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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Até Breve

Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Estamos na véspera de mais uma data cheia de memórias e significado para todos os
bragançanos que sempre viveram numa grande cumplicidade com os seus estudantes e a velha Academia: o 1º de Dezembro. Nesta noite, para além de se cumprir a tradição da visita fortuita a algum galinheiro descuidado, os estudantes levavam à cena, no velho Teatro Camões, grandiosas representações cénicas, muitas vezes patrióticas. O professor responsável pelos ensaios, durante o longo 1º período, foi durante muitos anos o Dr. Fernando Subtil. Em sua memória e preito de homenagem publico aqui o texto que escrevi quando Fernando Subtil deixou de estar entre nós e se fez saudade.
As pessoas cumprem o seu tempo cumprindo-se. E foi isso o que aconteceu com o Dr. Fernando Subtil cumpriu-se, no seu desejo de intervir na sociedade do seu tempo, de se rever na mudança do quotidiano da sua cidade que tanto amou, com um amor, paradoxalmente, de encanto e desencanto, pelo facto do devir histórico não se identificar com o seu imaginário de criador de factos, de cidades ideais, de metas próximas ou longínquas.
Fernando Subtil, dizia-me muitas vezes: - O nome nos une, bem como o gosto pela escrita.
E acrescentava: - Vós, mais dois, ou três e eu, fazíamos o melhor jornal da região.
Este Jornal nunca aconteceu e em escritos vários e jornais diversos gastámo-nos em polémicas infindas, concordamos, discordamos, fizemos política na divergência, vivemos lado a lado numa apreciação discreta e tantas vezes manifestada numa cumplicidade de quem vive perto da palavra escrita.
- Li o vosso artigo e como eu gosto da forma como escreveis, mas tenho que me meter convosco porque não concordo com o conteúdo.
Avisava o Dr. Subtil deixando muitas vezes uma nota de afecto perante o meu desassossego e descontentamento: - Vós bem sabeis quanto vos quero...
Quantas vezes me citou, quantas vezes lhe respondi, quantas vezes me convidou para o tal Jornal, único, interventivo, literário, para o tal Jornal que ficou a ser o melhor do mundo para toda a eternidade porque só existiu na grandeza dos sonhos de Fernando Subtil.
Contudo, este é o texto que não queria escrever, porque quando morre um homem que passou pela vida com a exuberância e a força de Fernando Subtil, um homem que tanto escreveu e tanto disse, um homem que fez a paz e fez a guerra, um homem que marcou a história de Bragança, este homem estará sempre aí perto do nosso desconforto, das nossas omissões, das nossas incapacidades para a denúncia.
Uma das últimas vezes que jantei com o Dr. Subtil foi pelo Inverno, esperou-me pacientemente bebericando o seu copinho, junto à lareira do restaurante Turismo. Mal entrei fulminou-me logo com o seu humor matreiro: - Convidei-vos para aqui para não vos comprometer...
Desculpei-me e achei que aquele jantar iria ser uma monotonia à volta de dois homens que pouco falaram durante a vida, embora fossem tão próximos no mundo estranho da escrita.
Bem pelo contrário, foi um jantar ameno e o Dr. Subtil tornou-se, como por magia, num Fernando afável que brincou o tempo todo com os seus sonhos, com os seus desejos, com a sua doença, dizendo-me que ainda queria escrever um livro sobre o cancro, não o cancro que o havia de matar, mas o cancro da sociedade em que se vive.
Já no final e como quem revela um segredo, disse em tom quase teatral, bem a seu jeito:
- Pedi-vos para jantardes comigo para vos dizer que vou fundar um Jornal, que tem o nome dum rio e quero que sejais meu sócio. O título só o direi depois...
Esse Jornal, o melhor para o Dr. Subtil, só se poderia chamar, disse-me mais tarde: SABOR.
À meia-noite despedimo-nos, num abraço cheio de afecto, como dois velhos sócios e fez questão de pagar o jantar para me obrigar a termos que jantar de novo, retribuir o pagamento e confirmar se aceitava a sociedade.
Jantámos de novo, no mesmo sítio, um jantar já mais doloroso, porque com pena e imensa tristeza eu tive que dizer que por motivos profissionais, tão cedo, não queria entrar em nenhum projecto jornalístico.
Paguei o jantar, despedimo-nos com o mesmo abraço e eu fiquei com a impressão que o Dr. Subtil estava muito triste, pois, o sonho do SABOR diluía-se, tragicamente, na frieza da sombria noite transmontana.
Parece-me que nunca mais falei com o Dr. Subtil, a nossa despedida entristece-me, mas por outro lado deixa-me cheio de orgulho, porque nós dois, tão cúmplices durante a vida, despedimo-nos à beira dum sonho.
Em qualquer parte onde estiver o Dr. Subtil ele estará sentado, escrevendo para toda a eternidade à beira de muitos anjos escritores de sonhos e de projectos, sorrindo com aquele seu sorriso ímpar, cheio de ironia e complacência e um frio enorme perpassa por aqui, porque não sei o que F. Subtil diria, em nota de rodapé, deste meu escrito que não desejo que seja de circunstância.
Até breve Dr. Fernando Subtil é assim que se diz, quando todos sabemos que estamos de partida a caminho dum lugar, algures, onde nos espera o nosso SABOR, escrito em letras radiosas com a tinta mágica da eternidade.

Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança. 
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.

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