Há dias o presidente da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal) queixava-se nestas páginas da “Machadada final no Ministério da Agricultura”, por via da resolução do Conselho de Ministros que determinou “o início do processo de transferência e partilha de atribuições dos serviços periféricos da administração direta e indireta do Estado, para as comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).”
Partilho a preocupação do engenheiro Oliveira e Sousa, mas, infelizmente, não é só o Ministério da Agricultura que está em risco – é o do Ambiente, o da Cultura, o da Educação, entre outros. Ou melhor, os ministérios não, porque sem ministérios não há lugares para ministros, secretários de Estado, assessores, etc.; o que está em causa são os serviços públicos distribuídos pelo território e o know-how acumulado, por vezes há séculos.
Mas o serviço público não importa, importa é centralizar o poder e uniformizar o pensamento. Ora a missão das CCDR é, e deve ser, outra, que não andar a colocar brincos no gado mirandês, contar os lobos do Alvão ou preservar castros.
O que esta resolução do Conselho de Ministros faz é destruir a estrutura operacional dos serviços do Estado, e não promove descentralização nenhuma, porque descentralizados já os serviços estão – promove o inverso da descentralização e da democracia.
E o mais grave é que, se os presidentes das CCDR têm sido escolhidos pelo perfil de gestores, em breve começarão a ser presidentes de câmara, eleitos pelos pares. Ora o perfil de presidente de câmara é muito variável, desde os quase analfabetos aos vigaristas arguidos e condenados, desde os democratas aos que assumem uma postura autoritária, por vezes quase fascizante.
Mas, no geral, os presidentes de câmara não gostam do ambiente, porque não podem construir e cortar sobreiros à vontade, não gostam da cultura, porque não podem deitar abaixo o castro ou a mamoa que estorvam um qualquer projeto municipal, nem gostam do ensino, porque não gostam de quem saiba mais do que eles.
No que diz respeito ao ambiente e à conservação da natureza, esta é a mais profunda machadada. A primeira sempre foi o desinteresse dos sucessivos governos pela conservação da natureza, o que se demonstra ad nauseam com o estado calamitoso das áreas protegidas e das espécies ameaçadas.
Seguiu-se a integração das florestas industriais (eucaliptos e pinheiros) no ICNF, Instituto de Conservação da Natureza, que passou a Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, florestas que não existem a ponto do termo “incêndio florestal” ter sido recentemente substituído por “incêndio rural”!
Como se não bastasse misturar eucaliptos com sobreiros, tiraram à Agricultura os animais de companhia e “meteram-nos” no ICNF, não percebendo que um gato é um animal de companhia e um animal selvagem é outra coisa, e desperdiçando mais de um século de experiência dos Serviços Veterinários.
Gerada a confusão nas florestas e nos animais de companhia, com evidente perda de eficiência, faltava baralhar as áreas protegidas; e foi isso que fez a insana ideia, convertida em decreto-lei, da cogestão das áreas protegidas.
Produto de um ministério que não tinha a mínima noção de como funcionam – ou devem funcionar – as áreas protegidas e que julgou que a cogestão era uma invenção sua, quando, na realidade, existia há 50 anos e só não era mais visível por manifesto desinteresse da maioria dos autarcas dos concelhos que integram os parques e reservas naturais.
Com o cortejo fúnebre da conservação da natureza em bom andamento, só faltava a anunciada “descentralização” para as CCDR, com o que se vai conseguir que, por exemplo, o Parque Nacional da Peneda-Gerês, que há anos não tem um diretor, como tem qualquer parque do mundo, passe a ser tutelado por três presidentes: o da CCDR-N, o da (inútil) comissão de cogestão e o do ICNF. Ai se o ridículo matasse!
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
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