OPINIÃO |
Cláudio Trovisco - Empresário |
Meia dúzia de palavras que dizem tanto. E que o sinta na pele quem viveu os últimos pares de anos, sob a alçada dos diversos governos, orgulhosos do crescimento da economia apoiada em bases frágeis como o turismo e a hotelaria, sectores de actividade completamente desproporcionais e sem medida.
Sectores que assentam o seu negócio no movimento de pessoas e suas necessidades.
Sectores que proliferam, há muito tempo, sem qualquer limite ou cuidado.
É dificil, quase impossível, hoje em dia e perante a situação que vivemos, não ouvir ou ler simples descargas de ignorância de quem, em tempos normais, frequenta hotéis, restaurantes ou cafés, criticando a forma como estes negócios são geridos, ou melhor, mal geridos.
Gerir um negócio que não se tem é a melhor forma de ser um gestor de sucesso, só que não.
Afinal, vivemos num país que não impõe qualquer limite à abertura de qualquer negócio que não seja controlado por uma ordem ou obrigue, à partida, a uma licença especial para o efeito.
O comércio desmesurado e completamente livre, que tanto se defende por ser o melhor para quem consome, por obrigar a uma concorrência super agressiva que, no final, permite ao consumidor adquirir qualquer produto mais barato, obriga a despir o negócio de margens que tanta falta faziam para agora sobreviver desafogadamente e evitar tudo aquilo que está a acontecer. Refiro-me, claro está, ao desemprego, aos encerramentos relâmpago e aos vencimentos por pagar.
O crescimento absurdo e descontrolado de negócios como estes, que representam grande parte do tecido empresarial português, independentemente se têm 1 ou 30 funcionários, foi completamente ignorado por parte das entidades competentes.
Trata-se de um sector deixado demasiadamente à vontade, em mãos de quem quer que seja para os abrir. Negócios que não obrigam a qualquer formação profissional, cuja génese assenta na oportunidade, no facilitismo de acesso e, muitas vezes, como sendo a derradeira alternativa a tudo aquilo que não se conseguiu fazer.
Não existe negócio algum que possa perdurar enquanto as circunstâncias do mercado forem de tal forma livres.
Não defendo, com isto, qualquer tipo de monopólio, mas acredito que o segredo de qualquer boa economia está no equilíbrio dos sectores. No controlo e no cuidado para que os negócios não abram portas de uma forma quase viral porta com porta, prestando serviços semelhantes sem qualquer valor acrescentado.
É que, infelizmente, abrir mais do mesmo, seja onde for, não faz nascer mais consumidores, simplesmente os divide.
Importa analisar o resultado desta situação no mercado. Importa porque esse descontrolo não ajuda a tornar as empresas mais sólidas e, consequentemente, mais capazes. Antes pelo contrário.
Nos anos 80, altura em que se começou a assistir ao desenvolvimento da economia moderna, qualquer negócio era bom negócio.
Em primeiro lugar, os poucos negócios que havia eram suficientes para a procura, pobre por natureza. A dita classe média não tinha o peso de hoje, se é que tinha algum ou existia sequer.
Apesar das inúmeras dificuldades com que os empresários da altura se depararam, viviam-se tempos de curiosidade, tempos em que havia falta de tudo, e um mercado assim, com fome de coisas novas, coisas mais perto, coisas mais acessíveis, é o mercado em que qualquer empresário se quer encontrar.
Tudo tinha mais valor, até o dinheiro.
A banca da altura era de outro calibre. Mais cara. Não havia juros de 1, 3 ou 5%! Os financiamentos pagavam-se caros, com taxas de 15% em diante, mas pagavam-se. Havia poucos financiamentos, mas também havia poucos negócios que precisassem de recorrer a eles. Como disse, havia poucos negócios, mas eram bons, sólidos. Aliás, tão sólidos que grande parte das empresas dessa época ainda hoje perduram, com mais ou menos património.
Infelizmente, foi apenas uma década.
A partir dos anos 90 o país, já inserido na UE desde 86, abraçou a 100% o projecto europeu ao adoptar a moeda unica.
Infelizmente, este projecto, repleto de presentes envenenados, apesar de nos trazer muito, não nos trouxe o essencial. E com isto, refiro-me apenas aos cuidados básicos para uma economia equilibrada.
De facto, as fronteiras abertas e livres são boas para qualquer negócio mas são bidirecionais...tanto trazem como levam e infelizmente o projecto europeu que tem (ou tinha) tudo para ser um sucesso, não tem aquilo que é simplesmente o essencial - equilíbrio.
Fazemos fronteira com um país que é em tudo diferente de nós, menos nos aspectos negativos como a corrupção, a banca criminosa, entre outros.
Temos fronteira livre com países que praticam impostos, obrigações profissionais, fiscais e sociais completamente diferentes das nossas. Que, ao abrigo do mesmo acordo europeu absorvem, descaradamente, o nosso mercado. Talvez seja por isso que hoje, quando fui ao supermercado, para além de ser difícil de encontrar, paguei batata nacional quase ao dobro do preço da espanhola e comprei dourada nacional quase 1€/kg mais cara do que a importada da Grécia!!
De facto, dar prioridade ao produto nacional não fica barato, nem tem que ficar, afinal produtores e empresários nacionais dão emprego cá, no nosso país e, consequentemente, dão poder de compra a quem para eles trabalha.
Sim, já sei, ganha-se pouco em Portugal. Pois, não será com medidas comerciais como a que acabei de referir que se vai ganhar mais.
O tecido empresarial e industrial nacional precisa de vender mais e melhor, em circunstâncias fiscais e sociais semelhantes às dos seus congéneres europeus. Não podemos assentar o crescimento dos salários e do poder de compra no corte das margens de qualquer negócio. Não é saudável.
Ao invés, alimente-se uma cultura de crescimento de base, com margens saudáveis, cargas fiscais estimulantes e aceitáveis e tenho a certeza que o mercado, de forma natural, vai tomar um rumo melhor.
Devíamos ter orgulho em ter no nosso seio empresas com margens de dois dígitos, independentemente do sector. Só negócios assim têm capacidade de proporcionar aos seus colaboradores condições de trabalho dignas, de forte cariz social e coletivo.
Em Portugal é caro, demasiado caro, criar emprego e difícil, muito difícil criar riqueza. Como se fosse um acto criminoso fazê-lo.
Enquanto continuarmos a alimentar a ideia de acabar com os ricos em vez de acabar com os pobres, dando-lhes condições de emprego que lhes permitam viver de forma digna e valorizada, seremos sempre aquilo que somos...fortes em passado e fracos em futuro.
13 de abril de 2020
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