Por: Manuel Eduardo Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Acreditamos ou não na justiça precisamente por ela ser incerta, valor variável numa escala graduada em cujos extremos se opõem o péssimo e o ótimo e um ponteiro se desloca aproximando-se de um enquanto se afasta do outro. As suas fraquezas estão muito para cá de haver juízes e procuradores corruptos. Começam na ação de legislar, tarefa habitual de gente instruída, privilegiada. Só ignorando o egocentrismo inato do ser humano se poderia pensar que não teriam em conta os interesses próprios, os dos seus, os da classe. Vai contra as leis da biologia que quem parte e reparte não fique com a melhor parte. Autopreservação, instinto de sobrevivência, dirigem tudo o que fazemos. Ser parciais é da nossa índole, anterior e mais funda que a raça, o género, a posição, a instrução, ser rico, pobre, poderoso, humilde, viver neste ou naquele regime, sistema político ou económico, considerar-se conservador, progressista, revolucionário, reformador.
Do ponto de vista do poder económico/financeiro, o primeiro poder, a democracia traz instabilidade a cada pouco tempo, impondo-se trocar as voltas à insegurança que vem com ela. Pode ser pela criação de estruturas que sob uma fachada de ideais humanitários e procura de autoconhecimento manobram na sombra. Falo evidentemente dessa coisa a que chamam maçonaria. Mais simples e eficaz é tomar conta dos grandes partidos, fazendo com que designem para o parlamento servidores seus cuja função será elaborar leis para a salvaguarda futura dos negócios e em quem votamos como se nos fossem representar. Se for gente do direito, melhor. Como estes paus-mandados também costumam alimentar projetos pessoais de enriquecimento à margem das leis, travam por sistema tentativas de legislar contra ele. Não se pergunta a quem tem ideias de gamar se quer ser condenado quando um dia o fizer.
O legislativo tem este senão, o executivo designa quem lhe convém para as chefias do judicial e este faz aplicar leis que os outros três deram à luz. De separação de poderes estamos conversados. Enquanto não for trabalho de máquinas, os dados vão viciados antes de alguém sequer os lançar. Quem se admira portanto que a justiça seja por norma reverente para com os poderosos e sinta uma visível inibição em chamá-los a si? Que haja imensas e tortuosas leis, interpretáveis de forma mais ou menos tendenciosa por advogados em função do que se lhes paga? Que de uma decisão possa haver recursos sobre recursos consumidores de tempo, traduzido na prática em regalias para quem prevarica e tem mais dinheiro? Que haja um dia em que um crime deixa de ser crime?
Aquele ex-primeiro-ministro-personagem-de-farsa e o banqueiro que corrompia meio mundo vão ser julgados por um quinto daquilo de que eram acusados. No fim, aposto que condenados por nada e a pedir uma indemnização ao estado, isto é, a nós. Nos dias seguintes a esse anúncio talvez há muito pensado foram-nos dizendo que agora sim, daí para a frente é que se ia combater finalmente o flagelo da corrupção. Apesar de lorpa, o povo é propenso a ataques de mau-humor e intempestividade, desaconselha-se excitá-lo muito. Mas não vale a pena ir a fugir preparar discursos exaltados para o defender. Visões idealistas acerca dele conduzem geralmente à deceção. Sempre que pode faz pior. Um indigente sem qualquer literacia dando por acaso de caras com a varinha mágica que lhe permitisse legislar aproveitaria de imediato para puxar a brasa à sua sardinha. Enquanto e não, as melhores garantias de que goza serão sempre a sua boa conduta, pois se lhe acontecer virar-se do avesso e chamar publicamente besta a uma cavalgadura o que tem mais certo é sentar o cu no motcho, passe o popularismo. Com tantas faltas que lhe são apontadas, mortinho por mostrar serviço, para ele o tribunal terá mão de ferro.
Apesar de tudo é reconfortante viver num regime que assegura direitos e liberdades, deus no-lo preserve. Vamos andando menos mal com a justiça que temos. É melhor que a da libéria, de certeza, e o tempo se encarregará de a aprimorar à medida que a europa nos for obrigando a isso. Por ora ela tem em mente não tanto os cidadãos que prezam os valores morais e o civismo na vida em comum como aqueles a quem isso passa ao lado. Bastante menos a pacata base da pirâmide que ganha a vida honestamente do que as cúpulas turbulentas e gananciosas.
Do ponto de vista do poder económico/financeiro, o primeiro poder, a democracia traz instabilidade a cada pouco tempo, impondo-se trocar as voltas à insegurança que vem com ela. Pode ser pela criação de estruturas que sob uma fachada de ideais humanitários e procura de autoconhecimento manobram na sombra. Falo evidentemente dessa coisa a que chamam maçonaria. Mais simples e eficaz é tomar conta dos grandes partidos, fazendo com que designem para o parlamento servidores seus cuja função será elaborar leis para a salvaguarda futura dos negócios e em quem votamos como se nos fossem representar. Se for gente do direito, melhor. Como estes paus-mandados também costumam alimentar projetos pessoais de enriquecimento à margem das leis, travam por sistema tentativas de legislar contra ele. Não se pergunta a quem tem ideias de gamar se quer ser condenado quando um dia o fizer.
O legislativo tem este senão, o executivo designa quem lhe convém para as chefias do judicial e este faz aplicar leis que os outros três deram à luz. De separação de poderes estamos conversados. Enquanto não for trabalho de máquinas, os dados vão viciados antes de alguém sequer os lançar. Quem se admira portanto que a justiça seja por norma reverente para com os poderosos e sinta uma visível inibição em chamá-los a si? Que haja imensas e tortuosas leis, interpretáveis de forma mais ou menos tendenciosa por advogados em função do que se lhes paga? Que de uma decisão possa haver recursos sobre recursos consumidores de tempo, traduzido na prática em regalias para quem prevarica e tem mais dinheiro? Que haja um dia em que um crime deixa de ser crime?
Aquele ex-primeiro-ministro-personagem-de-farsa e o banqueiro que corrompia meio mundo vão ser julgados por um quinto daquilo de que eram acusados. No fim, aposto que condenados por nada e a pedir uma indemnização ao estado, isto é, a nós. Nos dias seguintes a esse anúncio talvez há muito pensado foram-nos dizendo que agora sim, daí para a frente é que se ia combater finalmente o flagelo da corrupção. Apesar de lorpa, o povo é propenso a ataques de mau-humor e intempestividade, desaconselha-se excitá-lo muito. Mas não vale a pena ir a fugir preparar discursos exaltados para o defender. Visões idealistas acerca dele conduzem geralmente à deceção. Sempre que pode faz pior. Um indigente sem qualquer literacia dando por acaso de caras com a varinha mágica que lhe permitisse legislar aproveitaria de imediato para puxar a brasa à sua sardinha. Enquanto e não, as melhores garantias de que goza serão sempre a sua boa conduta, pois se lhe acontecer virar-se do avesso e chamar publicamente besta a uma cavalgadura o que tem mais certo é sentar o cu no motcho, passe o popularismo. Com tantas faltas que lhe são apontadas, mortinho por mostrar serviço, para ele o tribunal terá mão de ferro.
Apesar de tudo é reconfortante viver num regime que assegura direitos e liberdades, deus no-lo preserve. Vamos andando menos mal com a justiça que temos. É melhor que a da libéria, de certeza, e o tempo se encarregará de a aprimorar à medida que a europa nos for obrigando a isso. Por ora ela tem em mente não tanto os cidadãos que prezam os valores morais e o civismo na vida em comum como aqueles a quem isso passa ao lado. Bastante menos a pacata base da pirâmide que ganha a vida honestamente do que as cúpulas turbulentas e gananciosas.
(Nordeste - abr. 2021)
Manuel Eduardo Pires. Estes montes e esta cultura sempre foram o meu alimento espiritual, por onde quer que andasse. Os primeiros para já estão menos mal, enquanto a onda avassaladora do chamado progresso não decidir arrasá-los para construir sabe-se lá o quê, mas que nunca será tão bom. A cultura, essa está moribunda, e eu com ela. Daí talvez a nostalgia e o azedume naquilo que às vezes digo. De modo que peço paciência a quem tiver a paciência de me ir lendo.
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