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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Uma decisão impulsiva

 A senhora Rita das Arcadas de Baixo, uma viúva para os seus quarenta e tal anos, sem filhos, e que vivia sozinha, andava sempre irritada. E agora muito mais, porque, ainda há uma semana, na feira dos 30, comprou uma burrita para a ajudar nos trabalhos do campo; e melhor fora que não a tivesse comprado! Sempre evitava as estrondosas gargalhadas que, por causa da compra, ainda ecoam por toda a aldeia!

De facto, a senhora Rita (que sempre se considerou muito esperta), quando decidiu ir à feira, já levava na mira o que queria. Deu apenas uma olhadela ao animal que, de entre dois ou três da mesma espécie, só ele lhe pareceu o mais ativo: ora espinoteava, ora se espojava, ora dava pequenos encontrões de carícia, tanto a ela como ao vendedor…e até, arreganhando os dentes, de rabo ao alto, se pôs a zurrar com aquele toque de trombeta tão incisivo e convincente, que meia feira ficou muda e quieta para ouvir tanta afinação! Caramba! Ali estava o bicho que lhe fazia falta! E então, a senhora Rita, como que adivinhando os comentários dos vizinhos, quando se apresentasse lá na terra, com um animal daqueles, sorria interiormente. E porque o sorriso não pôde conter-se no interior, vivamente lhe aflorou aos lábios, de tal modo que o compadre João, mesmo ali ao lado, de boca aberta e reparando nela, como que lhe adivinhou a felicidade que a tomava. E começou a roer-se de inveja, porque também ele andava à cata dum macho para emparelhar com o que deixara na loja; e não encontrando nada de jeito – demais a mais pelo preço que lhe faziam, (muito para além do que havia destinado a esta compra) – dizia para si, meio resignado e com uma certa inveja: “Porca de vida!”

Verdade seja dita que foi assim mesmo que tudo aconteceu. E mais. Depois da senhora Rita ter passeado o bicho pelo largo da feira, puxando-o brandamente pela rédea, ficou como que encantada. E mais encantada ficou, quando o vendedor lhe confidenciou o preço ao ouvido, (como costumam fazer alguns vendedores que apanham imediatamente ao cliente o ponto psicológico do momento).

Orgulhosamente, tirou um maço de notas embrulhado num lenço, após o que, olhando de volta para que todos a vissem, começou a contar devagar, molhando com saliva, o indicador e o polegar da mão direita, enquanto segurava as notas com a esquerda. Depois de entregar o dinheiro ao vendedor (que, como por encanto, imediatamente desapareceu), comprou ainda uma albarda; e, depois de merendar na taberna do tio Anastácio, meteu-se a caminho para casa – toda repimpada a cavalo na burra.

O caminho era longo – longo e escalavrado. Depois de meia hora a andar, a burra começou a escorregar nas pedras, a resvalar nos regatos abertos pela chuva, a abrandar o andamento…até que parou, sacudindo as orelhas. A senhora Rita, perplexa, desceu, olhou atentamente, e por pouco não desmaiou! A burra não estava ferrada! Sentando-se numa pedra, ali ficou a chorar e a praguejar, dizendo mal da vida, sem dar conta de que, entretanto, começara a chover torrencialmente. E então, levando as mãos à cabeça, verificou que escorria do animal uma tinta acastanhada, ficando-se a ver alguma pelagem descolorida. Desolada e soluçando, acabou por percorrer o caminho a pé até à aldeia, onde entrou completamente molhada, com a albarda às costas e a burra desferrada e às cores. É claro que se adivinha quanto ali se passou!

Agora, então, ninguém a atura! E o compadre, que na feira se resignava à sua pouca sorte, até deita as mãos à barriga, de tanto rir!

A verdade é esta: amor à primeira vista normalmente murcha cedo.

Tires, 09 de maio de 2021.
Manuel António Gouveia

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