quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Festival de Cantares dos Reis

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

A crónica de hoje sobre o Cantar os Reis não é de forma alguma uma desilusão, apenas uma saudade minha.
Em14/01/2018 escrevi este memorando relatando o que vi e senti e que mantenho como algo especial dos espetáculos a que assisti.
Passo a publicá-lo:


Festival de Cantares dos Reis

Noite de treze de Janeiro de 2018. Saí de casa cerca das 20:30, tendo em mente dirigir-me ao Teatro Municipal para assistir a um espetáculo que se ia realizar pela 19ª vez e eu nunca havia visto anteriormente.
Começo por congratular-me pela decisão que me afastou de futebóis e afins e me proporcionou ver que há interesse nas nossas tradições e quem cuide disso.
Há duas ou três coisas que desejo comentar, todas por me terem impressionado positivamente. A primeira é a feliz ideia de escolherem crianças, uma das quais ainda pequenina, para apresentarem ao público os grupo atuantes. Se a maiorzinha tinha presença para o desempenho a ela atribuído, a mais pequena era um amorzinho. Pausada na leitura do texto, mesmo quando naturalmente se enganava na palavra proferida, recomeçava sem embaraço e com bom timbre de voz. Tarefa desempenhada com brilhantismo, podendo aplicar-se aqui o dito brasileiro: -Não tem pá botar defeito.
Com a entrada do primeiro grupo começou a gala e o desfile de coisas lindas que lhe sucederam. Grupo do Lar de S. Francisco, um ramalhete de crianças maravilhosas que à mistura com adultos, cantaram e encantaram como seu trajo que não sendo para uso em folclores tinha desenho fino e cor agradável.
Foi uma boa atuação com auxílio das violas que três jovens mais adultas faziam soar com empenho. Pensei: -Isto promete!
Entrou seguidamente o Coral Brigantino, Infanto-juvenil Brisingers. Confesso que tenho andado distraído, nestes quase cinco anos depois de regressado. Eu não suspeitava que houvesse em Bragança coisas destas. Que  agradável surpresa, ver o empenho colocado no ensino musical destas crianças e jovens. Parabéns a quem se dedica a tão nobre tarefa. O terceiro grupo a atuar chama-se Reis Dominicus de Vila Flor, grupo constituído para manter a tradição do Cantar dos Reis. Pode e deve continuar pois são uma mais-valia no que respeita à escolha de repertório e guarda roupa. Serão uma Flor das mais belas dessa Vila que estimamos.
O quarto grupo entrou em palco com classe e disciplina. Os trajos condizentes com o seu propósito, instrumentos afinados, classe no desempenho e três vozes de mulher que são autênticos portentos. Vozes magníficas, música condizente e bem ensaiada, instrumentos e vozes em consonância e para coroar tudo isto um elemento que tocava castanholas com muita classe. O seu movimento e linguagem corporal, a par do uso de uma samarra com pele de raposa à boa maneira transmontana de outras épocas, tornaram a atuação do Rancho Folclórico de Vimioso, a que para mim foi a mais brilhante das atuações em palco.
Do estandarte que abria o cortejo, posso garantir que com a sua cascata de fitas, era como um arauto que anunciasse o que nos reservavam. Colocada sobre o lado esquerdo do Rancho estava uma placa com o nome deste nos braços de duas moças que fechavam o conjunto em apoteose.
Notou-se a partir daqui uma mudança de estilo, embora não radical, nos grupos que se seguiram. O espetáculo continuou sem intervalo, tendo mantido uma cadência regular o que é assinalável.
A menina apresentadora anunciou o Grupo Intergeracional da Santa Casa da Misericórdia de Bragança. Sessenta e cinco elementos, desde os meninos e meninas de não mais de seis anos, todos com um cavaquinho cingido com à vontade e dedilhando a preceito, seguiam-se os adultos assegurando o suporte harmónico das peças musicais cujos mais velhos com idades superiores aos oitenta anos se integravam harmoniosamente.
Por fim duas pessoas com cadeira de rodas como que fechando o conjunto e dizendo que Ali Cabem Todos. O maioral do grupo fazia jus ao título, pela sua presença física e voz bem timbrada e com fantástico desempenho no acordeão. Da alegria das crianças sobressaíam três vozes que sendo mais potentes conferiam harmonia aos trechos musicais dando-lhes ritmo e compasso.
Para todos incluindo a Direção da Santa Casa vai o meu agradecimento pelo trabalho desenvolvido. Completando 500 anos de exercício em prol da população merece o nosso respeito e admiração.
O Grupo de Cantares de Santa Comba da Vilariça, Vila Flor apresentou-se muito bem, sem alardes mas com cenário adequado. Alinhados à frente, o trio Sagrado de Jesus Maria e José. No prolongamento os Magos esperam sentados que chegue o momento de poderem entregar as prendas e prestarem homenagem ao Redentor. Belo enquadramento cénico, música a condizer, com lindas vozes e instrumental simples mas eficiente. Duas violas, duas flautas, duas pandeiretas e um bombo. A música agradável e com pausa rítmica para a entrada das flautas. Sóbrio e decente.
O grupo seguinte têm características diferentes. A disciplina das vozes e dos gestos era evidente. O seu nome é Brichoir T. Conservatório de Música de Bragança. A sua atuação transportou-me para trás no tempo em que vi em Londres, no Sadlers Wells Theatre, Pink Martini. Ao referenciar esta semelhança estávamos já na derradeira atuação.
Para trás havia ficado uma pequena obra-prima chamada Queda do Império, da obra de Vitorino que sempre me fascinou pela simbiose entre poesia e música. Desta vez dá para esquecer a poesia e nos concentrarmos na música e movimento. Maravilhoso, assim simplesmente.
Voltemos à semelhança com Pink Martini. O maestro seguro no comando, sereno no gesto rápido ou lento muda para o piano e ocorre o inesperado. O movimento passa a alucinante e os acordes agudos ou graves soam harmónicos. A disciplina do grupo de bailarinos-cantores é agora mais evidente e somos transportados para níveis altos de puro êxtase Acrescento apenas que esta música foi trabalhada em Bragança e eu desconhecia esta Beleza. Chegávamos assim à última atuação, a do Grupo de Cantares de Vila Flor. Magnifico! Não são necessários outros superlativos. A grandeza consegue-se na simplicidade. Uma ideia genial. Usar a música do fado, alterar-lhe a letra e torná-la condizente com a ocasião. O cenário era portador de mensagem clara, um acordeão, duas violas, um cavaquinho, duas pandeiretas, um ferrinho e um bombo. Entram com a música popular Zé da Rola transformada em hino sagrado e terminam com a Comadre Maribentes de Amália Rodrigues (Alan  Houllman). A voz da cantora solista é portentosa, bem timbrada com altos e requebros. Liderava com o apoio de outras duas vozes femininas. Guarda-roupa apropriado e para completarem o quadro trouxeram produtos da terra, onde sobressaía o Azeite e Vinho do melhor que se fabrica em Portugal. Não será de bom-tom omitir o trabalho dos que nos bastidores fazem o trabalho de suporte ao espetáculo. Um muito obrigado muito especial ao homem do som que foi incansável, pondo estantes, regulando microfones e zelando para que tudo corresse pelo melhor.



Bragança 14/01/2018
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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