terça-feira, 21 de abril de 2020

A economia de Bragança da Revolução do 25 de Abril à entrada no Novo Milénio (1974-2000)

Os anos de 1974 e 1975 marcaram indelevelmente a economia mundial, nacional e concelhia. A nível mundial, o primeiro choque petrolífero de 1973 – o preço do petróleo quadruplicou num só ano – provocou uma crise internacional profunda, que levou à interrupção brusca do período dourado de crescimento que decorreu de 1950 a 1973.

Para além disso, a nível nacional, a Revolução de 25 de Abril de 1974 teve um significativo impacto no dia-a-dia dos portugueses. Habituados a uma vida de sacrifícios, com salários baixos, horários de trabalho alargados, sem liberdade de expressão e de imprensa, viram se rapidamente libertos da teia montada e organizada que os coartava e manietava. Daí assistir-se a greves com vista ao aumento de salários e à redução dos horários de trabalho. Luciano Amaral refere que os salários aumentaram próximo de 30% só em 1975. Esta explosão salarial foi ainda mais difícil de acomodar dada a sua associação com uma verdadeira explosão populacional, com a chegada de cerca de 600 000 “retornados” entre 1975 e 1976.
A economia portuguesa, com pouca capacidade de resiliência, sofreu uma dura prova, vendo as taxas de crescimento do PIB per capita, a preços constantes, passar de 0,9% em 1974 para -9% em 1975 e -0,5% em 1976. O investimento e a produtividade sofreram as consequências desta nova conjuntura, o que se traduziu na inviabilidade de muitas empresas, na perda de quotas de mercado externo de muitas outras e, sobretudo, no aumento do desemprego, que passou de uns inexpressivos 1,5% em 1973 para 5% em 1975. Toda esta entropia provocada pela crise internacional e pela Revolução de Abril teve grande repercussão na economia do Concelho de Bragança.
A agricultura entrou em profunda crise de confiança, levando muitos agricultores a cultivar apenas as melhores terras para autoconsumo. Em consequência, o número de explorações afetas às diferentes culturas temporárias, nos vários escalões de área, diminuiu significativamente, conforme se vê nos Gráficos n.º 42-44.

Dissemos já que o absentismo pode ser calculado através da diferença entre o peso específico de cada um dos escalões de área das explorações por conta própria e a totalidade desses mesmos escalões. Chegamos assim ao Gráfico n.º 45. As principais conclusões a retirar do referido Gráfico são:
• um aumento substancial da área de absentismo nas explorações por conta própria no Concelho, de 1968 para 1979, em todos os escalões de área;
• um absentismo mais elevado, em 1979, nas explorações pequenas ou muito pequenas do Concelho, diminuindo à medida que aumentava o escalão de área.

O Gráfico n.º 46 foi elaborado de forma a proporcionar uma melhor visão da problemática da área das explorações no Concelho, após desagregação dos valores totais por classes de área.
Duas conclusões podem ser retiradas de forma imediata:
• 95% das explorações têm áreas que não ultrapassam os 20 hectares;
• estes 95% de explorações apenas representam uma área de 61,6%, o que pressupõe a existência de um bom número de explorações com uma área significativa.
O número de blocos por exploração corresponde, segundo o Recenseamento Agrícola de 1979, ao número de parcelas que no seu conjunto formam uma exploração agrícola, necessariamente afastadas umas das outras.
Bragança apresentava o maior número de blocos por exploração (17,7); a média do Distrito quedava-se pelos 11,9, contra os 6,4 do Continente (Gráfico n.º 47).
É sabido que quanto maior for o número de blocos por exploração, maiores serão os custos de produção, uma vez que haverá lugar a constantes deslocações de homens e máquinas agrícolas de bloco para bloco. Daí a explicação para que os custos de produção no Concelho de Bragança fossem bastante elevados. Aliás, a este respeito, o Mensageiro de Bragança de 22 de julho de 1977 escrevia que “a atenção a dar à agricultura passará, seguramente, por leis que não permitam a divisão excessiva da terra. Haverá que decretar leis que impeçam a divisão permanente, de geração para geração, das terras”.
A cultura da batata, importante para a alimentação da população concelhia, viu diminuir a sua produção de 1973 a 1984. Para além de outros fatores, os problemas técnicos estiveram na origem desta diminuição da produção de batata. A este propósito escreveu Rui Godinho: “Por estranho que pareça, está o nosso Concelho a importar batata de semente e consumo, quando poderíamos antes ser um concelho exportador. … As fracas produções, a irregularidade dos campos e o prejuízo da cultura deve-se principalmente e no caso da cultura de batata, a sementes em mau estado sanitário… Desde as seleções especiais à cultura de batata de semente mais apurada, passando por uma pré-germinação que ainda hoje se não faz, até uma cultura mais extensiva em terrenos de cotas abaixo de 800 metros, com determinadas características, pode com segurança fornecer-se semente para um ano, a preços que permitem aos produtores de batata de consumo renovar todos os anos a semente. É um caminho que é necessário percorrer, para se evitar de uma vez para sempre os problemas da importação de batatas” (Gráfico n.º 48).

Os baixos níveis de produção de batata são elucidativos do destino que lhe era dado: autoconsumo. De resto, alguma produção apodrecia mesmo. Segundo o Mensageiro de Bragança de 31 de julho de 1981, “tendo os lavradores da região quantidades apreciáveis de batata em suas casas, a JNF começou por receber os excedentes a 8$50 o quilo, no passado mês de maio, mas que ainda não pagou. Não tendo sido dado escoamento àquela batata pela JNF, apesar de consultada por comerciantes da região, que até teriam feito propostas da ordem dos 5 a 6 escudos por quilo, garantindo a sua comercialização, com a chegada do tempo quente tornou-se necessário abrir os armazéns e silos ao público e distribuir cerca de 200 vagões de batata, ou seja, 40 mil sacos daquele tubérculo, ainda em boas condições de conservação, ao preço simbólico de $80 o quilo. (É certo que os consumidores pagaram a 1$00, mas também não é menos certo que o saco custa 10$00). As ações postas em prática não obstaram, todavia, que uma boa parte da batata não deixasse de apodrecer, tendo sido necessário enterrá-la”.
Este posicionamento do agricultor bragançano vai-lhe ser nefasto. Como escrevia então Ernesto Rodrigues “considerar que, a partir de agora, vai fabricar só para consumo próprio é um suicídio: como irá vestir, calçar, alimentar hábitos, etc.?”
O Concelho dispunha de boas condições edafoclimáticas para a produção de batata de qualidade, dispondo de uma boa imagem no mercado. Porém, continuava a verificar-se um elevado número de pequenos produtores, o que se traduzia numa atomização da oferta e na consequente diminuição dos preços. Em contrapartida, a produtividade era baixa e os custos de produção elevados, o que dificultava a comercialização deste produto a preços aceitáveis para o produtor.
A este propósito, em 1977, os agricultores do Concelho deram a conhecer que “cem mil toneladas de batata nova, solicitadas pela Suécia, continuam por exportar, o que põe em perigo novas encomendas. A intervenção do Governo não foi satisfatória, já que a recolha foi feita sem a necessária rapidez, obrigando os agricultores a entregar a sua produção aos intermediários por preços irrisórios; a fixação de preços foi muito abaixo do que se possa considerar justo; e os pagamentos efetuaram-se com meses de atraso, o que é incomportável para a maioria dos agricultores do Concelho”.
O centeio continuava a ser a cultura principal da agricultura concelhia. A crise internacional que já abordámos e as convulsões provocadas pela Revolução de Abril contribuíram para uma acentuada diminuição da produção. Como pode ver-se no Gráfico n.º 49, tomando por base 100 o ano de 1973, a produção decresce sucessivamente, com exceção do ano de 1976, o que provoca um aumento dos respetivos preços (Gráfico n.º 49).

O Mensageiro de Bragança, na sua edição de 5 de julho de 1974, publicava um aviso aos lavradores produtores de cereais dizendo que “uma vez que os preços de cereais vão subir e temos a garantia do Governo, dada através do Secretário do Estado da Agricultura, de ser pago o diferencial de preço em relação ao cereal entregue, devem entregar todo o cereal destinado à venda, centeio, trigo, cevada etc. à Federação Nacional dos Produtos de Trigo, através dos ainda existentes Grémios da Lavoura, pois só desta forma poderão ter direito ao referido diferencial de preço e que este ano pode ser elevado”.
A produção de centeio é obtida em condições de pequena propriedade, em solos ácidos e de baixa fertilidade, com produtividades médias entre 1 000 e 1 500 kg. A área de centeio decresceu neste período, mas a sua importância continuou elevada. Para os agricultores, a produção de centeio visava dois objetivos, o grão e a palha, sendo esta essencial na produção de estrumes.
A irregularidade das produções de trigo ao longo do período de 1974-1985, com altos e baixos sucessivos, é uma das principais características do comportamento deste cereal. Contudo, e ao contrário de épocas anteriores, os volumes produzidos situam-se a níveis bastante mais baixos, o que tem a ver, por um lado, com o aumento considerável do fator trabalho e, por outro, com a subida significativa dos preços dos adubos e das sementes.
Teve igualmente importância nesta diminuição da produção de trigo a erosão dos terrenos de cultivo, ainda não refeitos da exploração intensiva das então denominadas campanhas do trigo (Gráfico n.º 50).

A cultura do lúpulo continuou promissora. Cerca de 50% desta produção procedia de terras bragançanas.
Cultura muito exigente em adubações, pesticidas, água e mão-de-obra, tinha custos de produção elevados.
A Lupulex, empresa sedeada em Bragança, era responsável pela receção do lúpulo produzido pelos agricultores deste Concelho e de Braga, cabendo-lhe a colocação da produção no mercado. A comercialização proporcionava aos agricultores apreciáveis rendimentos, sendo considerada como uma das culturas mais rentáveis.
Uma portaria do Ministério da Agricultura e Pescas, publicada no Diário da República de 12 de setembro de 1977, define que os preços do Lúpulo da classe I seriam, para colheita de 1976, de 70$00 na compra à produção; e de 87$000 de venda à indústria cervejeira nacional. A Cooperativa Agrícola da Terra Fria irá contestar este preço, enviando um telegrama a solicitar que o mesmo deveria ser de 112$00. Os cultivadores do lúpulo de Bragança manifestavam-se “surpreendidos e inquietados, face ao que se publica na referida portaria, que muito afeta a precária situação e os mais legítimos interesses daqueles produtores de lúpulo, produto este, como é sabido, da mais alta necessidade e importância para o fabrico de cerveja e cuja produção se torna caríssima e exige extremos sacrifícios, cuidados e trabalhos”, lia-se no Mensageiro de Bragança de 19 de setembro de 1977.
No dizer de Rui Godinho, “em consequência do aumento de custo de produção refletido em salários, adubos, custo dos materiais de aramada, aumento de custo de maquinaria, etc., sem o correspondente aumento de preço da matéria-prima, lúpulo seco, e ainda sem se ter atingido a área necessária à construção de uma fábrica de extratos ou pós de lúpulo (tornando deste modo mais fácil a sua comercialização), os cultivadores estão no limiar do desânimo. Sem que o Governo português encare a cultura de lúpulo nesta região de interesse regional e nacional como o fazem os governos de aquém e além cortina-de-ferro, a situação dos cultivadores continuará a ser alarmante, provocando a inevitável perda desta cultura, pela difícil situação criada aos lavradores. Teremos depois que importar lúpulo para as cervejeiras aos preços que hoje estas não admitem pagar pelo produto nacional, como já está a acontecer com a batata de semente e irá acontecer com o centeio, a carne, etc.”.
A chegada progressiva ao mercado – ao longo deste período temporal – “de concorrentes estrangeiros, nomeadamente a China, que colocavam o lúpulo a preços muito baixos e com os quais não era possível competir, fez praticamente desaparecer do Concelho de Bragança uma das mais promissoras culturas”, ficando ainda mais pobre e com mais problemas a agricultura do Concelho.
Terrenos agrícolas no concelho de Bragança
A produção de castanha, abundante e de qualidade nos anos de 1974 e sobretudo 1975, sofreu diminuições significativas nos anos seguintes, provocadas por condições climatéricas desfavoráveis. Como se pode ler no Mensageiro de Bragança de 4 de agosto de 1978, “as trovoadas de maio e as anteriores geadas, em fins de abril e princípios de maio, causaram gravíssimos prejuízos na castanha, cujas árvores, em certas zonas do Concelho, ficaram completamente queimadas”.
Para além destes condicionalismos, a castanha encontrava-se em situação crítica, motivada pela dificuldade de colocação do produto nos mercados, tanto nacionais como estrangeiros. Não existindo um organismo que defendesse os interesses dos produtores (pequenos na sua maioria), o mercado impunha-se: a castanha atingiu preços elevados no período da colheita temporã (10$00 por quilograma, em 1978), não tendo praticamente qualquer procura no período em que os ouriços abriam, aquando das primeiras geadas do outono.
Os então denominados “ajuntadores” de castanha limitavam-se a lavá-la e calibrá-la de forma bastante artesanal, antes da exportação, sem se vislumbrar nessa altura qualquer tentativa de acrescentar localmente valor ao produto.
Continuava a castanha, nesse período de 1974 a 1985, presente na alimentação de muitas pessoas, para além de ser dada aos animais, sobretudo suínos, quando era impossível a sua venda. A madeira de castanho era ainda procurada, não só pelas pequenas indústrias de marcenaria do Concelho e do Distrito, mas sobretudo da zona do Porto, dada a sua elevada qualidade para o fabrico de móveis e para acabamentos de habitações, em particular soalhos, portas e janelas.

Os preços, tal como se vê no Gráfico n.º 51, tiveram uma tendência crescente, ajustando-se a uma oferta diminuta e bastante rígida. Também aqui se notava a ausência de um organismo que defendesse os produtores, de forma a evitar a atomização da oferta.
A evolução das principais raças pecuárias do Concelho de Bragança, no período 1974 a 1983, pode ver-se no Gráfico n.º 52. Nas quatro principais raças pecuárias existentes no Concelho de Bragança houve uma diminuição mais ou menos acentuada de efetivos durante estes anos. A explicação para este facto não é a mesma para todas elas. Em relação aos bovinos, aconteceu que a introdução cada vez mais acentuada de tratores nas explorações levou à diminuição da sua utilização nas práticas agrícolas, o que explica em boa parte a acentuada redução do efetivo entre 1974 e 1983. Já quanto aos caprinos e ovinos, a significativa diminuição verificada naquele período temporal teve como principal explicação a recusa de muitos pastores em continuarem a exercer a sua atividade, a não ser com aumentos significativos de salários, incomportáveis, na maioria das vezes, para as possibilidades económicas dos donos dos rebanhos.

A diminuição sucessiva dos efetivos suínos naqueles anos explica-se, sobretudo, pelo despovoamento contínuo da parte rural do Concelho, o que fez com que as famílias aí residentes fossem cada vez menores e, como tal, deixassem de criar tantos porcos como anteriormente faziam.
Dissemos já que o indicador mais utilizado para fornecer o grau de mecanização de uma região é dado pelo número de tratores por cada 100 hectares de exploração. Em 1979, no Concelho de Bragança, o grau de mecanização era de 1,36 tratores por cada 100 hectares de exploração, valor muito modesto quando comparado com o do Continente, que ascendia a 2,56.
A descolonização dos territórios africanos trouxe a Bragança milhares de retornados, oriundos e/ou descendentes deste Concelho, que fizeram aumentar em cerca de 10% a sua população. A administração pública local, bem como as organizações particulares de solidariedade existentes, não estavam preparadas para receber e acomodar tão elevado fluxo populacional.
O primeiro problema que surgiu prendeu-se com a ausência de habitações condignas, com um mínimo de conforto, capazes de albergarem todas aquelas pessoas. Não foi fácil, nem muito menos rápido, resolver esta questão. Numa primeira fase, e como medida de emergência, ocuparam-se todos os imóveis desocupados, públicos, privados e da Igreja Católica, tentando-se desta forma não só dar um teto a todas as famílias, como ganhar tempo para pensar noutras iniciativas de caráter mais duradouro.
Paralelamente, houve doações significativas aos retornados não só a nível da sociedade civil – tijolos, cimento, telhas, etc. – como da Câmara Municipal, que ofereceu terrenos a preços simbólicos e a utilização de máquinas para terraplanagem desses terrenos. A comunidade internacional, sobretudo a norueguesa, contribuiu igualmente para minorar o tão grave problema habitacional, oferecendo moradias pré-fabricadas. O Mensageiro de Bragança, em janeiro de 1977, escrevia a propósito desta doação norueguesa: “trata-se de uma oferta da Norwegian Church Relief de Oslo ao Governo português, destinada aos desalojados ultramarinos radicados no Distrito de Bragança.
Esta «encomenda», representada por quatro contentores que julgamos armazenar cerca de 100 moradias pré-fabricadas, destina-se ao Distrito de Bragança, ficando a sua distribuição sob a responsabilidade do Governo Civil local… Esta iniciativa é resultado duma campanha pública desenvolvida pela Convenção das Igrejas norueguesas, sob a designação «Projeto cooperativo de construção de emergência em Bragança. Dádiva da Igreja norueguesa»”.
Bairro da Previdência, um dos bairros periféricos da cidade
À medida que muitas destas famílias refaziam a sua vida, começavam a mandar construir as suas casas, quase sempre vivendas nos subúrbios da Cidade, o que originou o aparecimento de inúmeros bairros periféricos.
Um desses bairros foi o da Mãe de Água, “um aglomerado de casas em desalinho, de «becos sem saída», de ruas enlameadas e de um rol de gente que vive na Cidade, mas à margem dos benefícios e do progresso da Cidade, aquele bairro enorme até há pouco considerado oficialmente proscrito, vai contar, brevemente, com mais um conjunto de 125 habitações que o Fundo de Fomento de Habitação ali vem edificando há largos meses” – escrevia o Mensageiro de Bragança de 3 de março de 1978.
Bragança crescia desordenada e freneticamente. Segundo o Mensageiro de Bragança, de 2 de março de 1979, Bragança era então “uma Cidade onde o desenvolvimento urbano não teve a correspondente resposta no lançamento de estruturas essenciais, como arruamentos, saneamento básico, instalação elétrica e transportes públicos. De notar que, nos últimos quatro anos, a população estudantil dos ensinos preparatório e secundário duplicou. Mas não foi apenas a população estudantil que originou o crescimento da Cidade. O regresso de muitas centenas de emigrantes, a juntar ao dos retornados, obrigou ao inevitável alargamento da Cidade, construindo-se noite e dia nos seus já numerosos bairros periféricos, numa tentativa de recolher quantos demandam Bragança.
Esta explosão de novos habitantes citadinos rompeu pelas costuras velhos remendos, aplicados em pano igualmente velho. No que respeita ao saneamento básico, o panorama apresenta os seus pontos negros e inquietantes.
O saneamento nos bairros periféricos da Cidade e o fornecimento de água ao domicílio, pela rede camarária, não satisfaz as necessidades mínimas, o que levou os proprietários das moradias a abrirem nos seus quintais poços à mercê da contaminação das fossas”.
Em 1980, o Presidente da Câmara, engenheiro José Luís Pinheiro, afirmava que “o ritmo era de uma habitação nova por dia e um estabelecimento comercial por semana”. E dois anos passados, em 1982, o mesmo Presidente de Câmara dizia, em entrevista ao Mensageiro de Bragança: “Não temos, neste momento, uma situação de crise.
Temos alguns desajustamentos, mas também temos números já conhecidos que nos dizem que existem mais de 10% de habitações do que o número de famílias residentes em Bragança. Isso não significa que todas as pessoas tenham a sua casa. Há ainda muita casa degradada que terá de ser substituída, mas não se poderá fazer tudo duma só vez, o que implicará disponibilidade de capitais, não só públicos, mas também particulares. A Câmara tem facultado às pessoas a aquisição de terrenos para fazerem as suas residências. A iniciativa privada tem proporcionado grandes quantidades de construções de casas para venda, mas tal não acontece, infelizmente, em termos de aluguer, por falta de relacionamento entre a oferta e a procura, bem como a má relação que se instala entre senhorio e inquilino. E esta é uma situação que não depende da Câmara”.
Continuou o Concelho, neste período de tempo, muito isolado, dadas as más vias de comunicação que o serviam. A nível da rodovia, as obras do IP4 andavam demasiado vagarosas, não se vislumbrando para quando o seu acabamento. Apenas o lanço entre Pontão de Lamas e Quintela de Lampaças estava em execução. Bragança continuava a cerca de seis horas do Porto, por traçados sinuosíssimos e pavimentos paupérrimos, o que em nada dignificava o conceito de estradas nacionais, nem servia as isoladas aldeias concelhias, de tudo carecidas.
Mas se este era o panorama rodoviário, o ferroviário não era melhor. A degradação da linha entre o Tua e Bragança era deplorável, levando em 1978 um conjunto de utentes a protestar junto da administração da CP – Comboios de Portugal, exigindo medidas urgentes que melhorassem tão dramática situação.

António Barreto, aquando da Presidência Aberta de Mário Soares em Bragança, dizia à imprensa regional a respeito da linha Tua-Bragança: “na verdade, confrange o estado das estações que foram reduzidas a apeadeiros.
Parecem caveiras – janelas sem caixilharia, portais rebentados, destelhadas, vandalizadas pela permissividade da saída da mão tutelar da CP. Acho que isso faz parte de um plano sem política nem cultura, sem humanidade sem doutrina. Querem apenas pôr uma linha de comboio a meio, Porto-Régua, torná-la rentável, destruir o resto.
Diziam os senhores da CP que era para fazerem um serviço de qualidade entre Lisboa e Porto. Isto é, flagrantemente, uma selvajaria, que não merece outro qualitativo. Ao Chefe de Estado, que normalmente é reservado quando há conflitos deste género, ouvi-o eu dizer ao secretário de Estado das Vias de Comunicação e aos dirigentes da CP que isto era uma estupidez. ‘Os senhores estão a fazer um disparate sem nome’, foram as suas palavras.
Eu próprio estive a citar-lhes que os caminhos-de-ferro na Suíça, na Áustria e na Escócia estão a reabrir linhas pequenas como a do Corgo e a do Tua, porque do ponto de vista turístico, de velocidade, de poluição está-se a descobrir a enorme vantagem do caminho-de-ferro”.
Presidência Aberta
A nível do transporte aéreo, o panorama era um pouco melhor. Obras de beneficiação no aeródromo, levadas a cabo pela Câmara Municipal, permitiram a aterragem de aviões com alguma capacidade. 
O primeiro avião da TAP Regional com 19 lugares, da carreira regional Lisboa-Porto-Bragança, aterrou em Bragança no dia 5 de novembro de 1980. Segundo noticiava a imprensa regional, “o novo equipamento visa assegurar as carreiras regionais com uma maior capacidade, de forma a poder satisfazer as necessidades do comércio, indústria e agricultura do Distrito e a proporcionar as ligações com os voos intercontinentais para a Venezuela, Brasil, Canadá, Estados Unidos e África do Sul e para a Europa, ligando à França, Alemanha e outros países ocidentais. Estes voos passarão a realizar-se às segundas e terças-feiras, transportando passageiros e mercadorias, mantendo-se as carreiras com aviões de cinco lugares nos restantes dias da semana, mas apenas para Lisboa”. Posteriormente, em 1988, a LAR – Ligações Aéreas Regionais iniciou uma viagem diária Lisboa-Bragança-Lisboa, numa aeronave de 44 lugares.
Mas nem tudo corria bem a Bragança no que respeitava ao transporte aéreo. Numa intervenção na Assembleia da República, um deputado pelo círculo afirmava: “o meu protesto vai para os preços praticados pela LAR nas ligações Lisboa-Bragança e Porto Bragança. É inadmissível que cada vez que um cidadão de Bragança precise de se deslocar à capital do seu País, pague pela passagem aérea quase o dobro daquilo que paga um cidadão da Madeira para vir a Lisboa. É inadmissível que o Governo não preveja a possibilidade de um tratamento, pelo menos, igual entre os seus cidadãos, assumindo aquilo a que vimos chamando de custos da interioridade, nos mesmos moldes em que vem assumindo os custos da insularidade.

continua...

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

Sem comentários:

Enviar um comentário