O conhecimento que ela hoje dá é apenas tolerável para uma percentagem de miúdos que deve rondar os vinte, trinta por cento, não mais. Os outros setenta limitam-se a estar lá estacionados, até mesmo por acharem que já sabem muitas coisas. E sabem. Não só por consumirem pornografia aos dez anos, mas pelo bombardeio de informação inútil sob a forma de imagens e ruídos a que constantemente estão sujeitos. Uma agressão que os ameaça e inquieta no presente e enche de apreensão quanto ao futuro. Uma avalanche que os satura e lhes tira paciência para o que a escola gostaria de lhes dizer e eles teriam vantagens em ouvir.
Para jovens a interagir e a funcionar em grupo, um espaço fechado já é tudo menos adequado para trabalhar ideias, mas seja como for lá permanecem dias inteiros entre quatro paredes, anos a fio, os seus melhores anos. Uma violência contra seres “cuja alma fora prometida às ondas brancas e às florestas verdes”, para citar um verso de sophia. Uma crueldade contra quem carece como de pão para a boca de dar vazão a pulsões irresistíveis: brincar, conviver, tagarelar, namoriscar, conceber e levar a cabo patetices. E dado que também servem para desopilar, o entusiasmo que muitas vezes envolve estas atividades é para eles mais importante do que levar na cabeça com o que quer que a escola lhes proponha.
Um número crescente tem progenitores que a escola já ajudou a produzir e são eles mesmos infantis e disfuncionais, pouca coisa havendo que alivie os garotos duma tal tristeza. Os modelos que apreciam, sejam cantores pimba, futebolistas broncos ou concorrentes de reality shows, também têm muito mais fulgor e força do que aqueles que a escola preza. Materialistas até ao osso, o que lá acontece pouco mais representa para eles do que treta inútil, e se ao tentar fazer o que lhes competiria ela ousar dizer-lhes que talvez os filhos não sejam os maiores, ficam ressentidos e apanham-lhe um azar que não a podem ver: acreditando que, em vez de educadores, os seus agentes são um obstáculo às ilusões que alimentam para os meninos, só não lhes acertam o passo se não tiverem oportunidade.
Tudo handicaps que constrangem a tarefa de educar. Para agravar o cenário, a incerteza também se apoderou da própria escola. Numa crise severa de valores, como em todo o lado, ela tem dúvidas acerca daquilo que está certo e errado, do que é bom e mau, do que deveria ou não deveria transmitir. Sentindo-lhe estas inseguranças, os garotos, já de si descompensados e descrentes, levam-na pouco a sério, desafiam a sua autoridade, fazem pouco dela e ousam impor-lhe a regra de não existirem regras. Deseducá-la em vez de ser ela a educá-los. Com isto em pano de fundo, um velhadas qualquer com quem não têm nenhuma afinidade a vociferar teorias durante noventa minutos (ainda por cima o símbolo vivo da sua reclusão), por dinâmico que seja, domine as tecnologias, se vire do avesso e monte um espetáculo de entretenimento só pode ser para eles uma coisa insuportável. Mais do que instruí-los em línguas, ciências, técnicas ou maneiras, está condenado a rezar para que a indisciplina não descambe muito e a procurar-lhes terapia.
Por muitas exceções que haja, e certamente que há, a escola é uma instituição pouco eficiente, apesar de cara. E isso não tem a ver com mais ou menos verbas, antes com a ideologia que a impregna. Quem teoriza, opina e decide tem a seu respeito ideias distorcidas, não põe os pés nela ou já os pôs há tanto tempo que não faz ideia do que aquilo seja: um espaço de sofrimento para aqueles que lá andam. Substituí-la por algo totalmente diferente (que era melhor não ter o mesmo nome para evitar mal-entendidos), em vez de a defender, seria urgente para a sanidade de todos, em especial a dos que um dia deverão pensar, deliberar e agir pela comunidade.
Eduardo Pires
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