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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 19 de abril de 2022

Um comício republicano em Bragança em 1906


Também ocorreu no fim do ano. Mais um acontecimento importante que muito nos diz sobre esses tempos.

“Realizaram-se no último domingo, em todas as capitais de Distrito, comícios republicanos para protestar contra a expulsão e suspensão dos deputados republicanos. Para custear as despesas do cavaco foram destacados dos dois centros do País para aquelas localidades os principais e mais conhecidos oradores do partido nascente. Aqui vieram os apóstolos Duarte Leite e Alfredo Magalhães, que pregaram a cruzada santa contra a Monarquia, esquecendo que, pelos erros e crimes do passado, outros, infelizmente impunes, são os verdadeiros responsáveis”.

“No momento em que se inicia um movimento de reação contra os velhos processos governativos, no 
momento em que se procura aliar a honestidade e dignidade do poder com a formula monárquica vigente, era natural que o Partido Republicano, cansado de repetir que a causa daqueles erros estava no regímen, desenvolvesse uma ação verdadeiramente extraordinária para ver se consegue fazer abortar a louvável e patriótica tentativa de restauração administrativa do nosso País… Cremos ser esta a única verdadeira explicação do movimento de propaganda até hoje desusado”. A notícia era dada por um jornal monárquico.
Houve muito mais no comício e para além dele, como se pode ver pelo relato de um outro órgão: “Cabe-nos a nós agora, modestos obreiros da imprensa, dizer de nossa justiça e apreciar os acontecimentos despindo-nos completamente de paixões partidárias”.
“Diremos, em primeiro lugar, que o comício republicano não teve significação política alguma no nosso meio. Cerca de duzentas pessoas assistiram a ele; e, cremos não errar em uma dezena se asseverarmos que entre essa concorrência estavam cento e setenta monárquicos, que ali foram movidos pela curiosidade de ouvir a palavra fluente dos oradores que vieram do Porto, o dr. Alfredo de Magalhães e o dr. Duarte Leite. E não perderam realmente o seu tempo... No que suas exas. porém foram infelizes, foi nos ataques que dirigiram ao Governo…”
“Também um ponto que ambos os oradores versaram nos mereceu algum reparo: o ataque injusto feito à oficialidade do nosso Exército por aceitar o aumento do soldo proposto em Câmara. Soou-nos muito mal que suas excelências, hóspedes em uma terra onde há um regimento de Infantaria e dois esquadrões de Cavalaria, acusassem a oficialidade de se deixar subornar pelo Governo.”
“No resto, nada temos que censurar-lhes. Uma ou outra vez, no calor do entusiasmo, deixaram-se arrastar para fora do campo da legalidade; chamados porém à ordem pela autoridade administrativa, prontamente acatavam o chamamento, querendo mostrar por factos o que o sr. dr. Duarte Leite dizia por palavras: que o Partido Republicano era um partido ordeiro.”
“Mas se o sr. dr. Duarte Leite e o seu ilustre companheiro mostraram ser ordeiros, outro tanto não sucedeu com os seus correligionários daqui. E assim cabem merecidas censuras ao segundo orador que falou no comício, o senhor Agostinho Paulino Pires, e a alguns indivíduos de Izeda e muito especialmente à filarmónica daquela povoação. Aquele senhor… lançou logo a nota irritante de ataque pessoal a um funcionário público por causa de uma inutilização de untos que, pelo laboratório competente, foram julgados absolutamente impróprios para o consumo.”
“Deu lugar essa provocação à intervenção da autoridade, e à fuga desordenada de quase todos os indivíduos que estavam na plateia. Ia-se assim gorando o comício e certamente tudo teria debandado se não fora o espírito conciliador com que procedeu o sr. comissário de polícia e a atitude correta dos monárquicos que formavam a grande maioria da assistência…”
“E o sr. Paulino Pires, querendo mostrar-se tribuno do povo e defensor dos seus direitos, não fez mais do que atraiçoar o povo brigantino, defendendo o interesse de meia dúzia de negociantes que estavam envenenando esse mesmo povo… Consequência ainda desse facto foi o apedrejamento à noite do fiscal dos géneros alimentícios, quando em companhia de sua esposa recolhia a casa.”
“E a polícia, que está a pedir uma remodelação urgente e profunda, não viu o apedrejamento…, não soube quem deu vivas à República, nem parece ter ouvido os sonoros acordes da filarmónica de Izeda tocando a Marselhesa.”
“Mas se todos esses factos merecem a nossa censura, mais a mereceu talvez ainda a filarmónica de Izeda que, com alguns indivíduos daquela localidade à sua frente, andou tocando a Marselhesa entremeada de vivas à República pelas ruas da Cidade, em manifesta contravenção das ordens recebidas e colocando mal correligionários seus de incontestável seriedade de caráter... Mas onde o destempero atingiu as raias do escândalo foi na segunda-feira de manhã, à saída do correio. Nessa ocasião… rompeu a filarmónica de Izeda a tocar a Marselhesa nas próprias barbas do ilustre Governador Civil substituto, que no mesmo comboio seguiu para a sua casa de Travanca!”.
Há uma autoridade administrativa que vigia e censura. Há um orador local que merece sérias recriminações porque incendeia o auditório com “tricas” locais; há uma autoridade que intervém e põe o auditório em fuga. Há o apedrejamento de um fiscal. Há agitação republicana e destempero, a que se juntam provocações à suprema autoridade do Distrito. E há, acima de tudo, um relato que tenta demonstrar o irrelevante significado político do comício – os republicanos seriam uma reduzida percentagem da assistência.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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