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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 29 de janeiro de 2022

O que procurar no Inverno: a camarinha

 Procurar a camarinha em flor é uma excelente razão para sair de casa por estes dias de Inverno. Os melhores locais são as dunas, arribas rochosas, pinhais e zimbrais no litoral, sugere a botânica Carine Azevedo.

Caminha na Marinha Grande. Foto: Júlio Reis/WikiCommons

Já muitos terão ouvido falar em camarinhas, umas pequenas bagas brancas com um agradável e revitalizante sabor ácido e fresco, que torna o seu paladar tão peculiar.

O que a maioria desconhece é a origem destes pequenos frutos, uma pequena planta arbustiva com o mesmo nome – a camarinha (Corema album).

A camarinha

A camarinha, ou camarinheira, é uma espécie arbustiva da família Ericaceae que liberta uma intensa e espetacular fragrância, semelhante ao mel.

É um arbusto perenifólio, muito ramificado desde a base, e que pode crescer até um metro de altura. Os caules são glabros, com ramos verticilados, mais ou menos erectos e os ramos do ano são tomentosos e acinzentados.

As suas folhas são pequenas, lineares, estreitas, alternas, aproximadamente verticiladas, revolutas, com comprimento entre 6 e 10 mm e largura de 1 mm. São verde-escuras, brilhantes, glabras ou raramente pilosas quando jovens.

A floração pode ocorrer entre o final do inverno e o início da primavera, mais precisamente a partir de janeiro estendendo-se até abril.

As flores não são muito vistosas, possuem dimensões muito reduzidas e passam muitas vezes despercebidas. São actinomorfas e surgem geralmente dispostas em inflorescências. O número de flores por inflorescência está dependente do sexo/género; no entanto, no máximo cada inflorescência apresenta até 20 flores.

Esta espécie é geralmente descrita como sendo dioica, contudo já foram encontrados alguns exemplares hermafroditas, muito em particular em duas regiões, uma no sudoeste de Espanha – em Asperillo e outra no sul de Portugal – em Vila Real de Santo António.

As flores masculinas e femininas são semelhantes. Ambas são constituídas por três sépalas e três pétalas e são ambas avermelhadas. As flores masculinas surgem dispostas em fascículos mais ou menos condensados e terminais e são providas de brácteas protetoras. As flores femininas são solitárias ou surgem aos pares e são ligeiramente mais rosadas.

O fruto é uma pequena drupa globosa, geralmente de cor branca, que pode apresentar uma tonalidade rosa ou até mesmo parecer translúcida e de sabor ácido. Cada fruto contém duas a quatro sementes, sendo o mais comum três sementes.

O aparecimento do fruto ocorre no verão ou no início do outono, entre os meses de julho e outubro.

Endemismo ibérico

A camarinha é uma espécie endémica do Ocidente Ibérico e do Arquipélago dos Açores, onde existe uma população isolada, que corresponde à subespécie Corema album subsp. azoricum, que ocorre nas ilhas de São Miguel, Pico, Faial, São Jorge e Graciosa.

Em Portugal a camarinha é frequente por toda a faixa litoral do país, estando as maiores populações desta espécie concentradas entre a Nazaré e Ovar, na região centro-norte e de Sines a Tróia, a sudoeste de Portugal.

É uma planta particularmente comum em sistemas dunares, arribas rochosas e também em pinhais e zimbrais que se encontrem próximos de sistemas dunares.

Camarinha. Foto: Pampuco/WikiCommons

As comunidades dominadas por camarinha são conhecidas como camarinhais e constituem frequentemente as orlas de zimbrais, onde também é comum a abundância de espécies como a sargacinha (Halimium calycinum), estevinha (Cistus salvifolius), perpétua-das-areias (Helichrysum picardi), tojo-chamusco (Stauracanthus genistoides), tomilho-carnudo (Thymus carnosus), sabina-das-praias (Juniperus turbinata), entre outros.

A camarinha desenvolve-se em condições extremas de temperatura e de falta de água sobretudo no período de verão, em solos pobres, preferencialmente com textura arenosa e pH compreendido entre 5,6 e 7,8.

A beleza e aroma desta planta, aliadas à sua resistência à secura, e a possibilidade de se desenvolver em substratos arenosos e pobres, conferem-lhe um potencial ornamental elevado, ainda que pouco comum. A camarinha pode ser plantada em canteiros, bordaduras ou em vasos, desde que em solos soltos e bem drenados, de forma isolada ou em associação com outras espécies psamófilas.

Esta espécie tem uma polinização do tipo anemófila, o que significa que depende do vento para fazer a dispersão do seu pólen. Já relativamente à dispersão das sementes, esta é do tipo zoocoria, ou seja, depende dos animais, que se alimentam dos seus frutos e consequentemente ajudam na propagação da espécie. As gaivotas, melros e coelhos são os principais responsáveis pela disseminação das sementes e propagação da planta.

Pérola do Atlântico

A camarinha é conhecida sobretudo pelo seu fruto – bagas brancas, semelhantes a pérolas, daí muitos as conhecerem como as pérolas do Atlântico. Internacionalmente é conhecido como Portuguese Crowberry.

O fruto, além da sua cor branca, rara nos frutos, e de sabor doce, é um excelente e apetitoso fruto natural de época que apresenta um valor nutricional elevado e características antioxidantes significativamente importantes.

A camarinha pode ser consumida fresca, como aperitivo, usada em limonadas pelo seu sabor ácido, compotas, geleias, caldas e licores, ou ainda processada e transformada sob a forma de biscoitos.

A utilização desta planta para fins medicinais já é antiga. Os frutos foram usados, noutros tempos, como antipiréticos e vermicidas.

A incorporação destes frutos numa dieta saudável pode trazer benefícios para a saúde.

Estudos recentes corroboram essas propriedades. Os extratos das folhas e dos frutos têm demonstrado que possuem propriedades antipiréticas e anti-helmínticas e podem ser empregues no tratamento de algumas doenças, nomeadamente no combate ao stress oxidativo, a principal causa de doenças hepáticas e da doença de Parkinson.

Flores da camarinha. Foto: Júlio Reis/WikiCommons

Além da sua utilização alimentar e medicinal, a planta também já terá sido usada no fabrico de vassouras e escovas, muito em particular graças à ramificação densa e erecta e às folhas curtas e grossas, será essa a origem do seu nome científico. O termo genérico Corema deriva do grego korema, que significa vassoura, precisamente pelo facto de esta planta já ter sido usada para fazer vassouras. O restritivo específico album deriva do latim albus – branco, referindo-se à cor dos seus frutos.

Poesia e lendas

Ainda que pouco conhecida para muitos, a camarinha faz parte da nossa história. São inúmeras as referências a esta planta em lendas, cantigas populares ou mesmo nomes de localidades.

Existe uma lenda em particular, retratada num poema, de que as camarinhas terão surgido pelas lágrimas da rainha Santa Isabel, que procurava, chorosa, nos pinhais de Leiria, o rei Dom Dinis.

“Dizem que Santa Isabel
Rainha de Portugal
Montando branco corcel
Percorria o seu pinhal!
-“Ai do meu Esposo! Dizei!
Dizei-me, robles reais!
Meu Dinis! Senhor meu Rei!
Em que braços suspirais?!…
Os robles silenciosos
Do vasto Pinhal do Rei
Responderam receosos
– não sei!…
E o pranto da Rainha
Nas suas faces rolava,
Regando a erva daninha
No pobre chão que pisava!
– “ ó meu Pinhal sonhador
Que o meu Rei semeou!
Dizei-me do meu Amor
E se por aqui passou…”
Os robles silenciosos
Do vasto Pinhal do Rei
Responderam receosos:
– Não sei !…
Mas cristalizou-se o pranto
Em muitas bagas branquinhas
E transformou-se num manto
De brilhantes camarinhas!…
Eis que repara a Rainha
Numa casa iluminada…
– “ Quem vela nesta casinha
Numa hora adiantada ?!…”
Os robles silenciosos
Tão tristes que nem eu sei,
Responderam receosos:
– O Rei!…”

(autor desconhecido)

São mais de 20 as designações toponímicas associadas à camarinha ou à camarinheira. São inúmeras as ruas, travessas, largos ou vales com referência a esta planta que, embora coincidam na sua maioria com a distribuição litoral, surge também em localidades de contexto ecológico muito distante das exigências da espécie, cuja origem pode estar relacionada com outros significados ou derivados das palavras. Por outro lado também revela que num determinado momento, ao longo dos séculos, esta terá tido uma importância significativa naquela região.

Broom-crowberry – a Corema das Américas

A camarinha tem despertado um interesse crescente por parte da população e da comunidade científica, relacionado com a utilização dos seus frutos como alimento funcional e devido às suas potencialidades medicinais.

No entanto, a regressão do seu habitat natural, consequência de efeitos antropogénicos, coloca esta planta em perigo de extinção, daí ser muito importante a sua preservação. É importante recordar que a sua distribuição é limitada a ambientes costeiros da Costa Atlântica da Península Ibérica – não existe em mais nenhuma região do mundo de forma espontânea.

Além da camarinha (Corema album) existe apenas mais uma espécie pertencente ao género Corema: a broom-crowberry (Corema conradii). Trata-se também de uma espécie endémica, cuja distribuição geográfica ocorre do outro lado do oceano atlântico. Esta espécie desenvolve-se em sistemas dunares sob as rochas graníticas e ígneas das montanhas costeiras do noroeste dos Estados Unidos e sudeste do Canadá. Distingue-se facilmente da camarinha pelo fruto, de tamanho mais reduzido, desprovido de polpa e coberto com apêndices oleosos associados à dispersão pelas formigas.

Desafio-vos a procurar esta planta única, num dos vossos próximos passeios ao longo da bela costa Portuguesa! E lembrem-se, se estiver com frutos podem provar, mas não os colham todos, para que sirvam de alimento aos animais selvagens que também ajudarão à sua disseminação e sustentabilidade.

Dicionário informal do mundo vegetal:

Perenifólio – de folha persistente ou folha perene. Arbusto que mantém as folhas verdes ao longo de todo o ano, fazendo a sua renovação gradual sem que fique despido.
Glabro – sem pêlos. 
Verticilado – quando 3 ou mais órgãos semelhantes (por ex. ramos, folhas) se dispõem no mesmo nó.
Linear – folha estreita e comprida, com margens quase paralelas.
Alterna – folha que ao longo do caule se insere de forma alternada, uma em cada nó.
Actinomorfa – flor com simetria radial, ou seja a flor pode ser dividida em várias partes iguais.
Inflorescência – forma como as flores estão agrupadas numa planta.
Dioica – espécie que apresenta flores unissexuadas, femininas e masculinas, ocorrendo em indivíduos diferentes.
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Sépala – peça floral, geralmente verde, que forma o cálice.
Pétala – peça floral, geralmente colorida ou branca, que forma a corola.
Fascículo – conjunto de flores reunidas em grupo.
Bráctea – folha modificada, localizada na base da flor que a protege enquanto está fechada.
Drupa – fruto carnudo que contém uma única semente, protegida por um caroço duro.
Endémica – espécie nativa de uma região, com uma distribuição muito restrita.

Carine Azevedo

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