quinta-feira, 30 de abril de 2020

Pelo uso antigo, o dos meus tempos de menino, hoje seria domingo de S. Jorge.

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


E isso implicava muitíssimas atitudes e rituais. Terminavam hoje as Festas da Páscoa, que até ao ano seguinte ficariam aguardando o seu tempo de comemoração e mais que tudo de penitência em louvor do Messias que ressuscitou dos mortos. S. Jorge segundo a lenda foi decapitado pelos romanos a mando de Diocleciano, por não haver abjurado a sua fé em Cristo. Ele próprio romano ao serviço das Legiões, diz-se, salvou uma princesa líbia das garras de um dragão que cortou em pedaços e em troca e como penhor o Rei, pai da princesa, converteu-se ao cristianismo, batizando-se. Foi feito patrono da Ordem da Jarreteira por Eduardo III e mais tarde com a vinda dos cruzados regressados da Terra Santa foi elevado à condição de Padroeiro de Inglaterra.
No século VI Jacob de Voragine na sua Legenda Áurea conta esta lenda que tem semelhanças com a lenda grega de Perseu que salvou Andrómeda de um monstro, matando-o.
O culto deste Santo populariza-se em Portugal quando em Aljubarrota os Castelhanos gritavam por Santiago, Castela e os Portugueses que tinham reforços ingleses nas fileiras gritaram: -Por São Jorge, Portugal.
Aqui paro com a história do Santo, pois a que contei até agora aprendi-a em Inglaterra por curiosidade e para tirar dúvidas, pois quando tomei conhecimento de que a bandeira de Inglaterra era a Cruz de São Jorge sobre fundo branco e não a que designam por Union Jack, que é o símbolo do Reino Unido (U.K.) e que eu tinha como a de todas as nações que compõem o Reino sem suspeitar que cada nação possuía um estandarte individual e que a Union Jack Standard era a síntese delas em conjunto. A minha mãe diria: -que finos são os ingleses. Ora eu sei isto, mas para vergonha minha, além do que sei de Aljubarrota, não sei mais do culto português a S. Jorge e também não sei quem o iniciou em Fonte de Arcada. Mas sei que o culto e as festividades eram concorridos e eram um marco para quem nesse tempo era religioso e para quem não era e também e sobretudo para os que eram religiosos e gostavam de uma festinha.
A festa no seu todo era um acontecimento que agradava a todos, clero, fiéis e povinho. A garotada da Caleja não faltava ao S. Jorge. De farnel com a família ou em grupo com os outros garotos partíamos de manhã não muito cedo e fazíamos o percurso a corta-mato. Caleja, Trinta, Quinta do Calaia, passando à ilharga das casas da Quinta e dali ao S. Jorge era um pulinho. Com a família seguíamos até Vale de Álvaro, passávamos o portão do Lima, Quinta do Roque e estávamos em Fonte Arcada para a festa cuja missa normalmente já havia começado e a melhor forma de dar seguimento era participar até ao fim, embora alguns mais grandotes se agarrassem ao ditado de que, não há coisa mais bonita do que ir à missa e encontrá-la dita! Quase sem darmos conta estávamos à beira da Ribeira, límpida e fresca com as águas de Abril onde nas margens já fulgiam as toalhas algumas brancas e outras garridas que mostravam do que a merenda era composta. Coisas do outro planeta, uma miríade de coisas fritas, cozidas, assadas e cruas que rescendiam e faziam salivar a garotada que com a estafa do caminho já tinha a "foice picada".
Se era ano de ir em família a questão estava arrumada, tínhamos onde dependurar o pote, da outra maneira era preciso ir rondar até dar com amigo mais chegado que convidasse a participar no desbaste da montanha que refulgia qual Serra da Estrela onde crescessem, rissóis e bolos de bacalhau, folar e bifes panados, coxas de frango fritas e até alguns cabritos e leitões, doirados e com uma folha de alface na boca como quem era confrontado com o desafio imperativo: -Ou comes a alface ou és comido tu! O S. Jorge depois da procissão regressava à capelinha carregado de notas de vinte e algumas de cinquenta e saindo fletido sobre a montada com a lança pronta a matar o dragão, regressava sem se ver o fim da luta pois se a acabasse na frente do povo talvez para o ano não lhe fizessem a festa.
Era assim bonito e alegre o nosso S. Jorge que nos legaram os de Aljubarrota que o conheceram de perfeita harmonia com os ingleses que nesse dia o repartiram com os portugueses. As minhas recordações deste Santo e desta festa são das melhores que tenho de todas as Festas de fora da cidade porque a simbiose entre o sagrado e o profano era de uma harmonia que me comovia e me fazia pairar acima da terra em perfeita comunhão com Deus e com o meu povo. Mas, como não há bela sem senão, também nunca ouvi o padre ou padres contarem ao povo a história terrena de tão louvado Santo. Sabíamos, sim, que a Páscoa acabava ali e “p' ro ano há mais". Agora acho que já não há.
Uma coisa eu posso assegurar. Que grandes merendas se comeram nas margens daquela Ribeira de Fonte Arcada, vulgo no São Jorge! 





Bragança 26/04/2020
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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