Às vezes usamos os traumas (hipotéticos ou não) como desculpa para muita coisa, mas há os reais e esses explicam alguns dos nossos comportamentos…
Quando éramos miúdas, pelo Natal, o nosso pai levava-nos para dar o seu presente à “tia” Benigna. A “tia” Benigna era uma velhinha, digo velhinha e não velhota, porque a primeira implica fragilidade a segunda, pesem os anos, implica ainda alguma robustez.
A “tia” Benigna vivia em Gimonde, e durante anos era ela que trazia à cidade, o carvão para as lareiras, num burro que era quase tão negro quanto o carvão que transportava… tal como o eram as mãos que puxavam os sacos.
A “tia” Benigna envelheceu, as idas à cidade foram rareando até que acabaram! Imagino que o meu pai, enquanto ela andou por ali, todos os Natais lhe daria o “cabaz” (açúcar, massa, um pouco de bacalhau …) já que nos anos seguintes fazia questão de ele lho levar onde ela morava e questão fazia que o acompanhássemos... assim no fim de semana anterior ao Natal, lá íamos nós até Gimonde... não sei se ainda no Prefect se já no novo Opel Record, cuja matrícula se me perdeu!
A casa era de pedra enegrecida pelo tempo, uma escada exterior levava a um único andar, também ele negro pelo fumo de uma lareira esquálida e de onde o pouco calor que dela emanava, era contrariado pelo ar frio que vinha da única janela, com vidros já partidos!
Para mim, ainda miúda, era uma experiência difícil ficar ali como que num "quarto escuro" cheio de fumo, tomando a consciência que a minha idade permitia! Claro, saída dali e a “tia” Benigna esfumava-se das minhas preocupações até ao ano seguinte!
Não sei durante quantos Natais ocorreram estas visitas... depois crescemos, saímos de casa e também a “tia” Benigna morreu!
Aquela pobreza e muitas outras que presenciei na minha infância, cimentaram-se em mim e então fui-me questionando do porquê de tanta desigualdade!
Tenho a certeza que foram estas vivências de infância, e não as imagens do “lá longe “ que hoje a televisão nos traz, que são as responsáveis pelo meu trauma (por que o tenho), em relação à época natalícia.
Hoje ainda tenho vivo aquele quadro, tal como as meninas descalças na minha escola, tal como os sem-abrigo de Nova York , os de Montréal que, com temperaturas de -15°, nos estendiam a mão…
Tudo isso começou longe no tempo e continua ainda hoje a fazer-me questionar o porquê dessa desigualdade... e logo a seguir por em causa a existência do Deus que nos habituaram a “acreditar”, ser Pai de Todos!!
Autor: Anónimo (anónimo/a, mas com sangue Bragançano)
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