As malhadas
Actualmente as máquinas vão substituindo o homem. Poupam-lhe esforços, dão-lhe uma vida menos cansativa no que se refere ao emprego da força muscular. Grande parte dos trabalhos agrícolas já não é feita a pulso, como eram as malhadas.
O lavrador, depois de ter o pão acarrejado, isto é, com ele na eira ou ao lado desta, combinava o dia ou dias para fazer a sua malhada. De acordo com o muito ou pouco pão que colhesse, assim chamava mais ou menos malhadores.
Um lavrador pequenino, chamaria seis a oito malhadores para malhar numa só manhã ou numa só tarde a sua humilde colheita de três ou quatro carros de pão. Um lavrador bom, tinha que chamar doze, dezasseis ou vinte malhadores, segundo o volume da colheita.
No dia da malha
No dia da malha, os malhadores, com seus malhos, apareciam em casa do amo. Matavam o bicho e seguiam para a eira. A eles pertencia astrar, isto é, deitar o pão na eira, dispondo-o segundo a regra dos usos e costumes.
O eirado era começado no cimo da eira, colocando uma carreira de molhos bem alinhados, que se desatavam e ficavam de espigas voltadas para dentro do eirado.
Sobre este cordão de molhos começavam os malhadores a dispor o pão com mãos delicadas, espalhando-o sobre o cordão dos molhos, em camadas que mostrassem sucessivamente a sequência das espigas em perfeita homogeneidade.
Eram deitados os punhados de caules, um a um, numa linha perpendicular ao alinhamento dos primeiros molhos que ficaram a servir de cabeceira do eirado.
A eira cheia de pão
E estando a eira cheia de pão, observava-se aquele rectângulo ou quadrado de quatro ângulos ou esquinas, elevado meio metro, mais ou menos, acima do nível do chão.
Mostrava aquele seu rosto doirado muito agradável à vista com a particularidade do entrançado das margens da esquerda e da direita, para segurança, com a finalidade de o pão não fugir ou escorregar quando a força dos malhos o fosse batendo.
No fundo, a toda a largura do eirado, ficava a faixa branca, aquela cor de palha, a contrastar com o rosto amarelinho das espigas maduras.
Um pau pesado e comprido era transportado para ali, com o fim de conter o pão no fundo do eirado, de modo a evitar que ele deslizasse, fugindo à pressão das pancadas.
Os malhadores formavam duas bandas, dispostas uma em frente à outra. Começavam a malhar no cantinho superior esquerdo, precisamente ou haviam começado a astrar.
Desciam vagarosamente, cuidando em não deixar que a palha do cordão lateral fugisse para fora do alinhamento. Em chegando ao fundo, estava dada a primeira “cobela”, palavra derivada de covela, diminutivo de “coba” ou cova.
A primeira “cobela” obrigava a banda da esquerda a malhar com os pés fora do pão. À segunda “cobela” já pisavam a palha malhada.
Pouco a pouco estabelecia-se competitividade entre as duas bandas, à procura de ver qual delas fazia ecoar mais alto o som do bater dos malhos e por mais tempo.
Assim, as canções contribuíam também para animar aquela espécie de contenda lúdica, ajudando a minimizar o esforço hercúleo, indispensável para a debulha do pão.
Para o grão não saltar para fora da eira, eram utilizados os liteiros.
Os malhadores
Era obrigatório os malhadores baterem com os malhos bem certinhos, naquela postura de obediência aos ditames rituais que implicavam respeito e dignidade.
Os malhadores de uma banda procuravam bater o mais próximo possível dos pés dos malhadores da outra banda, mas sem os atingirem.
Nisso ia o interesse de a “cobela” abranger uma largura normal, que seria o comprimento do “pírtigo” (Chaves) ou “pirto” (Vila Real).
Com mau tempo, as espigam não debulhavam e o grão não saltaria. Por isso as malhadas tinham que ser feitas em dia de sol e pelo calor, com a palha bem quente, para as espigas esmagarem e os grãos serem libertas das “cassulas”. Era esta a razão para as malhadas não começarem manhã cedo e terminarem à tardinha.
Bastavam aparecerem algumas nuvens no céu, para ser muito custoso o malhar, exigindo muitas mais pancadas.
Com o calor do sol e em virtude do grande e contínuo esforço exigido para malhar, os intervenientes sofriam uma desidratação muito grande.
Além do calor, também o pó levantado, pela acção do bater dos malhos, contribuía para a enorme sede que obrigava os amos da malha a dar de beber aos malhadores com muita frequência, ora vinho ora qualquer refresco.
Tarefa dura como esta, precisava de ter bom trato. Acendia-se o forno, e o cordeiro assado não costumava faltar, na sequência de outras iguarias.
Anotações sobre as malhadas
Em Santo Estêvão, Chaves, pela primeira vez uma máquina debulhadora, a popular malhadeira, começou nova época para a lavoura, em 1924.
Em Mosteirô de Cima, em 1949, ainda se malhava com malhos. Informações estas do senhor Eng. Bento Morais Sarmento.
Em 1955, em Cimo de Vila, como em toda a região, ainda se segava à mão; mas já havia máquinas de malhar e também as máquinas de limpar.
As malhadas exigiam o calor do sol para bem serem debulhadas as espigas. Por isso: “Agosto é o primeiro mês de Inverno”, diz o ditado que aprendi em Quintã, Vila Real.
Daqui se deve partir para o rifão seguinte, também de Quintã:
“Quem malha em Agosto,
Já malha com desgosto.”
Na região de Vieira do Minho, segundo o amigo Alfredo Fernandes, dizia-se:
“Quem malha em Agosto
Já malha com o suor no rosto.”
“Strigana”, em Cimo de Vila – Chaves ou “saluga” em Quintã – Vila Real, mais não é do que a cápsula que envolve o grão de cereal, como o trigo, o centeio, e cevada, a aveia.
As cápsulas ou invólucros terminam com uma espécie de antena mais ou menos longa e serrilhada.
Conta o povo que quando todas as coisas falaram, disse o trigo para o centeio: Ó meu pernas latas; eu não te acudo nas tuas faltas! E o centeio refilou-lhe neste modo: Ó meu barbudo; nas tuas faltas, eu não te acudo.
Fonte: “ Velhas Canções Trasmontanas”, António da Eira, 2005, edição do autor (texto editado)
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