Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)
“A aranha sobe pelo fio da própria baba.
É a imagem do bajulador, que não tem outro meio para subir”
- Vitor Caruso -
O dia 9 de dezembro foi a data instituída pela ONU, com a assinatura da Convenção das Nações Unidas, para relembrar o Dia Internacional Contra a Corrupção.
Corrupção faz-me recordar uma crónica de Miguel Esteves Cardoso, do seu livro ‘Último Volume’, onde o escritor nos encaminha para uma deliciosa reflexão sobre o engraxanço nas relações sociais. Crónica de um livro já bem velhinho, mas tão atual no conteúdo, como é bom de reparar a quem a ela tiver acesso.
Nessa altura, achava o autor que, em tempos idos haveria um número reduzido de engraxadores, embora dignos do nome, porque finos na perceção do sentido de oportunidade, já que então, a atividade não seria socialmente bem aceite.
Mas o esforço na profissão deu lugar a um aperfeiçoamento que parece até bem recompensador. Ao ponto de os não versados nesta matéria, principiarem a ter enormes dificuldades para vencerem na vida. Dirá o escritor que o culambismo estará como o saber falar em inglês, para a nossa sobrevivência na sociedade.
Ora, diria pois, que por trás de um graxista viverá sempre um letrado na mentira, um mestre na arte das relações públicas da maledicência velada, um oportunista pequenino que aguarda alcançar o patamar dos supostos grandes, onde se entenderá, quiçá, mais realizado e feliz.
O humorista brasileiro, Jô Soares, terá dito certa vez que “gente falsa não fala, insinua. Não conversa, gera intriga. Não elogia, adula. Não deseja, cobiça. Não colabora, interfere. Não participa, se infiltra. Não sorri, mostra os dentes. Não caminha, rasteja pela vida sabotando a felicidade alheia e sobrevivendo dos seus restos”.
Após trinta anos volvidos sobre a crónica de Miguel Esteves Cardoso, assistimos ainda e, porventura cada vez mais, a estas ambiciosas tentativas de tantos subirem mais e mais um degrau, atuando por meio da lisonja, numa ode à cultura da sicofantia, que inunda particularmente alguns contextos sociais e que soa de forma visível na prática da vida quotidiana de muitos.
Estaremos todos dispostos a compactuar com o sistema instaurado? Será que o culambismo deveras compensa?
Cita um provérbio hindu que “as línguas dos bajuladores são mais macias do que seda na nossa presença, mas são como punhais na nossa ausência”. Lembremo-nos, então, que “são os que hoje te dão a mão e amanhã o punhal no coração” (Hugo Amaro, crónica de opinião, JM, outubro de 2020).
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