Foto: Rafael Neto |
A Economia do Esquecimento: rasgando o Estreito de Magalhães”. Que livro é este?
É um livro que reúne algumas ideias que tenho vindo a desenvolver ao longo dos anos, algumas delas publicadas no jornal A Voz de Trás-os-Montes, focando o desequilíbrio das regiões em Portugal. Foca ainda o esquecimento a que votamos os espaços, mas também muitas vezes as pessoas. É um livro em que o título é reflexivo daquilo que contém.
O livro faz uma ligação com a primeira viagem de circum-navegação de Fernão Magalhães, em que passam 500 anos dessa grande epopeia. Por que motivo fez esta ligação com a atualidade?
A figura de Fernão Magalhães, que nós, transmontanos, dizemos tão nossa, procurou, devido às vicissitudes da época, esquecer as suas origens portuguesas. Foi procurar alternativas para patrocinar os seus projetos para alcançar a Índia, que conseguiu através de Espanha. Ele tentou esquecer a sua origem portuguesa, mas a própria tradição portuguesa tentou apresentá-lo como alguém que não era um português de gema. No entanto, hoje percebemos que ele era tão português como os outros, em que tentou dar algo de concreto ao seu sonho, um pouco como fazem os emigrantes portugueses. Apesar de não lhe ter dado as condições que ele pretendia para concretizar o seu sonho, Portugal, na altura, acolheu diversas nacionalidades e patrocinou muitos projetos de capitães e almirantes de outros países. Portanto, quer Portugal, quer Fernão de Magalhães são exemplos do que é a economia do esquecimento. O mesmo se passa com realidades que estão próximas, nomeadamente o nosso interior, onde há escassez de investimento, mas também esquecimento de ruas e cidadãos das nossas cidades, que nós preferimos esquecer. Nós podemos esquecer muitas coisas involuntariamente, mas há realidades que esquecemos porque as consideramos como não prioritárias.
O livro foca as assimetrias que continuam a existir entre o litoral e o interior. É um tema muito atual, mas não acha que já foi tudo dito e escrito e falta passar à ação?
Essa ideia ajuda a que nos esqueçamos do interior. Para quem quer concentrar os investimentos no litoral, é muito mais interessante dizer que já tudo se fez pelo interior, mas isso não é verdade. Muitas vezes, também interessa fazer do interior um lugar de passagem, que é facilmente esquecido. Acontece isso também com o turismo de um dia ou dois, em que não nos interessa só os turistas, interessa que o turista vire investidor. Locais só de turismo são sempre locais temporários, que nós visitamos, tiramos umas fotos, ficamos com uns postais, mas depois vamos embora e não regressamos.
Há esse problema, em que queremos colar que tudo já foi dito, já fizemos tudo por aquele espaço, quando efetivamente está associado a uma agenda que pretende canalizar os fundos para determinados locais, que pretende concentrar os meios de comunicação social em determinados espaços, esquecendo os outros, onde há necessidade de saúde pública. Por exemplo, este ano de pandemia, o interior de Portugal tem uma taxa de mortalidade derivada da Covid-19 que é o dobro da taxa nacional. Será que é por escassez de recursos ou de resposta às necessidades do interior? Ou será que há um esquecimento das pessoas do interior? De qualquer forma está a acontecer e as mortes são o dobro da taxa nacional.
Se não tivesse nascido no interior, acha que conseguiria escrever este livro?
Aquilo que fazemos é um acumulado não só da genética, mas também da experiência. Se tivesse nascido noutro espaço, em outra família não teria escrito este livro como foi escrito. Tanto mais que também falo das razões para nós esquecermos é o nosso preconceito. Nós gostamos de esquecer rapidamente aquelas decisões preconceituosas que fizemos. E muitas vezes temos preconceito do interior. Quando falo com colegas de outras paragens ou com os meus alunos e lhe digo que o interior não é aquele espaço empobrecido, é um local onde há oportunidades de desenvolvimento, eles ficam surpreendidos, porque têm um preconceito associado a um determinado espaço aprioristicamente de derrota, prejuízo, perda, escassez de desenvolvimento e esse tipo de imagem ajuda a que o esqueçamos. Porque nós gostamos de nos lembrar de algo que nos cativou, mas não gostamos de algo que é sujo, empobrecido e, por vezes, o preconceito ajuda a não visitar aquele local sobre o qual não temos uma boa imagem.
No livro prova que as regiões esquecidas não esquecem o país. Afirma que por cada euro concedido como empréstimo da região, a mesma deposita dois euros, sobrando um euro para auxiliar no financiamento das restantes regiões. Como pode ser invertido?
O interior não consegue ser independente por si só. Esse é um indicador de retenção bancária que nos mostra que a região poupa metade do dinheiro que recebe, a outra metade vai gastando. Essa metade que poupa vai ser canalizada para outras regiões mais dinâmicas e mais desenvolvidas, através do sistema bancário, que faz empréstimos. Isso poderia ser revertido se tivéssemos um empreendedorismo regional que nos levasse a pedir empréstimos aos bancos para investir forte na região.
Dentro do interior, há concelhos mais esquecidos do que outros. Há também que olhar para esta realidade de forma mais atenta?
É um problema muito preocupante, porque em média cada município perde um habitante por dia. Um município com 50 mil habitantes está mais dias para perder a totalidade da população. Já um município com quatro ou cinco mil habitantes terá menos dias para ficar extinto. Daqui a 40 anos ou a 50 anos, não seremos 10 milhões, mas talvez oito milhões de pessoas, devido à redução da taxa de natalidade. No entanto, aquilo que se observa é que o interior está a perder população a um ritmo mais elevado do que outros espaços. Há efetivamente uma desigualdade dentro do interior, mas mesmo os espaços que aparentemente não perdem tanta população neste momento, e considerando as previsões, em 2021 receio bem que não haja um único município que tenha ganho população, entre 2011 e 2021. Poderá haver algumas freguesias que possam ter ganho alguma população, agora municípios no interior norte não me parece. Há ainda a agravante de que aqueles que perderam menos, não ficaram mais fortes, o que obriga as elites locais e organizações políticas a ter uma abordagem diferente daquilo que têm, que é a perda de capitalidades. Já todos nós percebemos que não temos um sentimento de capitalidade nos espaços principais do nosso interior como tínhamos há 30 ou 40 anos. Aquele sentimento de uma certa capitalidade, em que as pessoas têm as suas necessidades satisfeitas, atualmente, em 2020, não existe essa capitalidade tão reforçada no interior como já houve. E isso tem implicações não só no ciclo de investimento atual e futuro, mas também na reorganização administrativa.
Portanto, defende a regionalização?
Sim, se for bem feita. E tem o condão de não ter sido experimentada. Sou um defensor da regionalização, que não seja centrada no Porto, mas sim uma regionalização que dê capitalidade às regiões.
Existe um preconceito latente nos políticos, que dizem como é que vou colocar alguém em determinado Ministério que é conotado com uma determinada região, quando essa região só me fornece um ou dois por cento dos votos? Ou como e se vou colocar um determinado investimento nessa região? É notória a desigualdade que existe entre a quantidade de governantes a leste da Estrada Nacional 2. Quando olhamos para o vizinho do lado, Madrid é uma capital do interior, assim como outras cidades espanholas que ficam no interior, que rivalizam com as nossas maiores cidades.
Porque acha que isso acontece em Portugal?
Por três fatores, um deles o preconceito. Somos muito preconceituosos e temos o condão de não ser tão preconceituosos para quem vem de fora. Aliás, a própria região é um exemplo belíssimo de acolhimento do estrangeiro, desde judeus no séc. XVI até aos galegos no séc. XIX, com muitos a virem para o Douro, devido à crise. Nos finais do séc. XVIII, o Douro foi considerada a principal região agrícola do mundo, onde a produtividade era mais alta, era uma espécie de ‘silicon valley’, que atraiu trabalhadores de outros países, que contribuíram para construir os famosos socalcos.
Outro fator é o padrão da educação, na medida em que olhamos para os manuais de português, quando comparamos com os nossos manuais em que havia histórias, fábulas, localizadas em ambiente rural, agora não existem. Por exemplo, o Plano Nacional de Leitura há parcas oportunidades para contactar com descrições que se passem a leste da EN2 para quem vive em Lisboa ou Porto. E nós não podemos amar aquilo que desconhecemos.
O terceiro fator está nas decisões tomadas pelos sucessivos governos, com a concentração das indústrias em determinados espaços, ou a reafectação de fundos comunitários, que acabam por ser repetitivos em favor dos mesmos. Há ainda um certo ciclo vicioso em alocar investimentos em determinados espaços do litoral, com outros indicadores, outro volume de negócios, em detrimento do interior. Tudo isto concorre para o esquecimento do interior.
Quais são os caminhos apontados para o futuro próspero do interior?
O reforço dos meios de comunicação social. Quando há uma comunicação social justa, equitativa, distribuída pelo território, que fala tanto do que acontece num determinado espaço, como acontece noutro. E isso passará por uma vontade política. Quando um espaço fica esquecido, traz prejuízos não só para este espaço, mas para todo o conjunto, como acontece com os fogos florestais, que se vai traduzir em custos para todo o país e não só para as regiões que ficam esquecidas.
E como se combate o preconceito? Com base na presença. Não temos tempo para conhecer o outro e, por isso, acredito naquilo que me dizem do outro. Portanto, temos de contrariar o preconceito, termos políticas, apoiadas por políticos que lutem pela região, que tratem todas as regiões por igual e que sejam honestos nas métricas e indicadores na alocação de investimento, porque muitas vezes não o são.
Outro fator é a educação, em que temos de ter uma política educativa que valorize todo o espaço por igual.
Nas conclusões fala de prémios (Alvão, Marão, Corgo, Larouco, Douro, Pinhão). Que prémios são estes?
Convido todos a refletir sobre esses prémios. É uma forma de dar reconhecimento por aqueles que ficam, lutam e que contribuem para que a região não fique tão esquecida como outros querem que ela fique. Falo de prémios para a imprensa regional, empreendedores, que não devem ser esquecidos, e isso começa em nós, em que, por vezes, damos o reconhecimento aos heróis nacionais e esquecemos os locais.
Se este esquecimento não é benéfico para o país, por que motivo continua a existir?
Esse é um problema típico. Os custos não são percebidos. Alguém que rouba, pensa que vai correr bem, mas quando é apanhado, ele vê que não compensou. Enquanto ninguém nos mostrar que a pedra do esquecimento está a causar mais custos que benefícios, vamos continuar a esquecer-nos.
2021 está aí e tudo indica que não será um ano fácil, devido aos efeitos da pandemia. Como economista, o que prevê para o novo ano?
Esperamos que 2021 possa mostrar algum reajuste da economia. A recuperação económica não deverá ocorrer tão depressa como gostaríamos, porque ainda não está bem definida a ultrapassagem das vagas da pandemia, em que não dá para perceber o que vai acontecer. Tudo vai depender da capacidade dos próprios agentes voltarem a sentir confiança para pôr a economia a andar. Parece-me que vai mais ser uma recuperação em U, no sentido de que caímos e depois vamos demorar cerca de dois ou três anos a recuperar o ritmo de crescimento que tínhamos em 2019.
Há quem fale em W, em que vai haver quebras abruptas e depois recuperações relativamente rápidas em vagas sucessivas.
Acho que 2021 deverá ser um ano em que devemos esperar confiança com responsabilidade. Na nossa região, temos de ser exigentes, é um ano que nos vai trazer exigências, desafios, ciclos eleitorais, é um ano em que a região vai ter de cobrar dos seus políticos para serem melhores.
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