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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 11 de abril de 2020

Textos literários e textos poéticos, ou o prazer da leitura.

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Foto: VisualHunt
Tentando afastar esta ociosidade que toma conta de mim, neste período de medo e resignação, tenho tentado abstrair-me do que paira ameaçador, ocupando o tempo com leituras.
A questão que normalmente se me apresenta é a de dada a quase permanência quase ininterrupta dos meios de comunicação que veiculam notícias as mais dramáticas, mas que por outro lado tentam encorajar-nos para a resistência, me causar o dilema da dúvida permanente e contra o habitual me leva à incapacidade de ler um livro de fio a pavio. Pego num e começo a ler, poucas páginas adiante pouso-o e fico com a sensação de que aquele tema, não se coaduna com a minha disposição actual. Resignado, um pouco mais tarde pego outro, na vã esperança que esse sim seja o que me vai interessar. Terá o mesmo epílogo do anterior.
Foi assim durante vários dias contrariando a minha tendência de ler quando tenho tempo. Foi assim desde a minha infância e não deveria ser diverso agora. Lutei contra esta falta de vontade tenaz e persistentemente durante uns tempos até que haverá uns cinco dias, de uma estante retirei dois livros comprados em Londres, um em 2008 e o outro em 2015. São ambos antologias de prosa e poesia inglesas. O de 2008 tem o título de "The Mac Millan Anthology Of English Prose” e é da responsabilidade de Edward Leeson publicado por Papermac. O segundo comprado em 2015 tem o título de " We Shall Figth On The Beaches " e foi compilado por Jacob F.Field publicado em 2013 por Michael O'Mara Books Limited. O primeiro citado é uma coletânea de textos sendo o primeiro de Sir Thomas Elliot (1490/1546) e o último de Anita Brookner (1928) sendo o segundo definido como "The Speeches That Inspired History ".
Estranhamente comecei a ler e como os textos são pequenos, de 2 a 4 páginas, foi fácil retomar a leitura sem bocejos. Razão maior para tal foi o facto de que eu esperava algo interessante e acabei lendo prosa interessantíssima, pela fluência que fui capaz de notar em todos eles e a beleza imanente da subjetividade dos temas descritos com harmonia , ritmo e gramaticalmente impolutos. Perguntarão os que me lêm: - És assim tão entendido nisso que te arrogues de "expert " na matéria? Direi, não, mas acrescentarei que para se ler e compreender prosa tão escorreita não precisamos de grande formação, pois a harmonia é tão sintética e elegante que a escrita dá à mensagem, leveza e clareza que só quem é de facto sensível é capaz de passar a letra redonda.
O segundo livro é mais pequeno e inclui textos de exortação escritos e proferidos por Péricles, Alexandre O grande, Papa Urbano II, Abraham Lincoln, Winston Churchill, este com quatro dos seus mais empolgantes discursos dirigidos à nação e até o discurso de Ronald Reagan em Berlim exortando os comunistas a desmantelarem o muro que dividia a cidade e as duas Alemanhas. Também o discurso de Haile Selassie da Etiópia clamando na Liga das Nações contra a ocupação do seu país pela Itália. Também traduzido para inglês magistralmente, o apelo de Giuseppe Garibaldi (1807 / 82) aos seus soldados, para a continuação do esforço para a Unificação da Itália.
Depois desta retoma pela leitura, pensei… Vou ver o que tenho nestas estantes que me agrade e me sirva para agora apreciar a subtileza da minha língua portuguesa.  Encontro Padre António Vieira e investigo os vários capítulos. Conheço suficientemente Vieira e admiro-o por ter sido tanto um clérigo de inteligência e visão larga, mas sobretudo pela sua sensibilidade para expor os problemas de humanidade que a linha dura da Igreja do seu tempo impunha às populações d'aquém e d'além Mar de quem ele foi defensor acérrimo, ganhando como prémio, o cárcere e a dor física juntas com a estupidez de quem a ele servia, uma igreja intolerante que ele porfiou por resgatar, sem conseguir e servindo um povo que cercado por esbirros da nobreza parasita que o sobrecarregava com taxas, violência e desprezo não levou a carta a Garçia, mas deixou prosa de fina filigrana. Li alguns sermões e nesse ato tão simples, deparo-me com um texto que eu conhecia e que desde a primeira leitura, muitos anos atrás, me delicia, chamado "O Estatuário". Abre como segue:  Arranca o Estatuário uma pedra destas montanhas/, tosca, bruta, dura, informe/ e depois que desbastou o mais grosso/, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um homem/, primeiro membro a membro e depois feição por feição/ até à mais miúda, ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa/, rasga-lhe os olhos afila-lhe o nariz/abre-lhe a boca, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços/  ,espana-lhe as mãos, divide-lhe os dedos/, lança-lhe os vestidos/. Aqui despega, ali arruga, acolá recama/ . E fica um homem perfeito e talvez um Santo que se pode por no altar. /Faz parte do Sermão do Espírito Santo e tem por finalidade garantir direitos aos índios brasileiros. 
O ritmo desta prosa é de uma elevação que só um génio das letras e da retórica seria capaz de alinhar. A sucessão de verbos com pronome reflexo que começa em /Ondeia-lhe os cabelos e termina em lança -lhe os vestidos é de uma harmonia transcendente.
E assim me entusiasmei com a língua da minha gente Que beleza! Li depois Aquilino e a língua escrita é a mesma mas em tom mais livre. As descrições da ação são plasmadas com eficiência e de A Via Sinuosa retira este pedaço brilhante de língua do povo: Fomos descendo as courelas onde ranchos andavam ceifando. A folha já mal tinha aquela branda e indivisível ondulação dum mar benigno numas sortes os rolheiros esperavam já a carreta, noutras as espigas correndo, correndo ao sopro da brisa. Tão belo e tão humano, numa descrição soberba da vida do povo e da Natureza que me humedece os olhos e me amolece o coração.
Os últimos dias foram para a língua portuguesa que do Brasil pela pena de Olavo Bilac me encheu o coração e os sentidos com esta pequena maravilha. "LÍNGUA PORTUGUESA " /1/ Última flor de Lácio inculta e bela/ És a um tempo esplendor e sepultura/Ouro nativo que na ganga impura / A bruta mina entre o cascalho vela /2 /Amo-te assim, desconhecida e obscura / Tuba de alto clangor, lira singela / Que tens o trino e o silvo da procela / E o arrolo da saudade e da ternura /3/ Amo o teu viço agreste e o teu aroma / De virgens selvas e de oceano largo / Amo-te ó rude e doloroso idioma / Em que da voz materna ouvi , meu filho / E em que Camões chorou no asilo amargo / O génio sem ventura / E o amor sem brilho.
E assim vencendo o tédio e pulando as folhas do calendário vou passando os dias deste isolamento que nos tira a alegria e a confiança. Mas bem que ainda há livros escritos que contêm páginas cuja leitura é só comparável à nossa Felicidade perdida com esta calamidade.
Ainda nos resta um pouco de esperança em dias e obras que a mãe natureza qual mãe extremosa nos decida deixar ainda viver, com livros e música de boa qualidade.





Bragança 04/04/2020
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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