Uma vez apresentadas as unidades militares de Bragança que se foram sucedendo desde 1820 até 1978, importa agora chamar a atenção para alguns factos da história da Cidade e aspetos do seu quotidiano que tiveram a participação daquelas forças, após o final da guerra civil, em 1834.
Em 4 de abril de 1837, foi cantado um Te Deum pelo aniversário da Rainha D. Maria II, e devido à “decadência em que se acha a Sé, não havendo cantores nem música”, convidou se a banda do regimento de Infantaria n.º 12, “dando-se-lhe por isso uma gratificação”. À cerimónia assistiram todas as autoridades militares, civis e eclesiásticas, cifrando-se a dita gratificação em 14 400 réis.
Em 22 de setembro de 1855, a Câmara agradeceu aos militares que participaram nos festejos “pela faustíssima aclamação” do Rei D. Pedro V: ao capitão ajudante de Caçadores n.º 3, Januário Ferreira Machado, pela forma como dirigiu o baile de oficiais inferiores dos dois corpos da guarnição e o elogio dramático; aos oficiais de Caçadores n.º 3, Maia, Sá e Pinheiro, por terem participado no elogio dramático; e ao major de Cavalaria n.º 7, António José de Macedo e Vasconcelos, pelo zelo e primoroso brilhantismo com que ensaiou e apresentou a Cavalaria. Os alfaiates do batalhão de Caçadores n.º 3 ocuparam-se dos trajes do baile dos sargentos, recebendo, por isso, a quantia de 4 800 réis. O mestre da música do batalhão de Caçadores n.º 3, André Navarro, enviou à Câmara o hino, que denominou de “Hino Brigantino”, composto para os festejos. E as bandas dos regimentos de Cavalaria n.º 7 e batalhão de Caçadores n.º 3 participaram ativamente nos festejos que decorreram nos dias 16, 17 e 18 de setembro desse ano.
Em 17 de novembro de 1855, o comandante do regimento de Cavalaria n.º 7 solicitou à Câmara a verba de 50 000 réis para melhorar e rebaixar a estrada que ia do Forte, onde se encontrava a sua unidade, ao Campo de Santo António e que era considerada uma das principais estradas da Cidade – em setembro de 1857, ainda essa obra decorria, graças ao trabalho dos militares.
Nas exéquias realizadas pelo falecimento da Rainha D. Estefânia, em 1859, no convento de S. Francisco. participaram as duas unidades militares existentes na Cidade – regimento de Cavalaria n.º 7 e batalhão de Caçadores n.º 3 –, tendo as bandas das duas corporações executado as peças fúnebres.
Em 1 de março de 1862, o comandante do batalhão de Caçadores n.º 3, João José Barreto da França, solicitou à Câmara Municipal autorização “para a construção de um pequeno calço de suporte, a fim de se terraplanar o Largo denominado de S. Tiago, em frente do Castelo e contíguo ao quartel do dito Batalhão”, a qual lhe foi concedida.
A propósito da chegada da Rainha D. Maria Pia de Saboia, mulher do Rei D. Luís I, a Lisboa, foram decretados três dias de gala, em 1862, os dias de 6, 7 e 8 de outubro. A Câmara, entre outros festejos, organizou um arraial no Passeio das Eiras, com a banda da música de Caçadores n.º 3. Em sessão do dia 9 de outubro, foi aprovado um voto de louvor ao tenente-coronel que comandava o batalhão de Caçadores, por aquela ter tocado graciosamente nessas noites.
Aquando do nascimento do príncipe real, D. Carlos I, em 28 de setembro de 1863, foi a banda do batalhão de Caçadores n.º 3 que, durante duas noites de arraial, atuou, festejando tal acontecimento.
Em 1864, quando a Câmara de Bragança iniciou a reforma das principais ruas da Cidade, foi aos engenheiros militares que recorreu para tal efeito.
Um dos entretenimentos dos militares parece ter sido o “jogo do fito”, a julgar pelo requerimento da Câmara Municipal apresentado em sessão do dia 20 de abril de 1865, solicitando ao comandantes das duas unidades militares que tomassem providências a fim de os seus subordinados não praticarem aquele jogo nos passeios e adros das capelas, ao contrário do que preceituava o código de posturas do Município.
O teatro seria outra das distrações dos soldados. Um grupo, composto por estudantes e militares, solicitou à Câmara que colocasse à sua disposição trajes para, na noite do dia 30 de abril de 1866, levarem à cena o drama O Cativo de Fez, representação esta em benefício da família de um oficial de Cavalaria n.º 7 que falecera.
Em 8 de maio de 1869, o coronel do batalhão de Caçadores n.º 3 oficiou ao Município solicitando as suas antigas instalações para aí decorrerem provisoriamente as aulas das praças do batalhão, enquanto as obras no quartel continuassem.
A preocupação com a escolaridade dos soldados era evidente. Em ofício de 3 de fevereiro de 1880, o comandante interino do regimento de Cavalaria n.º 7 pediu “a esta Câmara autorização para que a escola daquele regimento seja inaugurada no edifício denominado Escola Conde de Ferreira e continuar ali com os exercícios escolares, mas somente a hora que não perturbe a frequência dos alunos da paróquia”. A Câmara anuiu ao pedido, em abril do mesmo ano, aprovando a realização de pequenas obras naquele edifício.
As conferências por parte dos oficiais graduados das unidades militares eram frequentes. Por exemplo, em 1893, um oficial do regimento de Caçadores n.º 3 proferiu três palestras sobre “O balão como instrumento de Guerra”; e em 1894, outro oficial do mesmo regimento apresentou uma conferência sobre “Os diversos modos de estacionamento das tropas em campanha”.
Os exercícios militares sempre fizeram parte do quotidiano destas unidades, intensificando -se em determinados períodos, nomeadamente, treinos intensivos, exercícios de simulação de combates, instrução de tiro, escavação de trincheiras e abrigos, instrução de caserna e manobras militares no campo. Na carreira de tiro, onde os militares faziam os respetivos exercícios regularmente, organizavam-se torneios com a participação de civis.
Também era prática corrente a participação das forças militares nas festividades da Cidade e Distrito – como por exemplo nas procissões mais importantes e em romarias para exercerem funções de policiamento –, na manutenção da ordem pública, na escolta de presos, em atos eleitorais e mesmo, embora com menos frequência, em obras que redundavam em benefício da Cidade. As solicitações desta natureza eram tão numerosas que, por vezes, não conseguiam assegurar as mesmas. Excecionalmente, em casos extremos, deslocavam-se para fora do Distrito, como aconteceu em junho de 1903, quando uma força do regimento de Cavalaria n.º 9 se deslocou para o Porto, em virtude da greve dos tecelões, na qual participaram cerca de 30 000 operários.
Pela sua qualidade, a banda do regimento de Infantaria n.º 10 era alvo de muita procura e cabeça de cartaz de festividades. Bragança era quem mais beneficiava com a sua existência, porque a sua população podia aceder a uma oferta cultural única, já que o repertório musical era diversificado e de grande qualidade. As suas atuações sucediam-se, normalmente, por um período de duas horas, com um repertório variado – Rosario, passo ordinário; Pout-pourri, de Menotti; Flavia, mazurka; Scana e ária de Baixo, de Foscari; La gracia, de Bolero; Notas de Innocencia, mazurka; Caridade, valsa; Saudades da minha Pátria; El salude, passo ordinário. Estes espetáculos prolongaram-se durante muitos anos, neles participando também a banda do regimento de Infantaria n.º 30.
As referências às atuações desta banda foram constantes na primeira década do século XX. Por exemplo, em 17 julho de 1907, a banda de Infantaria n.º 10 deslocou-se, juntamente com uma força, à Régua, para fazer guarda de honra ao Rei D. Carlos, na sua passagem por Pedras Salgadas. E no mês seguinte, foi atuar a Guimarães.
Em 6 de maio de 1909, a Câmara Municipal solicitou ao ministro da Guerra autorização para que a banda do regimento de Infantaria n.º 10 pudesse tocar nas quintas-feiras e domingos de cada semana na Praça da Sé ou no terraço da casa onde estava instalado o Club de Caçadores, pois a Câmara não possuía verba para a construção ou aquisição de um coreto. Este, veio, porém, a ser construído em 1910, na denominada Praça Almeida Garrett, onde a banda passou a atuar das 18h30 às 21h30, o que obrigou a Câmara Municipal a proceder à sua iluminação, conforme pedia o comando militar. A partir dos inícios de março de 1913, passou a tocar da 17h às 19h, sempre que o tempo o permitisse – entre as 20h e as 22h de finais de maio em diante.
A receção dos novos recrutas, o início da abertura das aulas nos regimentos, os dias das unidades e os juramentos de bandeira começam a ganhar relevo nos periódicos bragançanos a partir de inícios do século XX. A título de exemplo, uma edição de O Nordeste, do ano de 1909, transcreve a alocução de um oficial, a exortar as praças ao amor à Pátria e ao Rei.
Os juramentos de bandeira constituíam também um momento de confraternização entre militares e civis, revestindo sempre uma componente cultural popular, como se pode verificar no programa de abril de 1910.
Em outubro de 1910, decorreram os festejos do centenário da Batalha do Buçaco. Além de uma sessão solene com conferências alusivas ao tema, praticaram-se exercícios de ginástica e esgrima, assim como corridas de cavalos.
A visita do ministro da Guerra, coronel Xavier Barreto, a 8 de abril de 1911, foi cuidadosamente preparada pelas unidades militares de Bragança, que contaram com a colaboração do Município, o qual pagou, pelos foguetes gastos na receção, a verba de 49 760 réis. O jornal A Pátria Nova, na edição de 9 de abril de 1911, publicou várias mensagens dos oficiais da guarnição de Bragança, com os “vivas” à Pátria e à República, a qual – assim referem os sargentos da guarnição de Bragança – “em seis meses de governo ativo e honesto, inteligente e democrático, para felicidade de nós todos, grandes e pequenos, ricos e pobres, conseguiu com a moralidade das suas leis, neste curto espaço de tempo, traçar a órbita evolutiva do nosso povo, que é também a do nosso Exército: vontade, trabalho e inteligência.”
Nas comemorações do quinto aniversário da implantação da República, em 5 de outubro de 1915, a festa foi grandiosa. Os contingentes dos regimentos de Infantaria n.º 10, com a sua banda, n.º 30 e grupo de Metralhadoras formaram, pelas 10 horas da manhã, frente aos Paços do Concelho, seguindo-se uma festa militar, com exercícios, na esplanada do Forte de São João de Deus. À noite, no Teatro Camões, tocou a banda do regimento de Infantaria n.º 10, que interpretou A Portuguesa e a ópera A Serrana.
Durante o Estado Novo, enquanto permaneceram em Bragança, os militares continuaram a participar na vida da Cidade – atos solenes, dias festivos, exibições musicais por parte das bandas, combate a incêndios florestais, etc.
Após a Revolução de 25 de abril de 1974, as forças militares de Bragança participaram em várias operações de manutenção da ordem pública, sobretudo no “Verão Quente” de 1975.
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
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