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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 28 de abril de 2020

O PINTOR

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


O Pintor de Girassois é um retrato de Vincent van Gogh
 pintado por Paul Gauguin em dezembro de 1888.
Era nos primeiros dias de Março e as manhãs já mostravam a doçura dum tempo primaveril. Havia nos campos uma verdura manchada de flores que nos seus tons amarelos e vermelhos, amaciados de outras tonalidades, faziam abrir os olhos para a bela tarefa de viver.
O pintor era um amante das coisas da Natureza. Não perdia ocasião, observador, desde menino, sabia entender de luz e contrastes. É que para se ser feliz necessita-se de ter olhos e saber-se usá-los. Madrugador, relaxava-o o caminhar no Parque que no seu traçado, pensado e intencional destacava as formas e o volume das coisas. Árvores e arbustos, canteiros de rosas e camélias estas tão singelas na sua cor rubra, aquelas, suaves com cores mais aguadas mas acetinadas faziam contraste com o colorido excêntrico dos amores-perfeitos que no chão mostravam a profusão maior das cores das manhãs. As aves passavam, as maiores mais alto subindo à coroa das árvores onde se juntavam aos pares como nos namoros de adolescentes sonhadores em que os beijos são o alfa e ómega daquele sentimento que chamam de amor.
Ele sempre gostara de as ver voar, ou de as ver pousadas nas silvas e arbustos, ou de as seguir correndo num afão permanente, da luz para a sombra, do fresco para o sol. O Pintor sonhava acordado e ia concebendo aos poucos a tela que sempre desejara pintar.
Ao longo da vida, com os afazeres diários não havia tido nem tempo nem força criadora para pintar a obra que ele imaginava poder oferecer aos homens e mulheres que, como ele, gostavam das maravilhas da criação. Agora o tempo livre era maior, muitíssimo maior e talvez se ele reunisse a vontade de criar, ainda tivesse a força e o engenho para passar à tela o que reter desse imaginário que as cores e formas formavam efemeramente. E assim se foi convencendo que poderia aumentar a sua Felicidade, alicerçada nas coisas bonitas que lhe eram dadas observar.
Uma manhã desse Março que despontava, depois do passeio e já com o espírito calmo e decidido resolveu começar a obra. Preparou a tela, alinhou os pincéis e depois de colocar tudo em posição, graduou o cavalete e pegando no lápis riscou a brancura de um quadrado que preenchia o mundo. Já os anos lhe haviam dado cabelos de prata e já a força nos braços o havia quase abandonado, mas a Natureza que lhos oferecera vigorosos e belos, também lhos retirara e paulatinamente os enfraquecera. Restava ainda o bastante para que com tempo e paciência ele a pudesse criar com a sua sensibilidade que agora era mais refinada que na juventude a imagem que refletisse a Natureza que ele via e os outros nem suspeitavam começou a crescer dento do perímetro da tela.
Passaram os dias e a obra foi tomando forma. Primeiro o fundo da imagem foi calculado, proporcional, depois o espaço que recebesse a volumetria do edificado decadente e no tempo certo o elemento forte que continha o núcleo da beleza que naturalmente sempre o entusiasmara, as árvores e os bichos, os de terra e os das alturas. Desenhou o fundo e nos ramos das árvores colocou as aves que sulcam os céus e as pequeninas que enfeitam a terra. Colocou-lhe o bico, estendeu-lhe as penas, desenhou-lhe as garras, abriu-lhe as asas e coloriu-lhe a figura. Aqui, um pisco, depois um pardal, de seguida um verdilhão e dois pintassilgos. Fez igual, mais lá bem no alto e com mestria fez que tomassem vida as aves do céu. Pintou um falcão e uma águia real, que em voo picado buscavam sustento, fez algumas nuvens que escondiam chuva que hoje não faria as aves recolherem cedo e com o pincel fez uma cópia do que no seu cérebro esteve guardado por toda uma vida de fascinação.
Março ia alto e a obra denotava já a riqueza de pormenores que as flores do parque lhe gravaram na mente. Repousou e já quase em Abril lavou os pincéis e assobiou. Era a melodia que com suas notas descreve também e com igual encanto a magia imensa de uma Primavera de luz e beleza. Era coisa linda, melodia antiga que um frade nos quis contar por notas e sons as cores e a brisa, os silêncios e os murmúrios de uma manhã de Primavera das que Deus lhe concedeu viver.
O Pintor assobiava a Primavera de António Vivaldi e a paz desceu e o envolveu. Abril chegado a obra parou, Colocou -lhe uma moldura e dependurou-a na sala de estar. Havia conseguido criar com as suas mãos a réplica do seu próprio pensamento, algo que a humanidade que o substituísse nas horas que sentia esgotarem-se, tivessem por falta de Primaveras no futuro, uma imagem do tempo que ele sentira.
E então, contra o conselho das Autoridades de Saúde e a imposição do Governo da Nação, colocou a máscara cirúrgica apertou o casaco e saiu à rua para caminhar e sentir em si a Primavera que já em Abril estava mais bela do que jamais estivera! Abril foi correndo e o Pintor pensou: -Que belo é viver, que bom é amar e tão bom repartir. E do fundo desta constatação, tão elementar concluiu: -A beleza e o bem querer são o que de melhor Deus nos concedeu!
Mas infelizmente, outras forças que germinam nos corações das gentes que se deslumbram com o poder, outro não pensam, senão em perfídias que fazem ofuscar o que as Primaveras passadas deste mundo lindo, não foram capazes de lhe esclarecerem na razão. O pintor cá fora aconchegou a gola do casaco ao rosto cobrindo o colo. Caminhou então e em vez de flores e pássaros voando caminhou ao encontro do vírus Covid 19 de sinistra invenção.
E ainda faltava Maio e parte de Junho… Será que a Primavera cessará precocemente? Pensou. E sem resposta continuou a caminhar, admitindo que nem as árvores ou sequer as aves pareciam pressenti-lo. Continuavam a viver e nós, viveremos? Sabe-o Deus!





Bragança 28/04/2020 
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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