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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Estou a pensar em como hei-de tornar os meus dias mais interessantes, já que começo a descarrilar…

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


As leituras salvo algumas que fiz nas duas últimas semanas, não me encaixam. Não interessa para aqui estar a repetir o imperativo do Verbo ler porque não consigo fazer que aquilo que leio se enquadre no tempo presente. Este é um tempo assaz atípico, porque não há saída para este "far niente" que me sufoca.  Mas há a minha memória e ela não pára quieta, sempre a andar para trás numa tentativa de me colocar em situação despreocupada, respondendo à inacção do tempo actual.
Então surgem as memórias do mundo em que eu vivi. Esse mundo era bem aqui ao pé onde hoje me encontro e por razões insondáveis me parece estar em outro lugar que não nesta cidade de "altitude média e clima temperado" e aberta a todos os que a habitam e visitam. As recordações vão para os recantos mais variados da cidade que eu percorri com sol, com chuva, com nevoeiro e neblina, com neve e com o calor de Verão que dourava a pele e nos abria largo caminho para o Sabor, Rio mítico da minha infância e juventude que foi o lugar que mais amei até aos meus vinte e quatro anos. Ao rio associo elementos vivos que eram a parte que influenciava toda esta tela colorida que se ia transformando em vida e me ocupou fisicamente todo esse tempo e hoje me surge como o assento à sombra debaixo da ramada fresca que cobria o tanque colocado à direita da Casa dos Cantoneiros ao chegar à Ponte Nova do Sabor.
Tenho presentes imagens de uma manhã bem cedinho em que pela estrada as lavadeiras faziam fila e a conversa se sobrepunha numa algaraviada que nos excitava, mulheres e garotos cada qual tentando acudir a tudo. À estrada e aos poucos automóveis, ao saco da roupa que a meio do caminho já pesava, à probabilidade de não encontrar lavadouro na "presa" e perder-se tempo para o encontrar e faltar depois campo com erva bastante para "por à cora".
As mulheres mais velhas eram comandantes duma tropa que não marchava a toque de caixa, mas que não deixava de ser coesa e disciplinada. À frente e quase imponente a Tia Aniceta, seguida da tia Lúcia,  sua filha Glória e Tia Ana Batata. Outras acompanhavam este quarteto de notáveis como se dele dependesse o bom desfecho da jornada que aquela hora se iniciava e terminaria cerca das seis da tarde à volta do tanque, já com a roupa lavada e seca, e com a esperança que aparecesse um Chaufer dos "nossos" que desse boleia até ao Patronato. O rancho que de madrugada era compacto à tarde era fragmentado, mas os elementos sentiam um como que alívio de dever cumprido. Aqueles que não esperavam por boleia , metiam pés ao caminho, os restantes na frescura da ramada e sentados nas pedras de chisto que ladeavam o tanque preguiçavam e pacientemente esperavam pela possível boleia.
Entre a coluna da manhã e os pequenos grupos do regresso havia apenas a diferença de à ida, irem todos para o mesmo sítio e à vinda irem para os mais diferentes destinos.
O sentido de pertença que hoje ainda guardo e que mais das vezes quando tento explicá-lo às minhas filhas, por exemplo, é sempre, de diminuto interesse pera elas. O ambiente e as pessoas que povoaram o meu princípio, já não são detectáveis pela geração que nasceu da minha. Há a fronteira dos anos 60 e as diferenças do tempo pós Abril de 74.
Mas ao escrever hoje as memórias que me ocorrem, vejo com clareza que elas me servem para aliviar o meu espírito da carga nociva que o presente nos está servindo. Basta rever certos trechos que fizeram o todo da minha primeira idade e sobrepô-los à realidade desta terceira que o pensamento me transportará para outra dimensão em que não há Estados de Calamidade nem Corona Vírus mas sim manhãs serenas que antecedem o raiar dum glorioso Sol que é para todos porque Deus assim o quis.
Há também os caminhos e as estradas abertos para que passe o rico e passe o pobre, para as lavadeiras e o garotio, para aquecer e corar a roupa e há pessoas que trabalham porque têm saúde e não estão infectas.
Das minhas divagações e muito especialmente destas idas para o Sabor, recordo com saudade o grande amigo José Verde-gaio que sendo muito mais velho, sempre me dispensou uma simpatia inquestionável. Recordo-o hoje pois o epílogo dos dias de roupa no Sabor fazia-mo-lo na sua Cervejaria Paris onde era imperativo chegarmos antes das 19:00 para ouvirmos, difundido pelo Rádio Clube Português o novel Teatro Tide, que ele, sem se manifestar , como sempre homem de boas maneiras, também gostava de ouvir. E são as personagens de outro Teatro, este real que representaram toda a peça do Teatro da Vida que me coube viver até aos meus vinte anos, que agora recordo e me dão o refrigério que estas febres abrasadoras que o Covid 19 neste 2020 AD ameaça trazer em si.
Presto a minha homenagem a estas mulheres de Bragança que foram o verdadeiro "POVO QUE LAVAS NO RIO" que o poeta Pedro tão alto ergueu. Tia Aniceta,Tia Preta,Tia Lúcia,Tia Glória, Tia Ana Batata e uma multidão de outras que foram as nossas mães e avós.
São elas ainda quem mantém a sanidade que temo perder.




14/04/2020
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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