Os meus Amig@s FB perdoarão que hoje, para variar, publique um texto azedo.
Em 1994, publiquei no Repórter do Marão uma crónica intitulada “Teatro é luxo da beira-mar?”, que hoje ganha sinistra actualidade. Solidarizando-me com a Filandorra, e não sem fazer uma declaração de interesses por no projecto da Filandorra estar incluída a representação de uma peça de minha autoria, republico aqui a dita crónica, confiando que quem a ler procederá ao necessário ‘mutatis mutandi’. Era assim.
Em 1994, publiquei no Repórter do Marão uma crónica intitulada “Teatro é luxo da beira-mar?”, que hoje ganha sinistra actualidade. Solidarizando-me com a Filandorra, e não sem fazer uma declaração de interesses por no projecto da Filandorra estar incluída a representação de uma peça de minha autoria, republico aqui a dita crónica, confiando que quem a ler procederá ao necessário ‘mutatis mutandi’. Era assim.
Se o departamento competente da Secretaria de Estado da Cultura não arrepiar caminho, o distrito de Vila Real (e cuido que todo o Nordeste) ficará sem teatro subsidiado. Tal como em 1993, 1992, 1991, por aí fora...
E desta vez havia boas esperanças de que isso não viesse a acontecer. Houve concurso em devido tempo, e um grupo de Vila Real, de seu nome Filandorra - Teatro do Nordeste, ao qual é forçoso creditar um bom trabalho no ano passado, apresentou-se como candidato. Entregou um projecto devidamente estruturado, organizado segundo as normas e as condições de preferência, avalizado por autarquias e garantido por alguns nomes que, se a SEC não estivesse cronicamente distraída, devia pelo menos conhecer de ouvir falar.
Vêm agora os resultados confirmar aquilo que já sabíamos: que, para as instâncias do poder, Trás-os-Montes pura e simplesmente não existe. Na verdade, segundo se queixa a Filandorra, nem este grupo nem nenhum outro da região foi contemplado com o apetecido subsídio. Os milhões da SEC limitam-se a Lisboa e Porto, dão talvez um salto tímido a Viana do Castelo ou Setúbal (não vi em pormenor, estou a especular) e por aí se ficam, satisfeitos da vida, a gozar as delícias do litoral. O interior, esse, empobrece um pouco mais. Teatro, pelos vistos, é luxo da beira-mar.
A Filandorra tem boas razões para deixar escapar um palavrão de contrariedade. É todo um projecto honesto que é ignorado, sabe Deus se por nas instâncias de decisão andar alguma má-vontade crónica... Mas, com a Filandorra, toda a região trasmontana tem razões de queixa. Porque a recusa de um subsídio à Filandorra é apenas uma parte de um todo mais inquietante. Não nos basta sermos à partida a região mais deprimida do País, e não sei se da Europa (se calhar apenas ameaçada, neste pouco invejável primeiro lugar, por alguma obscura região da Grécia ou da Irlanda), ainda temos de sofrer estes desaforos da SEC, esta politica de terra queimada. E se fosse só da SEC nem tão mal.
Recentemente, Santana Lopes, o Secretário de Estado da Cultura até tinha dito em público uma coisa interessante, merecedora de aplauso. Tinha dito que a SEC visava incentivar a fixação de companhias de teatro «por todo o território nacional, de forma geograficamente equilibrada».
Estimável declaração de intenções. Só que, ao ver os resultados do concurso, somos forçados a concluir uma de duas coisas: ou que eram palavras para inglês ver ou que, para o Secretário de Estado da Cultura, o território nacional se circunscreve a uma faixa de dez quilómetros de largura a leste do Atlântico.
Como tenho por fora de toda a dúvida que um secretário de estado português tem obrigação de falar para português ouvir, e não para inglês ver, capacito-me que a conclusão a tirar é a segunda. Portugal deve ser essa tal faixa de dez quilómetros. O que se passa para lá dessa faixa não é Portugal: é uma espécie de Sahara com eucaliptos.
Por outro lado, como esse estranho Portugal não confere com o que o meu saudoso professor primário laboriosamente me ensinou de vara em punho, defronte do mapa, eis-me perante novo dilema: qual de nós - ou eu ou o senhor Secretário de Estado - é que tem de rever os seus conhecimentos geográficos? Cedo uma vez mais: devo ser eu, que um secretário de estado raramente tem dúvidas e nunca se engana.
Ou será ao contrário: nunca tem dúvidas e raramente se engana?
A dúvida é pertinente, porque, se raramente se engana, quer dizer que apesar de tudo se pode enganar algumas, embora poucas, vezes, e então pode muito bem calhar que seja eu quem tem razão e Portugal seja afinal um rectângulo um bocadinho maior do que a SEC gostaria que fosse.
Por ironia, a SEC diz que pretende instalar em Vila Real uma delegação. Sim, só pode ser por ironia. Porque uma região que ela se tem encarregado de desertificar culturalmente, como no caso vertente, para que diabo é que precisa de uma delegação da SEC?
Sem comentários:
Enviar um comentário