Portugal, Bragança, Bragança, Santa Maria
Arquitetura infraestrutural, medieval e politico-administrativa, quinhentista. Cisterna medieval de planta retangular, com estrutura de cantaria, interiormente coberta por abóbada de berço e seccionada por três arcos torais, sobre a qual foi construída no séc. 16 a casa da câmara, com planta poligonal, fachadas em cantaria, superiormente rasgadas por arcada baixa composta por arcos de volta perfeita, sobre pilares, e terminadas em cornija sobre cachorros decorados. Dois portais de verga reta e jambas biseladas rasgadas na fachada N. dão acesso ao interior, sobrelevado, percorrido por sedia, com pavimento em cantaria, rasgado por três vãos para a cisterna, paredes terminadas em cornija assente em cachorros com decoração diversa e com cobertura de madeira.
FOTO.00816572
Número IPA Antigo: PT010402420004
Categoria
Monumento
Descrição
Planta pentagonal, ligeiramente irregular, de massa simples com cobertura em telhados de cinco águas, rematadas em beirada simples, assente em murete recuado de cantaria, revestido a cobre oxidado. Fachadas de diferentes dimensões, em cantaria aparente, a virada a E. possuindo ressalto na zona inferior, e terminadas em cornija que forma caleira aberta, assente em 64 cachorros, com decoração fitomórfica, antropomórfica, zoomórfica e geométrica. Sob a cornija, as fachadas são rasgadas por vãos em arco de volta perfeita, de duas arquivoltas lisas, sobre pilares, sendo os vãos da fachada O. de menores dimensões.
Ao longo das fachadas, à exceção da virada a E., corre caleira saliente e aberta sob os vãos, com silhares nos extremos e ao centro avançados. Na fachada N., a maior, rasgam-se inferiormente e ao centro dois portais de verga reta, com as jambas biseladas, a partir dos quais se desenvolvem escadas em cantaria de acesso à sala de audiências da câmara. INTERIOR com sala de espaço único, circundado a toda à volta por uma "sedia", ou seja, um bailéu de cantaria, destinado aos membros do concelho, e iluminado pelos vãos em arco de volta perfeita, de duas arquivoltas, sendo a exterior das faces viradas a O. decoradas por motivos em "X". As paredes terminam igualmente em cornija, assente em 53 cachorros, com o mesmo tipo de decoração, tendo um da face virada a N. o escudo com armas de Portugal. Sobre a cornija, surge num plano recuado murete de cantaria de suporte da cobertura, de madeira, com travejamento aparente.
O pavimento é em lajes de cantaria e possui três vãos quadrangulares, protegidos por grades, ligeiramente desalinhados e sendo o central maior, de ligação à cisterna, desenvolvida inferiormente. A cisterna tem planta retangular e estrutura em cantaria, com ressalto inferior escalonado na parede virada a E., coberta por abóbada de berço, apoiada em três arcos torais, abrindo-se em cada uma das secções os vãos anteriormente citados no pavimento da sala de audiências. Apresenta pavimento lajeado de granito, siglado, e com declive suave para S., tendo-se encontrado uma nascente de água no ângulo NO. e a pequena profundidade.
Nos quatro ângulos laterais possui quatro orifícios das condutas inclinadas existentes no interior da abóbada que, das caleiras sob os vãos e do remate do edifício, canalizavam as águas pluviais dos telhados para o interior da cisterna.
Acessos
Terreiro do Castelo
Protecção
MN - Monumento Nacional, Decreto de 16-06-1910, DG n.º 136 de 23 de junho 1910
Grau
1 – imóvel ou conjunto com valor excepcional, cujas características deverão ser integralmente preservadas. Incluem-se neste grupo, com excepções, os objectos edificados classificados como Monumento Nacional.
Enquadramento
Urbano, isolado, no interior da cerca do castelo de Bragança (v. PT010402420003), inserido no aglomerado de fundação medieval, nas imediações da Rua Fernão o Bravo, que estabelecia a ligação entre a Porta do Sol e a da Vila ou de Santo António. Ergue-se sobre plataforma sobrelevada relativamente à via, com três degraus frontais e outros laterais para vencer o declive, bem junto à fachada lateral direita da Igreja Matriz de Bragança (v. PT010402420259), possuindo estreito corredor de separação entre ambos. Em frente desenvolve-se largo.
Descrição Complementar
Na fachada virada a N., num dos pilares superiores entre as portas, existe lápide em bronze com a inscrição: ""JOIA VNICA" / PALAVRAS - COM - QVE MESTRE / JOAQUIM - DE VASCONCELOS / QVALIFICA - E STA - CASA - NA AR- / TE - ROMANICA - EM - PORTVGAL". Numa parede S. do interior existe lápide circular, em bronze, com representação do busto encimada pela inscrição "DR. ALFREDO DE MAGALHÃES"; o medalhão foi modelado pelo escultor portuense Sousa Caldas. Inferiormente, existe uma outra lápide lápide em bronze com a inscrição: "A PEDIDO DO ENTÃO GOVERNADOR / CIVIL DE BRAGANÇA, CAPITÃO DE / CAVALARIA TOMAZ FRAGOSO, CON- / CEDEV A PRIMEIRA DOTAÇÃO PARA / A DOTAÇÃO PARA / A REINTEGRAÇÃO DESTA "JOIA VNI- / CA" EM 11-11-1928, O MISNISTRO DA JNS- / TRVÇÃO, DOVTOR ALFREDO DE MA- / GALHÃES, TENDO SISO A DOTAÇÃO / FINAL CONCEDIDA PELO MINIS- / TRO DO COMERCIO, DOVTOR JOÃO / ANTVNES GVIMARÃES, 2M 9-11-1929. / PATROCIONOV CARINHOSAMENTE / ESTA OBRA O DIRECTOR GERAL DOS / EDIFÍCIOS E MONVMENTOS NACIO- / NAIS, CAPITÃO DE ENGENHARIA / HENRIQUE GOMES DA SILVA. ELA- / BOROV O PROJECTO E DIRIGIV AS / OBRAS DA RESTAVRAÇÃO O ARQVI- / RETO BALTAZAR DE CASTRO CO- / MEMORADA A CONCLVSÃO DO RES- / TAVRO EM 23-10-1932". Junto a estas lápides e entre dois cachorros surge lápide de mármore com a inscrição "14-12-1924 / VISITA DO INSIGNE / ARQUEÓLOGO ESPANHOL / GOMEZ-MORENO". Sobre um dos arcos existe lápide, em mármore, com a inscrição "III - IX - MCMXLI / VISITA DO CHEFE DE ESTADO / SENHOR GENERAL CARMONA". Existe ainda uma placa alusiva à valiosa colaboração do Dr. Antunes Guimarães, Capitão Tomaz Fragoso, Arquiteto Baltasar de Castro e Engenheiro Gomes da Silva.
Utilização Inicial
Político-administrativa: paços municipais
Utilização Actual
Marco histórico-cultural
Propriedade
Pública: estatal
Afectação
DRCNorte, Portaria n.º 829/2009, DR, 2.ª série, n.º 163 de 24 agosto 2009
Época Construção
Séc. 13 / 14 / 16 / 20
Arquitecto / Construtor / Autor
ARQUITETO: Baltazar de Castro (1930). EMPREITEIRO: Manuel Domingues Chaves (1963).
Cronologia
Séc. 13 / 14 - época provável da construção da cisterna no interior da cerca; 1501 - segundo o Abade de Baçal, existia um documento de memórias no qual, Martim Anes referia a construção do edifício durante a sua existência, servindo de ponto de reunião para os Homens Bons do concelho; 1503, 25 dezembro - o edifício é referido como cisterna;1510 - carta em que o Duque de Bragança refere a casa do concelho "que está na cisterna", parecendo-lhe que não se podia fazer boa obra; refere que se devia cobrir as paredes que já estavam para ficar seguras e começar a fazê-la como uma casa de esquadria, dando-lhe o comprimento e largura que mais se pudesse e houvesse naquele chão, podendo para isso derrubar as duas ou três paredes até ao "lajoamento"; não se devia despender com isso mais que o feitio, pois a "cantaria hi fica e a altura das paredes dês o lajoamento ates a armaça deve ser de quatro varas e mea e a armação deve de ser feita de boa madeira e bem lavrada e devemlhe de fazer algumas janellas do modo que se agora acostuma"; para as obras deveriam consultar Lopo de Sousa, o alcaide-mor de Bragança, o qual saberia dar bom conselho; 1589, dezembro - o duque D. Teodósio II repreende os responsáveis do município por não trazerem bem reparados alguns edifícios públicos, nomeadamente a casa de audiência; sobre essa refere ter sido informado que era pequena e estava em lugar "escuso", encomendando assim que procurassem um lugar público onde se pudesse construir um outro edifício que, ao que parece não chegou a ser edificado; séc. 17 - época provável da alteração do edifício, com abertura de janelas de sacada na fachada virada a O. e a S., onde um dos arcos centrais se adaptou a porta e se construiu escada de pedra de um lanço; 1758 - segundo o pároco nas Memórias Paroquiais da freguesia de São João Batista, a casa da Câmara era uma das obras mais antigas do Reino, sendo tradição que se conservava ainda do tempo dos romanos pois diziam que havia nesta cidade senadores que, por serem muitos, ouviam as partes por umas janelas redondas que a casa tem toda à roda; o pároco refere ainda que no interior tinha um poço que mostrava muita antiguidade; tinha juiz de fora e ouvidor; séc. 19, meados - desde essa época que era reclamada a sua reconstituição nas páginas da Revista Popular para acolher as repartições camarárias e um museu arqueológico, apesar da exiguidade do espaço e planimetria pentagonal; séc. 20, início - o local servia de abrigo a pessoas sem recursos; 1910, cerca - segundo o Abade de Baçal, o edifício encontrava-se "desprezado, mutilado e... sem cobertura"; 1916, 20 março - realização de um projeto de restauro da "Antiga Casa do Senado Municipal" pelo arquiteto Arnaldo Redondo Adães Bermudes; nesta data, a cisterna era rasgada na fachada virada a E. por porta de verga reta, dando para o exterior, com pavimento muito rebaixado; 1925 - criação do Grupo dos Amigos dos Monumentos e Obras de Arte de Bragança, sob a presidência do abade de Baçal; 1930, 11 janeiro - criação de Comissão para direção das obras da Domus Municipalis de que fazia parte o arquiteto Baltazar de Castro (Portaria de 8 janeiro, DG n.º 9, 2.ª série); antes das obras de restauro, a casa da câmara tinha adossado à fachada lateral N. alguns anexos e ao ângulo SE. um muro de pedra com portal em frontão triangular; interiormente encontrava-se dividido em duas salas; 1932 - inauguração da Domus pelo ex-ministro Alfredo de Magalhães, conforme lápide inscrita existente no interior; 1979, abril - re-equacionada a reutilização do imóvel; 1992, 01 Junho - o imóvel é afeto ao Instituto Português do Património Arquitetónico, pelo Decreto-lei 106F/92, DR, 1.ª série A, n.º 126.
Características Particulares
Edifício invulgar e sem paralelo na Península Ibérica, composto pela sobreposição de duas estruturas funcionais distintas e de diferentes épocas, constituindo o ex-libris da cidade. A cisterna foi construída na Idade Média, talvez no séc. 13 ou 14, semienterrada, com toda a estrutura em cantaria, conservando parte do aparelho siglado, tendo no interior nascente, mas com sistema complementar de abastecimento; este era feito através de caleiras abertas, dispostas ao nível da antiga cobertura do edifício em quatro faces, a partir das quais as águas pluviais eram conduzidas por condutas para o interior, bem como, muito provavelmente, pelas três bocas rasgadas no lajeamento que atualmente constitui o pavimento da casa da câmara. Em 1510, na sequência da carta do Duque de Bragança e seguindo as suas orientações, o município construiu a casa de reunião do senado sobre a estrutura lajeada da cisterna, com o cumprimento e largura que o chão permitia e procedendo a algumas regularizações das paredes, o que veio a resultar na planimetria poligonal.
A abertura de arcadas de volta perfeita sobre pilares possantes ao longo das fachadas e o seu remate com nova cornija sobre cachorrada com decoração arcaizante, levou os autores a considerar a denominada Domus Municipalis como exemplar da arquitetura românica ou gótica, integrando-se, segundo Leonor Botelho, no chamado românico de resistência datado do séc. 16. A cornija do remate foi construída como uma segunda caleira de onde partiam condutas dispostas em alguns ângulos, para aumentar o armazenamento de água que, no interior da cidade, sempre foi insuficiente. As aduelas dos arcos são exterior e interiormente lisas exceto numa das faces interiores, o que poderá indicar algum desfasamento temporal na feitura da obra.
Os cachorros têm decoração antropomórfica, zoomórfica, vegetalista ou geométrica, exceto um do interior que tem as armas de Portugal, representadas com os cinco escudetes, os dos flancos apontados para o exterior e com bordadura envolvente e terminada em cunha, remate que só surgiu com D. Manuel I, coincidindo com a época da construção da casa.
Dados Técnicos
Sistema estrutural de paredes portantes.
Materiais
Estrutura em cantaria de granito aparente; pavimento em lajes de cantaria; lápides em bronze e mármore; portas de madeira; grades em ferro nas bocas da cisterna; teto de madeira sobre travejamento do mesmo material; cobertura de telha.
Bibliografia
ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de - O românico, in História da Arte em Portugal, Lisboa: Publicações Alfa, 1986, vol. 3, p. 141-142; ALMEIDA, José António Ferreira de (org.) - Tesouros Artísticos de Portugal. Lisboa: 1976, pp. 153-154; BENTO, Sandra - Domus Municipalis vai ser recuperada, in Diário de Notícias, 16 Dezembro 2006; CAPELA, José Viriato, BORRALHEIRO, Rogério, MATOS, Henrique - As Freguesias do Distrito de Bragança nas Memórias Paroquiais de 1758. Memórias, História e Património. Braga: 2007; BOTELHO, Maria Leonor - Domus Municipalis in ROSAS, Lúcia, BOTELHO, Maria Leonor (coord.) - Arte Românica em Portugal. Aguilar do Campo: Fundación Santa María la Real, 2010; CASANOVA, Maria José, Bragança, cidade-fortaleza setuada no estremo de portugall e Castela. Revista Monumentos. Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana. Lisboa, dezembro 2011, nº 32, pp. 24-41; DIAS, Pedro - História da Arte em Portugal. O Gótico. Lisboa: Publicações Alfa, vol. 4, pp. 57 e 62; DGEMN - "Domus Municipalis" de Bragança. Boletim n.º 4. Lisboa: DGEMN, 1936; FERNANDES, Paulo Almeida - Castro de Avelãs: o estranho caso de uma igreja de tijolo. Revista Monumentos. Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana. Lisboa, dezembro 2011, nº 32, pp. 84-95; GONÇALVES, Carla A. - O lugar dos homens bons, in Mensageiro de Bragança, 01 Junho 2006; JÚNIOR, Francisco Felgueiras - Roteiro e Escorço Histórico da Cidade de Bragança. Bragança: Amigos de Bragança, 1964; LOPO, Albino dos Santos Pereira - Bragança e Benquerença. Lisboa: Imprensa Nacional, 1900; Ministério das Obras Públicas, Relatório da Actividade do Ministério no ano de 1952. Lisboa: 1953; Ministério das Obras Públicas, Relatório da Actividade do Ministério nos Anos de 1959. Lisboa: vol. 1, 1960; NETO, Maria João - A Acção da DGEMN em terras de Bragança. Revista Monumentos. Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana. Lisboa, dezembro 2011, nº 32, pp. 108-117; RODRIGUES, Luís Alexandre - Bragança no século XVIII Urbanismo. Arquitectura. Bragança: Junta de Freguesia da Sé, 1997, vol. 1; TEIXEIRA, Raúl - A Domus Municipalis de Bragança. Notícia Histórica. S.l.: 1941.
Documentação Gráfica
IHRU: DREMN/DREMN, DGEMN/DSID
Documentação Fotográfica
IHRU: DREMN/DREMN, DGEMN/DSID, SIPA
Documentação Administrativa
IHRU: DREMN/DREMN, DGEMN/DSID
Intervenção Realizada
1929 - conclusão das obras de restauro do edifício, com remoção dos acrescentos posteriores, como as janelas setecentistas e as escadas exteriores, supressão da parede divisória interior, ficando o espaço amplo; as orientações a tomar nas obras foram alvo de discussão alargada a vários especialistas; por exemplo, equacionou-se o fecho das arcadas com vidraças, fazendo o mestre António Augusto Gonçalves esquiços com a adaptação aos vãos semicirculares, acabando por se optar pela reintegração estilística e fruição do imóvel "per si"; 1932, 23 Outubro - conclusão das obras de restauro graças ao alerta dado pelo Pe. Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, em 1910, e à dedicação do magistrado bragançano Dr. Artur Lopes Cardoso e à energia da Comissão de Defesa constituída pelos Drs. Raúl Teixeira e António Quintela, José Montanha e Capitão Tomaz Fragozo, então Governador Civil de Bragança, e Grupo de Amigos do Museu e Obras de Arte de Bragança;DGEMN: 1960 - informação que já se encontram demolidos os prédios constantes da 1ª e 2ª fases das expropriações destinadas à valorização do castelo e da domus e efetuada a regularização do terreno resultante do trabalho realizado; dada a falta de verbas para esse ano, não se permitia a conclusão das expropriações (3ª fase), a demolição dos prédios e regularização; 1963 - obras de desafogo da fortificação e de arranjo envolvente da domus por Manuel Domingues Chaves: demolição de um imóvel de dois pisos, revestimento do pavimento envolvente da domus com aplicação de lajedo de xisto, execução de arruamentos com lajedo e calçada de xisto; CMB: 2007 - obras de conservação.
Observações
*1 - A denominação de Domus Municipalis, designação latina para casa da câmara, poderá ter sido atribuída no séc. 19 ou já mesmo no séc. 20.
Autor e Data
Paulo Amaral 1996 / Paula Noé 2012
in:monumentos.pt
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