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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 17 de abril de 2021

Café Almeida, no Jardim chamado de Dr. António José de Almeida

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Nasceu em Lamego, na freguesia da Sé aos vinte e um dias do mês de Junho de 1911. Seu pai republicano militante, baptizou-o com o nome do demagogo, republicano, que em 1919 chega à Presidência da República, onde se mantém até 1923. O rapaz é criado num ambiente republicano, o que o marcará ideologicamente, num tempo e num espaço geográfico onde os acontecimentos e vicissitudes da Primeira República, convidavam mais ao reaccionarismo monárquico e trauliteiro.
Era mais ou menos assim que quando eu era jovem com os meus treze ou catorze anos, o Senhor Almeida me explicava porque era do contra e me alertava para a contenção nas palavras sempre que se falasse de política. A vida tinha-o ensinado, que o heroísmo de boca se pagava caro quando os esbirros resolviam cobrar a conta das ingenuidades. Era mais frutífero ser firme nas convicções do que fala-barato sem prudência.
Quando chegou a idade de ingressar nas fileiras,  escolheu a Armada onde serviu sob as ordens de um Oficial também ele destinado a ser Presidente da República,  mas agora num contexto quase fascizante.
Já na situação de disponibilidade, aventura-se numa vinda para Bragança onde trabalhou no Café Chave d' Ouro e depois de algum tempo, analisando a vida da cidade, que naquele tempo estava em desenvolvimento, resolve estabelecer-se por conta própria, tendo iniciado a actividade como patrão no Café que denominou, Café Almeida, logo ali à entrada do Jardim bem no centro da cidade.
Nos anos de juventude teve alguns momentos mais atribulados, mas que não sendo nada de dramático e por falta de pormenores, não abordaremos dado que a omissão em nada condiciona a narrativa, bem pelo contrário, pois nos liberta para descrevermos a saga e a persistência que foram necessários para edificar um estabelecimento de Cafetaria e entretenimento que marcou a geração anterior à minha, a minha e a seguinte e continua ali firme para logo que os fregueses queiram, voltar a ser o Almeida do nosso tempo.
Quando abriu morava no primeiro andar um Meretíssimo Juiz que posteriormente foi transferido ou reformado e regressou à sua procedência. Abriu-se assim a possibilidade de o Senhor Almeida ocupar a residência "above the shop" e poder trazer a mulher e uma filha que tinha nessa altura dez anos.Todos os outros nasceram em Bragança.
Iniciada a actividade, com a ajuda de um cunhado, de nome Moisés e de um brigantino, o mais castiço dos que nasceram nesta terra, o Renato, irmão do Duarte Conés e do João Laurindo, Alfaiate. Este homem era um tratado de boa disposição e disponibilidade para tudo o que fosse uma brincadeira que não prejudicasse ninguém. Um dia falaremos dele.
Dizia eu que iniciada a actividade o Café depressa se afreguesou pois passou a ser um espaço essencialmente para operários mas que pelas características do "Staff" e a existência de bilhares (2) e de mesas de "matraquilhos” (4), estes na cave, aqueles no Café, convidava a classe mais elevada amante dos jogos de salão e da boa comida e bebida e esta respondeu em forma pois recordo-me de serem frequentadores assíduos, o Dr. Gonçalves, Dr. Zé Faria, Dr. Ponte e Dr. Aristides. Alguns professores do Liceu e Escola Técnica e muitíssimos viajantes que naquele tempo demandavam Bragança, vindos do Porto e outras terras de indústria, que davam à cidade um ar cosmopolita que hoje não tem, infelizmente direi eu. Não me parece que deva fazer aqui apreciação comparativa, mas parece-me pertinente dizer que o Almeida tinha um ambiente onde as classes se diluíam e davam lugar a um convívio bairrista e muito republicano.
Os comerciantes da Praça eram quase todos clientes assíduos. O senhor Teixeira da Casa das Malhas e os irmãos e para nivelar simplificando, retiro a todos os que mencionarei o Senhor pois sei que não me levarão a mal. O Queiroz, (grafia do topo da porta da loja), os irmãos Cazão, o Sousa e o Victor Fotógrafo. Funcionários Públicos eram O Amílcar Gorgueira, o, Zilhão o Toninho Cordeiro, O senhor Salgado e tantos outros que levaria horas a mencionar. Falta a base que era constituída por centenas de "artistas" que cobriam todo o espectro das artes e ofícios. Sapateiros, Alfaiates, Trolhas, Ourives e Relojoeiros, Lenhadores e Ferroviários Pintores, Picheleiros e Electricistas, enfim, a fábrica da cidade que ia ao Almeida para conviver, comer, beber e jogar sem ser de azar.
Recordo que a esposa e as filhas trabalhavam no duro também! Não havia dia que às 07:00 da manhã não fosse esfregado com escova , água e sabão aquele soalho de madeira que ocupava as duas salas do piso à face da rua. Criou ali quatro filhos, duas raparigas e dois rapazes, com a educação e o respeito de quem é exigente consigo e com os seus.Todos ajudavam no que podiam e sabiam sendo que a Maria e o Eurico, poderiam servir como casos de estudo. Sem diminuir o Avelino e a Mila que considero muito, direi que a Mila era protegida da imã e o Avelino do irmão.
Bela família, sóbria, respeitadora e honesta.
Poderia contar milhentas histórias do Petra, do Marques, do Guicho, do Dr. Gonçalves e do Victor Fotógrafo, para não nomear mais gentes que durante anos e anos preencheu o espaço físico do Café Almeida e ocasionaram as situações mais cómicas ou pícaras que não caberiam nesta crónica.
Não resisto a contar uma a que eu assisti, teria eu os meus dezasseis anos e havia já uns anos que uma mulher se enforcara na Taberna do Reino à Rua Guerra Junqueiro. Estava presente o Dr. Gonçalves e o Victor Fotógrafo. Estavam também o Fininho e o Leonel Petra, para além de uma catrefa de gente de todas as condições e idades.
A discussão acendeu-se e o assunto era a data do infeliz acontecimento. Morreu em tal e não em tal e as razões começaram a extremar-se. Alguém alvitrou que se entrasse ao Cemitério e se verificasse a data do falecimento na pedra funerária do jazigo ou sepultura. Ofereceram -se o Petra e o Fininho na condição de a malta que não entrasse ao Cemitério aguardasse no portão para proteger a retirada se necessário ou até caso a Polícia interviesse.
O Dr. Gonçalves conferenciou com o Victor Fotógrafo e o Victor sumiu.
Avançou-se para o Cemitério por volta das 03:00 da matina. Encostou-se alguém na parte baixa do muro perto do Galinho e com as mãos entrançadas fez de escada e subiu o Petra e outro pois o Fininho se negou à última hora! Ouviu-se o baque dos pés a baterem no solo fofo junto ao muro, primeiro de um depois outro. Juntos encetaram cautelosamente o percurso entre a Campa do Jorge e algures no terreno, a sepultura da senhora.
No caminho que leva à Capela do Repouso ouviram ruído que os sobressaltou e subitamente surge-lhe uma figura saltando e esbracejando coberta por um manto branco que emitia um som lúgubre. O Petra parou expectante como quem não acredita mas está pronto a dar corda aos sapatos. O outro é que não quis certificações e começa a gritar, ó alminha não nos leves que eu tenho filhos p'ra criar. Acudam que há almas do outro mundo. A situação estava para atingir o paroxismo quando o lençol salta para o ar e segundos intermináveis depois cai no chão. Era o Victor Fotógrafo que fora a casa e trouxera um lençol para fazer de fantasma, como combinaram previamente ele e o Dr. Gonçalves .
O sócio do Petra fedia que tresandava, o Petra estava assim assim, pois no momento da visão não sabia muito bem se devia entrar em pânico ou manter o sangue frio. A tensão acumulada foi mais ocasionava pelo pânico do sócio do que verdadeiramente o acreditar no que estava vendo.
O Grazil já era muito e ajudava ao cepticismo. O problema foi para os tirar de dentro do Cemitério. Foi preciso ir ao muro do fundo, voltado para o Seminário que era mais baixo e penso que confinava com um terreno lavrado do Porfírio. Só mais tarde foi aumentado o terreno do Cemitério.
No dia seguinte não se falava de outra coisa na cidade e a freguesia do Café Almeida ia aumentando pois era ali que aconteciam as coisas mais insólitas e inimagináveis.
De outra vez o Verbo e o Zé Verdegaio apareceram às quinhentas, os viajantes e não só, tanto chatearam o Verbo que foi buscar o Stradivarius. Por precaução trouxe com ele o Homer. Realejo-harmónica de beiços. Esteve duas horas a afinar o violino, mas como sempre não tocou uma nota, porque, dizia ele, não estava inspirado.
Resolveu-se então tocar um tango na harmónica de beiços! Aí era ele mestre. Saiu El Choclo, e o baile começou com o Zé Verdegaio em grande forma: A música fluía e alguém cantou: Con esto tango/Que és burlon e compadrito/Ya todos sabem lá ilusion de mi subúrbio/Con esto tango nacio un tango/Y con un grito/subio del sórdido barrial buscando el cielo/... Era o Almeida da minha juventude, tempo e gente que foi e não volta.



Bragança 27/10/2018
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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