marca, que, com cada colherada de prata de caninhas, estávamos a saborear muito mais do que o valor do ourives, mas um dos mais íntimos tesouros das nossas serras do interior e do Norte de Portugal. Que saber culinário – e num ano em que as castanhas são fracas! Que coisas tão boas tem o Inverno!
Nesse tempo bebiam-se o vinho da Cooperativa e o da Unamontes, que não voltarão jamais: afinados e desafinados nas salas de provas que eram o Dom Mário e o Desinquieto, armavam-se discussões tremendas sobre a cor, sobre o grau alcoólico, sobre tudo: o Mário Barracho, o Rui Cabral e o Medeiros de Valpaços ficaram como os protagonistas de vindimas, lotes e decisões de negócios que, durante anos, se fizeram com fórmulas misteriosas em cujos termos de equação a várias incógnitas entravam o sentido crítico do Zé Lázaro, o do Pereirinha e, até, o do João Pires – e, pois claro, as análises do laboratório da Junta Nacional do Vinho. Um bom termómetro era a resposta dada pelo Armando da Choupada aos clientes, quando lhe elogiavam o mesmíssimo vinho – É da minha colheita! – ou quando o desmereciam – É da comprativa! Deixou, então, de ser só de garrafão e foi feita uma edição épica de garrafas Vale D’Arcas com acidez corrigida, e este facto fê-lo correr com fama por copos e mesas em vários Invernos, aconchegando os salpicões assados na brasa ou os butelos cozidos com casulas secas. Às vezes, acertava-se com vinho tinto o sabor do caldo verde, se as castanhas o punham doce demais.
Nesta altura do ano as couves pencas estão no seu esplendor, tal como as nabiças, havendo já grelos, plantas essenciais para levar aos píncaros um prato com uma alheira bem tostada, uma batata bem cozida ou uma linguiça assada no ponto. E onde se arranjam? Ah, pois…
Há menos duma semana fomos a uma inauguração duma loja de produtos artesanais e regionais. Há imensas por Portugal, hoje em dia, mas permita-se-me explicar os porquês de me referir a esta. Estamos numa zona em decréscimo de população e em envelhecimento, segundo a Pordata com menos 1525 habitantes do que em 2011, um total de 14251 residentes, sendo 4941 (mais 506 do que em 2011) com 65 anos ou acima. Por isso, ter turistas e ter gente mais nova cá, é importante. Investir, nem que seja para gerar um posto de trabalho, é importante. Investir em coisas que façam os nossos visitantes repetir a visita, é importante. Ter turistas é importante. Ter imigrantes é importante. E, feliz sinal dos tempos, no quase arraial que se fez à volta do porco-no-espeto e das mesas de comes e bebes em frente à nova loja, divertiu-se um grupo de imigrantes novos, línguas e sotaques de leste, colorido apelativo numa tarde fria em que soube tão bem trincar as bifanas com o picante certo e beber todos aqueles tintos de bag-in-box a saber a super-reservas! Até teve bênção com oração e hissope! Apesar de não estar na praça com esse nome, a Casa das Eiras tem esse carácter bairrista nos seus produtos, os queijos, o fumeiro, os frutos secos, os vinhos, imediatamente relacionado com a história da terra: as feiras antigas de Macedo de Cavaleiros eram feitas na Praça das Eiras e esta era onde os muitos medeiros de palha do trigo e centeio depois das segadas se amontoavam após a debulha, ao lado do velho Solar do Morgado Oliveira, defronte da Rua Direita, a Estrada Real dos Cortiços – já ninguém nem os pais de ninguém se lembram disso! A Ivone e o Fernando Henrique, agarrados como eu a este sentido de berço, estão de parabéns nesta nova aposta que fazem de forma moderna, com o rigor de qualidade que lhes merece o respeito pelos seus clientes. Muito interessante, uma coincidência histórica: paredes meias, há um século, onde hoje é uma ourivesaria, era uma famosíssima loja, a Casa Parente, em que se vendiam umas das mais famosas alheiras da vila, hoje desaparecidas, as Alheiras Terba, cujo travo único as faziam predilectas no Porto, para onde eram expedidas de comboio. Felizmente que a sua origem é hoje um excelente destino para provas de fumeiro, basta ter na mesma travessa uma da Quinta da Amendoeira, outras do Talho S. Pedro, do Dona Antónia, do 5 Croas, do Saldanha, enfim, de qualquer das origens para se perceber que a diferença saboreável de cada uma lhe dá carácter e retira qualquer fastio que a repetição provocaria!
Em Carvalhais ocorre por estes dias a Feira da Couve-Penca. Neste vale, na Veiga de Chaves, na da Campeã, na Vilariça, em qualquer nesga de terreno de horta, Trás-os- Montes produz nesta altura, com a ajuda da chuva, da geada e do solo milenar, esse prodígio verde que, cozido com alho e temperado com o que se quiser, vai com tudo e vai sozinho como se fosse do melhor bife que se come em Paris ou Londres! E que pode ser ainda melhor: se for uma couve produzida nestes talvegues com aluviões cuidados que aqui há em Latães. Será da altitude, sim, e de ser deixada livre, sem precisar de grão de adubo nem de outro cuidado que não seja o de ser cortada certa e retirada uma das folhas de fora, eventualmente tasquinhada pela curiosidade dum corço ou atrevimento dum javali. Quando o Natal não é passado por cá e nos dirigimos a Lisboa, todo o espaço livre do carro vai repleto de couves, distribuídas por uma série de casas de amigos que as recebem como se estivéssemos a entregar prémios de pódios olímpicos!
A Mariana e eu comemos há dois dias a melhor sopa de castanhas da nossa vida! Foi feita pela Nazaré Madeira. Cozera cebolas, uma batata para espessante, nabos para fibra e textura certa. Varinha a tornar tudo em creme. Castanhas cozidas, supercozidas, umas desfeitas na alma da sopa e outras a esmagarmo-las nós com a colher, no prato, ou com a língua, a sentir-lhes o macio contra o céu da boca e a perceber então, estando sentados no conforto da sala diante dum prato de porcelana de marca, que, com cada colherada de prata de caninhas, estávamos a saborear muito mais do que o valor do ourives, mas um dos mais íntimos tesouros das nossas serras do interior e do Norte de Portugal. Que saber culinário – e num ano em que as castanhas são fracas! Que coisas tão boas tem o Inverno!
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