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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 23 de janeiro de 2022

O LODO E AS ESTRELAS - II

 Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Leio atentamente o texto do Ernesto Rodrigues na última edição do Mensageiro e assaltam-me recordações quase cinquentenárias. 
Ia quente 1975 sobretudo o verão, em brasa. Começava a praga dos incêndios florestais e experimentava-se a chaga do radicalismo político.
Tal como ele também eu deveria ter entrado nesse ano para a Universidade mas a “obrigatoriedade” de passar pelos “Cívicos” levou-me de volta a Bragança e a acampar no S. João de Brito que eu conhecia de outras andanças. Quase irreconhecível o velho edifício amarelo ocupado por uma quinta divisão em funções de alfabetização. Ocupava a parte nobre do antigo colégio e encontrei abrigo numa das antigas camaratas que compartilhei com um refugiado chileno que me contou a sua versão da revolução protagonizada por Salvador Allende. Queria fazer de mim comunista à força pois que, segundo ele, se assim não fosse, se a revolução não se encaminhasse sem recuo pelos caminhos do socialismo, o destino de Portugal seria, inevitavelmente o de um segundo Chile! 
Simpatizava com a pessoa, mas incomodava-me a insistência. Sobretudo em paredes meias com militares cabeludos e barbudos que entravam e saíam com ar poderoso nos seus jipes verdes enchendo o pátio das minhas antigas brincadeiras, com o negro fumo de diesel. Cabeludos e barbudos era o que mais havia em Bragança. Cabeludo era eu também, mas a barba teimava em não aparecer para além de uns pelos ralos que me enfeitavam o queixo por baixo de um arremedo de bigode. 
Cabeludo e barbudo era agora o Ernesto. Quase nem o reconheci. Andava eufórico. Tinha adaptado a obra do padre Telmo Ferraz para teatro e ia estreá-la no Liceu de Bragança que ambos frequentáramos até Junho de 1974. Eu desconhecia a obra. Estranhou o Ernesto a minha ignorância mas deu-me o livro em tons de azul escuro e negro com pequenas estrelas amarelas. Nesse dia esqueci-me do golpe de Santiago, do roncar das chaimites e da entrada e saída contínua dos latino-americanos que subiam a rampa do S. João de Brito. Encostei-me à parede velha e suja, sentado no colchão de espuma cedido pela Guarda Florestal (salvo erro) e só me enrolei no cobertor altas horas quando terminei a leitura. Fui ter com o Ernesto no dia seguinte. 
Claro que era impossível poder entrar na peça a estrear dali a pouquíssimos dias. Mas a generosidade do meu velho amigo, descobriu um espaço para me colocar à frente do pano do palco a dizer o “Correio” do Manuel Alegre. Foi o meu oásis! Inesquecível!
O Ernesto seguiu a sua digressão teatral pelo distrito. Eu fui para Macedo fazer reservas de perdizes!

José Mário Leite
, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia), A Morte de Germano Trancoso (Romance) e Canto d'Encantos (Contos), tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.

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