Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)
Festa na fazenda de café. Mais uma colheita terminada. As tulhas e terreirões estão abarrotados. A fartura era tanta que não havia lugar para fazer a barraca da festa da colheita. A única alternativa era um canto do terreirão de secar café, ao lado do chiqueiro de porcos: e ali foi feita a barraca, com armação de bambu e coberta com encerado de lona.
A comemoração corria solta, com comidas e bebidas à vontade. Já completamente embriagado, por consumo exagerado de cachaça, anisete, fernéte, conhaque e chope; o grandalhão Bigato, incentivado pelos outros colonos imigrantes italianos, chega à conclusão de que o sanfoneiro é ruim. Em seguida sobe na mesa, e assume a sanfona “Scandalli” de cento e vinte baixos.
O sanfoneiro “deposto”, ultrajado e desgostoso, sentou-se ao fundo da barraca, onde de tempos e tempos soprava uma leve brisa, que abrandava o calor abrasador do ambiente. À medida que o arrasta-pé se animava, o Bigato mais entusiasmado ficava. Por fim, no auge da excitação, meteu o pé na cadeira, fazendo-a em mil pedaços, pôs-se de pé com a sanfona a tiracolo, com o objetivo de animar ainda mais os pares que volteavam à sua frente, em meio às nuvens de poeira, sob a barraca de lona. O rosto do Bigato era felicidade pura. O suor brotava da sua têmpora e escorria por sobre a face, fazendo do queixo pontiagudo e do pomo-de-adão, verdadeiras cachoeiras enlameadas devido à poeira que subia; fruto daqueles pés dançarinos que faziam a marcação do ritmo e cadenciavam aquela situação de gozo. O Bigato então, sanfona à tiracolo, começa a dançar.
E dançou sobre a mesa! Primeiro, dando um passo à direita e outro à esquerda. Os pares que bailavam, cada vez que passavam defronte à mesa do Bigato sorriam-lhe, como que aprovando tanto o virtuosismo do sanfoneiro, quanto seu ânimo. O Bigato então, não se contentou mais em dar passos laterais, passando a dar também passos para frente e para trás. Então, num dado momento ultrapassou os limites da mesa. A velha e puída lona não suportou os cento e vinte quilos do sanfoneiro mais a sanfona de cento e vinte baixos e, num estrondo, foram derrubados todos os suportes de bambus da barraca, a mesa, a lona, o pandeirista e o sanfoneiro, sendo que os últimos caíram bem no meio do chiqueiro, ficando totalmente cobertos de lama e fezes dos suínos.
Os moradores do chiqueiro acolheram bem aqueles hóspedes intempestivos, no entanto o tumulto foi grande, mesmo porque os lampiões e lamparinas à querosene que iluminavam a barraca da festa foram derrubados de seus lugares, provocando um pequeno incêndio. Ninguém se machucou de verdade, felizmente e apesar do susto. Mas, quanto ao Bigato, ele teve que ficar dentro de uma tina com água quente durante cinco horas, para curar a ressaca e para tirar o mau–cheiro, tendo que se esfregar com cânfora e sabão de soda, para livrar--se da catinga. A partir deste dia o Bigato ganhou mais um apelido: - lá no eito, ele passou a ser o “gambá-leitão”.
Referência:
- Esta crônica/causo foi premiada com o primeiro lugar no concurso Mapa Cultural Paulista de 2001-Fase Local, em Taboão da Serra – SP- Brasil
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.
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