De facto, a senhora Rita (que sempre se considerou muito esperta), quando decidiu ir à feira, já levava na mira o que queria. Deu apenas uma olhadela ao animal que, de entre dois ou três da mesma espécie, só ele lhe pareceu o mais ativo: ora espinoteava, ora se espojava, ora dava pequenos encontrões de carícia, tanto a ela como ao vendedor…e até, arreganhando os dentes, de rabo ao alto, se pôs a zurrar com aquele toque de trombeta tão incisivo e convincente, que meia feira ficou muda e quieta para ouvir tanta afinação! Caramba! Ali estava o bicho que lhe fazia falta! E então, a senhora Rita, como que adivinhando os comentários dos vizinhos, quando se apresentasse lá na terra, com um animal daqueles, sorria interiormente. E porque o sorriso não pôde conter-se no interior, vivamente lhe aflorou aos lábios, de tal modo que o compadre João, mesmo ali ao lado, de boca aberta e reparando nela, como que lhe adivinhou a felicidade que a tomava. E começou a roer-se de inveja, porque também ele andava à cata dum macho para emparelhar com o que deixara na loja; e não encontrando nada de jeito – demais a mais pelo preço que lhe faziam, (muito para além do que havia destinado a esta compra) – dizia para si, meio resignado e com uma certa inveja: “Porca de vida!”
Verdade seja dita que foi assim mesmo que tudo aconteceu. E mais. Depois da senhora Rita ter passeado o bicho pelo largo da feira, puxando-o brandamente pela rédea, ficou como que encantada. E mais encantada ficou, quando o vendedor lhe confidenciou o preço ao ouvido, (como costumam fazer alguns vendedores que apanham imediatamente ao cliente o ponto psicológico do momento).
Orgulhosamente, tirou um maço de notas embrulhado num lenço, após o que, olhando de volta para que todos a vissem, começou a contar devagar, molhando com saliva, o indicador e o polegar da mão direita, enquanto segurava as notas com a esquerda. Depois de entregar o dinheiro ao vendedor (que, como por encanto, imediatamente desapareceu), comprou ainda uma albarda; e, depois de merendar na taberna do tio Anastácio, meteu-se a caminho para casa – toda repimpada a cavalo na burra.
O caminho era longo – longo e escalavrado. Depois de meia hora a andar, a burra começou a escorregar nas pedras, a resvalar nos regatos abertos pela chuva, a abrandar o andamento…até que parou, sacudindo as orelhas. A senhora Rita, perplexa, desceu, olhou atentamente, e por pouco não desmaiou! A burra não estava ferrada! Sentando-se numa pedra, ali ficou a chorar e a praguejar, dizendo mal da vida, sem dar conta de que, entretanto, começara a chover torrencialmente. E então, levando as mãos à cabeça, verificou que escorria do animal uma tinta acastanhada, ficando-se a ver alguma pelagem descolorida. Desolada e soluçando, acabou por percorrer o caminho a pé até à aldeia, onde entrou completamente molhada, com a albarda às costas e a burra desferrada e às cores. É claro que se adivinha quanto ali se passou!
Agora, então, ninguém a atura! E o compadre, que na feira se resignava à sua pouca sorte, até deita as mãos à barriga, de tanto rir!
A verdade é esta: amor à primeira vista normalmente murcha cedo.
Sem comentários:
Enviar um comentário