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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

As fotos de vovó Raquel

Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)

Os dados utilizados neste texto me foram passados por uma conhecida minha, a quem me reservo o direito de omitir o nome. As personagens são verdadeiras, ainda que seus nomes sejam fictícios. Os eventos aqui relatados são a mais pura verdade.

Ano de 1959. Rua Catumbi, no bairro do Belenzinho em São Paulo. Lá, sempre é festa no casarão denominado “Ponderozza”.
A família Spinnelli mora em Ponderozza! No total são quinze pessoas, entre os familiares do proprietário e as empregadas, as quais tinham o duro dever de fazer com que Ponderozza esteja sempre limpa, decorada e festiva; elas têm que cozinhar para esse grupo enorme de pessoas, lavar, arrumar, passar e administrar a casa; inclusive fazer as compras para que a casa continue funcionando.
A matriarca da família, vovó Raquel, nos seus bons tempos administrava o casarão com mãos de ferro. Ela era rígida quanto à disciplina, à higiene, à moral e à ordem. Não havia uma só empregada que não teve descontado de seu salário a xícara quebrada, o móvel arranhado com a vassoura, a roupa rasgada durante a lavagem ou ao desaparecimento de uma joia ou fruta de cima do armário da cozinha. Vovó Raquel a tudo vigiava; com olhos de lince. Era astuta, decidida, voluntariosa e tirana, além de um pouco malvada.
Dos outros dez familiares, vovó Raquel vigiava os quatro filhos solteirões, que comandavam um a padaria que estava em nome dela; um filho casado, emprestando o suor de seu rosto e toda astúcia possível, aplicando dinheiro no mercado de ações, na compra e venda de bens duráveis, nos aluguéis das cinco casas da vovó, na administração financeira da padaria dos Spinnelli e na atenção à Concheta; a espanhola com quem se casou e que era a vítima preferida da vovó Raquel, nas questiúnculas diárias. Ainda havia as três filhas solteironas: a Hercília, a Constanzza e a Ângela; cuja principal atividade dentro de casa era de exigir obrigações não ortodoxas dos criados e fazer fofocas dos parentes, dos criados, dos vizinhos e etc. Elas não trabalhavam, não estudavam, não ajudavam na faina diária; nada!
Certa feita, a vovó Raquel contratou um pintor de paredes para pintar todo o casarão. O rapaz, de origem gaúcha, descendente de italianos, caiu em graça pelos moradores da casa; especialmente da empregada Gilda (Hermenegilda), uma linda mineira de cabelos escuros e ondulados e corpo exuberante. E, a partir de certo momento, o namoro foi inevitável.
Afinal, o gaúcho trabalhava sozinho e a casa era muito grande. Por isso, a pintura do casarão se estendeu por longos seis meses! O rapaz tinha certo ar senhoril, vestia-se bem, dentro do possível. Usava roupas velhas para trabalhar, mas sempre chegava com roupa bem passada e limpa, era bem articulado e gentil, além de respeitoso. Gilda, que lhe servia o café da manhã, o almoço e a merenda da tarde, foi aos poucos se apaixonando pelo gaúcho. Um gracejo aqui, uma prosa ali, um cochicho acolá; foram se entendendo. Até que a Gilda, quando da conclusão do serviço do gaúcho, anunciou aos patrões (vovó Raquel, filhas e filhos e nora), que iria se casar como gaúcho. Qual não foi o espanto da vovó Raquel e família, quando a Ângela saiu aos soluços da sala onde acabava de ouvir a notícia da boca da Gilda e correu até o quarto, onde se trancou por toda uma tarde uma noite inteira, sem cessar o choro. Obviamente ninguém sabia de que a Ângela também gostava do gaúcho. Vovó Raquel se apercebeu do fato e ficou enfurecida com a empregada Gilda e com a filha Ângela. Ela foi pessoalmente bater à porta do quarto da Gilda e lhe falar umas verdades; não sem antes demitir a Gilda, que toda feliz, abraçou-se ao gaúcho e foram embora de Ponderozza, para sempre.
Quanto à Ângela, com medo da vovó Raquel, resolveu cometer suicídio, tomando todo um vidro de 150 mililitros de GUTALAX, um laxante poderoso.
O fato é que a Ângela foi vítima de forte diarreia, que a deixou hospitalizada por um mês.
Quanto à Gilda, ela enviou um cartão, por ocasião do natal de 1960.
Morava em Bento Gonçalves, lá no Rio Grande do Sul, com a família do gaúcho, numa fazenda com produção de queijos e vinhos.
Já quanto à Ângela, desde o triste episódio passou a ser chamada de GUTA; até pelos criados. E os anos se passaram.
Ano de 1970. Rua Catumbi, no bairro do Belenzinho em São Paulo. Lá, sempre era festa no casarão denominado Ponderozza.
A família Spinnelli continua morando em Ponderozza! No total são oito pessoas, entre os familiares do proprietário e as empregadas, as quais tinham o duro dever de fazer com que Ponderozza esteja sempre limpa, decorada e festiva; elas têm que cozinhar para esse grupo enorme de pessoas, lavar, arrumar, passar e administrar a casa; inclusive fazer as compras para que a casa continue funcionando.
A matriarca da família, vovó Raquel, que nos seus bons tempos administrava o casarão com mãos de ferro, agora depois de dois derrames e um infarto, pouco sabe do quê está acontecendo ao seu redor. Está apoplética, abobalhada. Não há uma só empregada que tenha sido maltratada por ela, que não têm lhe dado o troco. Quando a vovó Raquel está comendo uma fruta com gosto, uma das empregadas retira a fruta de suas mãos e ainda lhe dá broncas por comer demais ou por estar sujando o chão. Uma das funções das empregadas a essa época era colocar a vovó Raquel na cadeira de rodas e deixá-la ao sol, de manhã, retirando-a ao meio-dia. Enquanto isso as empregadas ficam falando com os transeuntes e dando broncas e castigos na vovó Raquel.
Certa feita, uma das empregadas percebeu que a vovó só tinha guardado para si um pouco de vaidade; apesar dos derrames e infarto e suas sequelas. Uma vez, uma empregada a vestiu nos melhores trajes, com joias, colares, brincos e pulseiras, maquiou a vovó, perfumou-a e a levou na cadeira de rodas dizendo-lhe que ia tirar fotos dela. Todas elas perceberam o sorriso no rosto daquela outrora megera.
- Ah, ela gosta de se vestir e tirar foto!!!! Pois então vamos lá; dizia uma delas.
E a vovó fazia poses em sorriso infantil, enquanto a serviçal disparava flashes sobre flashes; naturalmente a máquina fotográfica não tinha filme.
É de notar que as filhas que ainda estavam vivas, como a Guta e a Hercília, também faziam essa pequena maldade com a vovó Raquel.
Sempre que uma das filhas estava triste ou ansiosa por algum motivo, vestiam a vovó, a maquiavam e a convidavam para tirar fotos.
E assim passaram os anos. Em 1975 faleceram a Guta e a Hercília e um dos dois solteirões ainda vivos. A vovó Raquel os acompanharia em 1977. Morreu calmamente em plena Rua Catumbi, no Belenzinho, na calçada do casarão Ponderozza, bem vestida e maquiada; certa de que ia posar para mais uma sessão de fotos.
Em 1980 o casarão foi demolido, para que uma linha do Trem Metropolitano passasse pelo Belenzinho. 
- Pena que não haja nenhuma foto da vovó Raquel, para ilustrar este texto.

Criado em 2011

Antônio Carlos Affonso dos Santos
– ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.

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