Por toda a parte se faz sentir a necessidade urgente de difundir as luzes pelas classes mais baixas, que não são as menos numerosas da Sociedade: é este um dos mais poderosos meios para melhorar a condição moral e material do homem: é este um grande problema, cuja resolução estava reservada à Imprensa, e com particularidade à Imprensa periódica; instrumento maravilhoso, que vulgarizando os conhecimentos úteis deu à Civilização moderna um caráter de universalidade e popularização, que debalde procuraríamos na Civilização antiga.
(O Farol Transmontano, de 15 de setembro de 1845)
Crónica de Bragança, primeira tentativa de edição de um jornal em Bragança |
Com a Revolução Liberal do Porto, em 1820, apesar de no ano seguinte – “o ano áureo do novo jornalismo do primeiro quartel do século XIX”, na expressão de José Tengarrinha – terem surgido 39 periódicos, a verdade é que nenhum deles foi editado em Bragança. Só em 1845, ou seja, uma década após a instauração definitiva do liberalismo em Portugal, é que surgiram condições para Bragança passar a dispor de uma publicação periódica.
Não se pense que, sob este aspeto, Bragança se encontrava muito aquém das restantes capitais de distrito. Com efeito, depois de Lisboa, Porto e Coimbra, Bragança parece ter sido a primeira Cidade do País a editar um jornal, o que só por si deixa perceber a importância que a sociedade bragançana atribuiu, desde cedo, às publicações periódicas.
Desde 1845 até aos nossos dias, foram muitos os títulos que surgiram no panorama da imprensa periódica de Bragança. O seu período áureo diz respeito às décadas de 1890-1910 e a sua época mais negra corresponde ao Estado Novo, sobretudo a partir de 1940, quando passou a existir apenas um jornal de caráter informativo, publicado sob a égide da Diocese de Bragança e Miranda, o Mensageiro de Bragança, a que se juntou, em 1955, um boletim, os Amigos de Bragança, sendo estas as únicas publicações periódicas que vieram até 1974 – outros jornais ou boletins que entretanto surgiram, efémeros e de publicação muito irregular, são de natureza estudantil ou religiosa.
Depois do 25 Abril de 1974, principalmente a partir de meados dos anos de 1980, apareceram vários títulos, embora presentemente só existam dois jornais, o Mensageiro de Bragança e o Jornal Nordeste, a revelar as dificuldades com que a imprensa periódica de Bragança se continua a debater.
Na sua grande maioria, os títulos dos jornais publicados em Bragança estiveram associados a projetos políticos, a par de alguns outros, de menor importância, de cariz académico ou religioso. Os mais importantes foram mesmo porta-vozes de projetos político-partidários, e mesmo aqueles que não se encontravam propriamente ligados a quaisquer estruturas partidárias e se diziam “independentes”, revelavam um conjunto de valores que se pode considerar próximo de uma ou outra força política.
Na análise da imprensa periódica bragançana dos séculos XIX e XX, que agora se efetua, importa ter em consideração quatro aspetos fundamentais:
• o contexto ideológico, cultural, económico, social e tecnológico em que os periódicos se inseriram pouco tem a ver com o presente, dadas as profundas transformações que se fizeram sentir em Bragança a tais níveis; as modernas tecnologias de comunicação e muito recentemente a internet, bem como os atuais meios tecnológicos quanto à composição, ilustração gráfica ou fotográfica e paginação, não são minimamente comparáveis com os meios e instrumentos existentes antes de 1974, com reflexos óbvios na recolha da informação, produção e posterior difusão;
• os índices de analfabetismo, muito mais elevados no passado do que no nosso tempo, refletem-se logicamente na escassa procura de um produto cultural como era o jornal impresso, embora saibamos que os jornais da Cidade, de tiragem modesta, fossem lidos e comentados por bastantes mais pessoas do que aquelas que os compravam ou assinavam – o jornal do barbeiro, do café, da loja, etc.;
• a imprensa escrita, até à Primeira Guerra Mundial (1914-1918) reinou sem concorrentes; a rádio a partir da década de 1920 e a televisão da década de 1950 em diante, retiraram à imprensa escrita o seu monopólio, reduzindo muito do seu protagonismo;
• a liberdade de imprensa, que já na última década da Monarquia e durante a Primeira República conheceu fortes limitações, com o Estado Novo vai desaparecer, sendo estabelecido em 1933 o regime de censura prévia a todas as publicações periódicas, que se manteve até 1974.
Finalmente, e recusando nós perder tempo quanto à definição do que se entende por “imprensa periódica”, convém esclarecer que, até 1974, procurámos inventariar as publicações editadas em Bragança com caráter periódico, independentemente da sua periodicidade; os números únicos estruturados de modo jornalístico e revelando caráter informativo ou noticioso; e os boletins ou anais de feição económica, cultural, religiosa, académica ou recreativa. Este critério teve em atenção as escassas publicações editadas na capital do Nordeste Trasmontano e a inexistência de qualquer trabalho científico sobre esta problemática.
Jornais publicados no século XIX (1845-1900)
A primeira tentativa de editar um jornal em Bragança surgiu com a Crónica de Bragança, publicação manuscrita que não terá passado do número um, datada de 2 de março de 1835, no qual anunciava a sua publicação todas as semanas, à segunda-feira.
Esta Crónica de Bragança dá-nos notícia de um baile que teve lugar na Cidade, com a presença do comandante do corpo do exército de observação (o brigadeiro Jorge Avilez, cujo nome não refere) e o seu estado-maior, as peripécias que acompanharam a preparação dos trajes das senhoras (nomeadamente de uma que desfez a coberta da cama para fazer em vestido), as situações ridículas que surgiam por força do provincianismo feminino, as referências à estadia do general Avilez em Alcanizes quando fugiu da cadeia de Bragança em 1834, uma “caçada de ursos” figurada, e uma notícia relativamente a um cónego, ao seu gato e aos passarinhos das senhoras nos “anúncios” (que em qualquer jornal do tempo nunca poderia estar inserida nesta parte), bem demonstrativa, como outras que insere, de que o seu autor nunca pensou em difundir a sua “crónica”. Mas, em contrapartida, embora não seja essa a intenção, dá-nos contributos interessantes, como refere João Jacob, para o conhecimento da sociedade bragançana, da qual pouco ou nada conhecemos na primeira metade do século XIX.
A duas colunas, segue uma estrutura típica dos jornais do seu tempo, dividido em “notícias do interior”, “variedades”, “anúncios”, e “quinquilharias”, estas, sem texto, revelando, assim, que nem completo está.
Programa Editorial de O Farol Transmontano |
Primeira página do 1.º número de O Século, que foi o primeiro jornal político do Distrito de Bragança |
O Farol Transmontano, dirigido por António Ferreira de Macedo Pinto, médico em Bragança, tendo o subtítulo “Instrução e Recreio”, de periodicidade mensal, impresso na tipografia de Diogo Albino de Sá Vargas (comprometia-se o seu diretor a sair um número até ao dia 10 de cada mês), dedicou-se, sobretudo, à agricultura da região, publicando-se durante dois anos – muito provavelmente, terminou devido às convulsões políticas geradas pela Maria da Fonte e Patuleia, ou porque Macedo Pinto, em 1848, foi transferido para o Porto. Constituiu uma verdadeira novidade para a época, uma vez que, com exceção de Lisboa, Porto e Coimbra, a Cidade de Bragança foi a primeira de todas as capitais de distrito a editar um periódico.
Em 1846-1847, na sequência da criação da Junta Governativa de Bragança, afeta ao Governo de D. Maria II, publicaram-se duas séries do Boletim Oficial de Bragança, que constituem um marco fundamental na história da imprensa da Cidade, uma vez que aí foram impressos.
Da primeira série, são conhecidos dois números, datados de 23 e 25 de junho de 1846, talvez os únicos desta primeira edição, os quais dão conta da perseguição e derrota de guerrilhas miguelistas no Distrito; e uma segunda publicação, com o mesmo título, agora em defesa do Governo cabralista, entre outubro de 1846 e 24 de novembro do mesmo ano, que em quinze números deu conta das movimentações político-militares então desenvolvidas em Trás-os-Montes.
A segunda série do Boletim Oficial de Bragança, igualmente impresso na Tipografia de Bragança, a duas colunas, editou-se entre 16 de março de 1847 e 4 de maio do mesmo ano, registando quinze números. O formato deste Boletim Oficial de Bragança, embora igual ao da primeira série, revela, sob o ponto de vista tipográfico, maior qualidade técnica. O seu autor, fiel ao Governo de D. Maria II, segundo o jornal O Nacional, foi o secretário do Governo Civil de Bragança, Diogo Albino de Sá Vargas.
Bragança e o seu Distrito tiveram, em seguida, um longo interregno quanto à publicação de jornais. Com efeito, a Regeneração, que abriu uma época de grande expansão do jornalismo em Portugal, não teve praticamente reflexos em Bragança até à década de 1880, quando a média anual de jornais, no Continente, ultrapassou os 180 – com exceção de um ou outro jornal fora do Concelho de Bragança, como o jornal que em 1876 se publicou em Carrazeda de Ansiães para fazer oposição ao Governador Civil Morais Machado, O Século, que durou apenas algumas semanas e foi o primeiro jornal político do Distrito de Bragança. Em 1878, foram publicados os Anais Agrícolas do Distrito de Bragança, que infelizmente não tiveram continuidade, mas que não podem ser considerados um jornal.
Só a partir da década de 1880, é que os periódicos vão reaparecer no Nordeste Trasmontano – dez jornais no Distrito de Bragança, cinco dos quais na Cidade de Bragança – O Invisível (1882) – de circulação muito restrita, de acordo aliás, com o título –, O Distrito de Bragança (1885), O Brigantino (1886), A Luz (1888) e O Nordeste (1888).
A tiragem destes jornais era logicamente muito pequena. Por exemplo, o Nordeste tinha 400 assinaturas. No seu início, este jornal surgiu muito dedicado “às coisas da Igreja”, mas algum tempo depois modificou-se consideravelmente, não mais noticiando “quaisquer solenidades religiosas”.
A década de 1890 continuou o período de euforia do lançamento de jornais, embora o Distrito de Bragança, entre 1894-1900, fosse o Distrito a registar o mais baixo número de tais publicações em Portugal Continental. Na Cidade de Bragança surgiram, entretanto, oito títulos – O Sudoeste (1890), Gazeta de Bragança (1892), Norte Trasmontano (1895), Voz da Pátria (1896), O Democrata (1896), O Norte Trasmontano (1897), o Boletim Diocesano de Bragança (1898) e o Baixo Clero (1899).
A Gazeta de Bragança, “genuinamente regeneradora”, não hostilizava a Igreja, embora tivesse atacado o governador do bispado, doutor António Augusto Rodrigues, na ausência de D. José Alves de Mariz, “afeiçoado à política progressista”, o que constituía para a Gazeta de Bragança “um crime de alta traição”.
O Norte Trasmontano tinha como proprietário Pires Avelanoso, empregado na repartição das obras públicas do Distrito de Bragança, “homem sem curso científico”, mas muito instruído e de “bons sentimentos religiosos”.
Era seu principal redator e colaborador o medico António Augusto Gonçalves Braga, professor de físico-químicas no Liceu de Bragança, “homem dotado de muita ilustração e de um excelente caráter”. Este jornal, segundo o bispo de Bragança, era “extremo defensor das verdades católicas”, seguindo a doutrina de Leão XIII, e com artigos “tendentes a moralizar as diversas classes sociais”, com ótima aceitação por toda a Diocese, contando mais de 900 assinaturas.
Esta lenta implantação da imprensa periódica em Bragança e seu Distrito é fruto de um numeroso conjunto de fatores, dos quais importa destacar a elevadíssima taxa de analfabetismo, que ainda ultrapassava os 80% em 1890; a escassez de tipografias para a impressão dos jornais; o fraco poder de compra da população de uma das regiões mais pobres do País; a ausência de meios de comunicação; os custos com os portes do correio; e a débil publicidade de uma economia praticamente estagnada.
Primeira página do Norte Trasmontano |
Primeira página do 1.º número de O Distrito de Bragança |
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