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A expressão conflitos, amplamente utilizada na correspondência oficial, pode reportar-se a duas naturezas distintas de classificação dos mesmos: confrontos recorrentes, mais graves, que têm a ver com a disputa de terrenos e direitos que as povoações de um e de outro lado da fronteira reivindicam e que, não raras vezes, levam à intervenção das autoridades espanholas ou portuguesas; e perturbações ocasionais, mais ligeiras, que acontecem em feiras e romarias, ou que traduzem apenas discórdias familiares ou pessoais, sem a importância, portanto, dos primeiros.
Preventivamente, atendendo à frequência de tais discórdias ou conflitos, as autoridades dispunham do levantamento das freguesias do Concelho de Bragança que se encontravam a menos de cinco léguas de distância de qualquer ponto do reino vizinho, dando ordens claras quanto à obrigação do administrador concelhio e regedores das freguesias comunicarem todos os acontecimentos que pudessem pôr em causa a segurança das zonas adjacentes à raia espanhola.
Eram também enviados funcionários do Governo Civil de Bragança às povoações portuguesas em litígio para conhecer diretamente os factos e solicitar, quando pertinente, o emprego da força militar, o mesmo acontecendo com os comissários espanhóis sempre que necessário. Indicava-se ainda que “deveriam ser criados meios de evitar as repetições destes atos que comprometiam a segurança pública e a atividade dos povos, restabelecendo entre eles o trato e comércio de que, pela proximidade em que se encontram, devem manter e cuidar, dando provas de povos civilizados, politicamente homogéneos e de sincera amizade. Deverão ajustar-se posturas municipais sobre pastagens de gados em cada povoação fora dos limites das mesmas e as autoridades deverão impor a mais estrita responsabilidade aos cidadãos e elas mesmo [de] cumprirem, religiosamente, as leis vigentes dos dois países e as mais conciliatórias formas de as executar”.
Outras vezes, as contendas da fronteira implicavam apelos às autoridades espanholas para pôr termo a este tipo de atos, verdadeiros atentados cometidos, essencialmente, pelos carabineiros espanhóis contra súbditos portugueses, solicitando-se que antes de enviar reforço militar se “ponderasse a necessidade de tomar medidas repressivas excessivas, começando por fazer remover a ação dos carabineiros de certos sítios e que se pusessem os súbditos portugueses a salvo daqueles roubos e violências dos carabineiros e que lhe garantissem a segurança para poderem cultivar seus campos dentro do seu país”.
Outras medidas passavam por reuniões diretas entre as autoridades da fronteira sobre as ocorrências pendentes e a abertura de uma linha de correio especial até à resolução das mesmas, entre o Governo Civil de Bragança e o governo político de Zamora.
As autoridades portuguesas da fronteira preocupavam-se, acima de tudo, com os carabineiros espanhóis ou agentes alfandegários que entravam no território nacional, fazendo detenções de pessoas e bens. O Governador Civil de Bragança escreveu, em 1858, quanto aos conflitos entre espanhóis e portugueses, “que as represálias que repetidas vezes se dão entre os povos raianos dos dois países, além de poderem trazer consequências muito desagradáveis, colocam a autoridade numa posição equívoca e tanto mais dificultosa pelo melindre com que é necessário proceder nestas circunstâncias, em ordem a não concorrer para alterar as relações amigáveis internacionais, nem consentir que os povos pertencentes a este Distrito sejam vexados pelos seus vizinhos de Espanha”.
Nesta linha de atuação, o Governador Civil reiterava, em 1861, ao Administrador do Concelho de Bragança que a pastagem de gados, pelas mais diversas razões, originava desavenças e represálias entre os povos raianos, de um lado e do outro da fronteira. Nesse sentido, proibia que entrassem os “habitantes das povoações próximas a Espanha que apreendam ou expulsem os gados e seus guardas que para pastagem se introduziam sem licença ou guia neste país, limitando-se a dar parte desse facto à autoridade local”, mas proibindo igualmente que os portugueses entrassem em Espanha com os seus gados para o mesmo fim. Ordenava ainda “aos mencionados habitantes das povoações fronteiras que, quando por descuido ou casualidade ou por ignorância dos limites da raia, os ultrapassem, deveriam cumprir sem resistência ou agressão as advertências que as autoridades de Espanha lhes fizessem para se retirarem, sob pena de serem punidos os infratores neste preceito, como desobedientes aos mandados superiores; desejando-se desta forma acabar com tão violento estado de coisas e querendo que não mais se repitam pela parte dos portugueses apreensões em termos inconvenientes”.
Amizades, romarias e até laços de sangue, não impediam as manifestações mais belicosas aquando da apreensão de bens, especialmente do gado, e na contestação dos direitos de posse de terrenos (disputa por pastores e camponeses do aproveitamento e controlo de recursos escassos como água, pastos, bosques, terras de cultura ou zonas de uso comum) com os espanhóis que exerciam atividades agropecuárias similares e tinham o mesmo tipo de necessidades perante esses espaços.
Todos invocavam a tradição, os documentos de registo nos tombos camarários, antigas dissidências, para fundamentar a posse dos mesmos, o que provocava discórdias que nem sempre eram crime, mas constituíam delitos e desencadeavam desordens na fronteira com habitantes ou grupos ligados à agricultura e criação de gado. Assim se desencadeavam iniciativas autónomas para defesa dos interesses pessoais ou da comunidade, mas que podiam mobilizar toda a população de uma localidade, em confrontos ou querelas constantes com os espanhóis, perante a experiência e argúcia dos guardas alfandegários e de outros decorrentes das insuficiências das leis. Contactos estreitos, traduzidos em relacionamentos familiares, trocas comerciais, participações em feiras e festas eram frequentemente motivadores de contendas mas, muitas vezes, o poder central ou regional, de forma a afirmar a fronteira, gerava obstáculos e proibições; outras vezes, eram os populares raianos que originavam manifestações de desagrado entre si.
A questão fundamental desta temática centrou-se no facto de se considerar determinante resolver a delimitação da linha da fronteira e os territórios pertencentes a ambos os países, o poder sobre a posse da terra nas povoações locais, a fim de se apurar a sua titularidade, para eliminar a principal causa de conflitos entre as povoações raianas; distinguir o ato premeditado de descaminho e contrabando, da simples falta de atenção do pastor na vigilância de seus rebanhos, ou do habitante no exercício das suas atividades agrícolas e na circulação por caminhos, terrenos, pontes e rios.
Nem sempre a documentação estava de imediato disponível e os marcos nem sempre eram claros a demarcar locais em disputa, em caminhos de uso comum para trânsito de gado, acesso a terras de cultura e fontes de água. Apesar do seu porte, a sua sinalização ficava esbatida e comprometida com o passar do tempo e com a ação de usurpadores.
Em suma, os conflitos e desinteligências que se detetam na zona fronteiriça de Bragança com Espanha devem-se fundamentalmente a dois factos: apreensões de gados pelas autoridades alfandegárias, realizadas de forma abusiva e em espaços de uso comum, fruto do zelo excessivo dos carabineiros espanhóis ou dos guardas alfandegários portugueses; e a apropriação ou utilização de terrenos de posse duvidosa entre portugueses e espanhóis, que leva uma parte ou outra a impedir o trânsito de homens e animais, o acesso a águas de regadio e a apreensão de bens e utensílios agrícolas, como atos de represálias. Quanto a este último aspeto, o Tratado de Limites da Fronteira Hispano-Lusa, de 1864, veio a contribuir determinantemente para a resolução definitiva deste tipo de disputas.
A gestão, preventiva e punitiva, destes conflitos passava logicamente pela cooperação contínua dos responsáveis políticos de Bragança e de Zamora, tendo havido até, em março de 1852, na sequência da visita do Governador Civil de Bragança e do vice-cônsul espanhol desta Cidade a Zamora, uma tentativa frustrada de se obter por parte dos governos de ambos os países “a concessão de uma feira de gados numa das povoações da raia, de que tirariam grande proveito ambos os povos limítrofes”.
Muitos destes confrontos acabavam por dar origem a processos fundamentados em autos de investigação, com o inevitável rol de testemunhas, procurando-se punir os infratores com “imparcialidade, retidão e justiça, para o bem das duas nações amigas”. Manter a integridade da segurança das populações da linha de fronteira, “de forma a não se oferecerem às autoridades do reino vizinho matéria que fundamentasse queixas” constituía uma orientação permanente, embora, nem sempre possível de realizar em pleno, dada a indefinição de muitas situações, as contradições das testemunhas e a defesa que as autoridades exerciam dos seus concidadãos.
O Governador Civil de Bragança, em 1852, afirmava mesmo “que nas povoações aquém e além da raia havia muitos indivíduos ligados por vínculos de sangue e que possuíam bens que lhes legaram, tanto de um como de outro lado da raia e até continuavam a agricultá-los com seus gados e nos mesmos colhendo os frutos de seus trabalhos. Esta circunstância, na falta de qualquer outro argumento, seria suficiente mostra da necessidade que há de circularem as pessoas, de reprimir os inconvenientes dos conflitos e prevenir outros de igual natureza”.
A comunicação com as autoridades espanholas a propósito destas questões era constante, no sentido de evitar situações extremas e permitir que as medidas interventivas fossem recíprocas e simultâneas. Em especial, as autoridades administrativas e judiciais de Puebla de Sanabria e Alcanizes eram chamadas várias vezes para a resolução das contendas, e muitas vezes os bons ofícios eram fundamentais na decisão final de processos que se arrastavam no tempo sobre bens (gados), que eram devolvidos aos legítimos proprietários, sempre que se provava a boa-fé dos prevaricadores e o estado de indigência em que ficariam caso perdessem os animais.
A ação militar podia ser solicitada, em casos extremos e com instruções específicas de atuação, ainda que o Governo Civil de Bragança fizesse dela um uso prudente, em ordem a evitar confrontos e a animosidade das populações. A intervenção militar era pois uma medida utilizada sempre com as devidas reservas, mas necessária para marcar a presença da autoridade e garantir a ordem enquanto se aguardavam as decisões dos processos judiciais em curso, atenuar as tensões populares, mas também proteger os direitos dos portugueses sempre que lesados nos seus bens.
As instruções passavam por não se empregar a força militar “senão depois de esgotadas todas as tentativas dissuasórias, nunca tomando a parte ofensiva, nem por caso algum ultrapassando o termo inquestionado do território português, limitando-se simplesmente a repelir qualquer nova agressão que porventura houvesse ou surgisse dos povos portugueses ou espanhóis”.
A demarcação da linha de fronteira era, no entender das autoridades bragançanas, a forma mais prioritária e eficaz de evitar os conflitos relativos ao direito de posse dos terrenos e às tomadias do gado. Como dizia o Governador Civil de Bragança em 1858, a inexistência de “uma exata demarcação da fronteira, bem fixada entre os dois países vizinhos, induzia os povos a fazerem justiça por suas mãos”. E mais tarde, em 1861, o mesmo magistrado reiterava que “mais do que uma vez aparece a questão dos limites, repetidas e imensas vezes, em diferentes pontos, com aspeto mais ou menos grave, questão que não posso resolver nem impedir, apesar das sucessivas ordens que transmito a semelhante respeito a meus subordinados e que eles põem em prática, sem todavia poder dissuadir os povos de que certas porções de terreno lhes pertencem. As desordens só acabam quando os Governos lhes ponham termo, mandando proceder à definitiva limitação dos dois reinos”.
A necessidade de se estabelecer com rigor o tratado dos limites da fronteira era sentida pelas próprias populações, que por vezes tomaram a iniciativa de “endireitarem a raia”, como aconteceu em 1828 quanto à demarcação do termo de Guadramil (nela participaram os alcaides das povoações espanholas de Rio de Maçãs, Santa Cruz, Roboredo, e Rio de Onor de Cima, e os juízes e “homens do acórdão” das povoações portuguesas de Rio de Onor de Baixo, Varge, Deilão, Petisqueira e Guadramil), e em Zeive, no ano de 1861, face à povoação espanhola de Hermisende. Estas iniciativas de ajustar a raia, para além de funcionarem à revelia da lei e das autoridades locais, criavam ainda mais distúrbios entre as populações, fazendo participantes neste processo entidades não habilitadas para tal, como foi o caso do Ayuntamiento de Hermisende que, em 1861, oficiou ao cabo de polícia de Vilarinho de Cova de Lua, convidando-o a comparecer no local em causa para ajustar a medição da raia na zona do Zeive. Aquele cabo de polícia, cujas atribuições eram muito limitadas, não acedeu ao aludido convite, compreendendo que a demarcação de raias entre os dois países estava já confiada a uma comissão composta por peritos das duas nações.
Foram muitos os conflitos que ocorreram no século XIX, sobretudo antes do Tratado dos Limites de 1864, entre as povoações fronteiriças do Município de Bragança e as povoações espanholas com as quais confrontavam, como se pode ver através da correspondência do Governo Civil de Bragança. Na impossibilidade de os identificarmos exaustivamente, referimos, a título de exemplo, os mais significativos.
Os conflitos da povoação portuguesa de Quintanilha com a povoação espanhola de Nuez foram permanentes, devido a apreensões de animais e corte das águas para regadio, e furto ou apreensão de madeiras, de tal modo que os moradores de um ou outro lado atravessavam a raia armados, disparando sobre quem julgavam ser responsáveis de tais factos, obrigando a uma intervenção permanente das autoridades portuguesas e espanholas, nomeadamente o Governo Civil de Bragança e o chefe político de Zamora.
Em 1852, os guardas da alfândega de Bragança apreenderam em território espanhol gado pertencente a portugueses. Nesse mesmo ano houve conflitos em Montesinho, e a maior parte dos habitantes de Zeive perseguiram carabineiros espanhóis que lhes tinham apreendido gados. E ainda nesse ano, o porteiro e guarda da alfândega de Bragança efetuaram em território espanhol “uma tomadia de 211 cabeças de gado, 203 das quais foram logo arrematadas, sem que se saiba o destino que tiveram as oito restantes”, procedimento irregular este que foi autorizado pelo chefe da mesma alfândega, o que levou o Governo a reprovar severamente “a conduta leviana e repreensível daqueles empregados fiscais, cujo insólito procedimento assim contribuiu para estabelecer uma desinteligência entre os habitantes do meu reino e os do reino vizinho”, demitindo o visconde de Ervedosa do lugar de subdiretor da alfândega de Bragança, para que tinha sido nomeado por decreto de 11 de novembro de 1851.
Em 1852, registam-se “excessos” praticados por alguns moradores de Quintanilha contra os carabineiros espanhóis, uma vez que os povos deste lugar levavam “os seus gados e crias para os pastos de que eles dizem estar de posse imemorial, na margem esquerda do Rio Maçãs, ou para o serviço das terras que são senhores na mesma margem” – entendendo os carabineiros espanhóis que se tratava de contrabando, enquanto os moradores de Quintanilha consideravam “o gozo de um direito, segundo eles antiquíssimo” de cultivarem e utilizarem as suas terras. Atos semelhantes ocorreram no ano de 1858, em Trabazos, povoação espanhola raiana, perto de Alcanizes, também devido à apreensão de cabeças de gado.
O povo da Petisqueira assistiu várias vezes a motins que tiveram origem na detenção de cabeças de gado vacum a moradores seus pelo corpo de carabineiros espanhol, os quais, perseguidos pela população, abriram fogo de que resultou, em 1860, um ferido português. Nesse mesmo ano, o Administrador do Concelho de Bragança informava que na aldeia de Portelo era frequente o roubo de cabras por carabineiros, que entravam – segundo os moradores – em território português, levando tais animais para Espanha.
Lastimava o Governador Civil de Bragança, em dezembro de 1860, “que os povos raianos portugueses, entre as fadigas e lides do seu viver tão pouco merecedor de inveja, lutando com a escassez de meios e com privações de toda a espécie”, tivessem ainda de reagir “contra uma espécie de pirataria e de ficarem muitas vezes, por estes assaltos, reduzidos ao último grau de miséria”.
Em 1867, várias cavalgaduras, pertencentes a portugueses moradores nos arredores da Cidade de Bragança, ficaram apreendidas pelos fiscais espanhóis, tendo dado lugar à detenção dos seus donos, num tipo de irregularidades que configuram o “descuido ou contrabando de que eram objeto os gados”. Idêntico facto acontecera em Lagomar, lugar da povoação de Guadramil, em 1848.
Conflitos ainda existiam entre as localidades portuguesa de Aveleda e espanhola de Santa Cruz (assim como entre as aldeias de Pinheiro Velho e Chargoaçoso, no Concelho de Vinhais), a propósito de terrenos de logradouro comum e da indefinição de limites de terras, cada uma delas pretendendo para si a posse dos mesmos.
Os pastores das povoações de Gostei, Nogueira e outras localidades contíguas à Cidade de Bragança recusavam-se a aceitar a permanência em terrenos seus do gado comprado por espanhóis, levando a que o Governador Civil, por várias vezes (1840, 1861, 1868), interviesse no sentido de as juntas de paróquia de tais povoações demarcarem “terrenos incultos e pastos que não deteriorem a agricultura, para os referidos gados pastarem, sem que os pastores ponham algum embaraço, até que os compradores reúnam todo o gado que houver de ser exportado”, sob pena de os conflitos entre portugueses e espanhóis se agravarem.
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
Foram muitos os conflitos que ocorreram no século XIX, sobretudo antes do Tratado dos Limites de 1864, entre as povoações fronteiriças do Município de Bragança e as povoações espanholas com as quais confrontavam, como se pode ver através da correspondência do Governo Civil de Bragança. Na impossibilidade de os identificarmos exaustivamente, referimos, a título de exemplo, os mais significativos.
Os conflitos da povoação portuguesa de Quintanilha com a povoação espanhola de Nuez foram permanentes, devido a apreensões de animais e corte das águas para regadio, e furto ou apreensão de madeiras, de tal modo que os moradores de um ou outro lado atravessavam a raia armados, disparando sobre quem julgavam ser responsáveis de tais factos, obrigando a uma intervenção permanente das autoridades portuguesas e espanholas, nomeadamente o Governo Civil de Bragança e o chefe político de Zamora.
Em 1852, os guardas da alfândega de Bragança apreenderam em território espanhol gado pertencente a portugueses. Nesse mesmo ano houve conflitos em Montesinho, e a maior parte dos habitantes de Zeive perseguiram carabineiros espanhóis que lhes tinham apreendido gados. E ainda nesse ano, o porteiro e guarda da alfândega de Bragança efetuaram em território espanhol “uma tomadia de 211 cabeças de gado, 203 das quais foram logo arrematadas, sem que se saiba o destino que tiveram as oito restantes”, procedimento irregular este que foi autorizado pelo chefe da mesma alfândega, o que levou o Governo a reprovar severamente “a conduta leviana e repreensível daqueles empregados fiscais, cujo insólito procedimento assim contribuiu para estabelecer uma desinteligência entre os habitantes do meu reino e os do reino vizinho”, demitindo o visconde de Ervedosa do lugar de subdiretor da alfândega de Bragança, para que tinha sido nomeado por decreto de 11 de novembro de 1851.
Em 1852, registam-se “excessos” praticados por alguns moradores de Quintanilha contra os carabineiros espanhóis, uma vez que os povos deste lugar levavam “os seus gados e crias para os pastos de que eles dizem estar de posse imemorial, na margem esquerda do Rio Maçãs, ou para o serviço das terras que são senhores na mesma margem” – entendendo os carabineiros espanhóis que se tratava de contrabando, enquanto os moradores de Quintanilha consideravam “o gozo de um direito, segundo eles antiquíssimo” de cultivarem e utilizarem as suas terras. Atos semelhantes ocorreram no ano de 1858, em Trabazos, povoação espanhola raiana, perto de Alcanizes, também devido à apreensão de cabeças de gado.
O povo da Petisqueira assistiu várias vezes a motins que tiveram origem na detenção de cabeças de gado vacum a moradores seus pelo corpo de carabineiros espanhol, os quais, perseguidos pela população, abriram fogo de que resultou, em 1860, um ferido português. Nesse mesmo ano, o Administrador do Concelho de Bragança informava que na aldeia de Portelo era frequente o roubo de cabras por carabineiros, que entravam – segundo os moradores – em território português, levando tais animais para Espanha.
Lastimava o Governador Civil de Bragança, em dezembro de 1860, “que os povos raianos portugueses, entre as fadigas e lides do seu viver tão pouco merecedor de inveja, lutando com a escassez de meios e com privações de toda a espécie”, tivessem ainda de reagir “contra uma espécie de pirataria e de ficarem muitas vezes, por estes assaltos, reduzidos ao último grau de miséria”.
Em 1867, várias cavalgaduras, pertencentes a portugueses moradores nos arredores da Cidade de Bragança, ficaram apreendidas pelos fiscais espanhóis, tendo dado lugar à detenção dos seus donos, num tipo de irregularidades que configuram o “descuido ou contrabando de que eram objeto os gados”. Idêntico facto acontecera em Lagomar, lugar da povoação de Guadramil, em 1848.
Conflitos ainda existiam entre as localidades portuguesa de Aveleda e espanhola de Santa Cruz (assim como entre as aldeias de Pinheiro Velho e Chargoaçoso, no Concelho de Vinhais), a propósito de terrenos de logradouro comum e da indefinição de limites de terras, cada uma delas pretendendo para si a posse dos mesmos.
Os pastores das povoações de Gostei, Nogueira e outras localidades contíguas à Cidade de Bragança recusavam-se a aceitar a permanência em terrenos seus do gado comprado por espanhóis, levando a que o Governador Civil, por várias vezes (1840, 1861, 1868), interviesse no sentido de as juntas de paróquia de tais povoações demarcarem “terrenos incultos e pastos que não deteriorem a agricultura, para os referidos gados pastarem, sem que os pastores ponham algum embaraço, até que os compradores reúnam todo o gado que houver de ser exportado”, sob pena de os conflitos entre portugueses e espanhóis se agravarem.
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
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