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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Alto Douro Vinhateiro: Servidão, paradoxo, esplendor

 Sem falsas modéstias, orgulho que baste e com toda a justiça, podemos dizer que o Douro, terra de rio de vinho e de gente, é uma das mais magníficas obras erguidas pelo ser humano.

Foi ele, ontem e é ele hoje em dia que interagindo com a natureza, moldando o que era antes, a embelezou e acrescentou fazendo jardins suspensos regados com suor a escorrer para cima doo xisto. Onde havia silvados passou a haver videiras floridas que escorrem em néctares.

Acontece que as voltas do mundo no nosso viver, a dado momento levaram a que os vinhos aqui nascidos se tornassem procurados por quem os sabia apreciar porque os passou a conhecer. Uma atividade insípida e de remediar, num repente virou setor de enorme potencial económico, vai isto quase em trezentos anos.

E então o Homem pôs-se a fabricar terra. Desmontou, bateu, e tornou a bater. Usou o malho e o alivião, empilhou, fez milhares de quilómetros de muros, como escreveu José Saramago. Depois disso no antes e no agora, tratando as vides melhor que as vidas, meteu e mete o sol em garrafas para que elas se vão mundo afora.

Foi necessário, rasgar os montes, construir os muros e patamares, abrir caminhos, fazer túneis e trazer o comboio: domesticar o rio, abrir passagem aos rabelos e construir barragens-cavar, escavar, fazer terra, saibrar, plantar, enxertar e tratar. E ao sétimo dia, não descansaram, foram vindimar. Como escreveu António Barreto.

Por isso, mas não só, o Douro-Rio, Gente e Vinho, é lugar de sacrifício e de servidão. Durante décadas a troco de migalhas e alimentados a broa, milhares de pessoas vindas das redondezas e da Galiza, vinte mil ao ano dali, esmifraram e torraram forças. Servos, plebeus, trabalharam de sol-a-sol que nem danados para senhores que vindos de fora de tornaram de cá, e para senhores que sendo de cá, eram de outra condição.

Todos juntos, deram forma a um modo de vida e a uma maneira fazer, que permitiram que no Douro brotasse e se desenvolvesse uma das maiores riquezas nacionais, feita embaixadora e símbolo de Portugal no mundo. O vinho do Porto, tesouro nacional, tantas vezes aval para empréstimos nos meios financeiros internacionais. O vinho cujo passar em pipas permitiu o construir de uma cidade capaz de ombrear com as melhores cidades europeias.

No entanto, qual rio que corre pouco mais deixando que resíduos no leito, o líquido feito riqueza em vinho, paradoxalmente em séculos ia-se daqui deixando um quadro de miséria e forme na terra que o viu nascer. Multiplicava-se em valor fora do berço, porque os que lhe cobriam e cobrem a manta não sabiam e ainda não sabem bem, como não ficar com os pés de fora.

Mas o mundo reconhece-nos e sabe valorizar-nos. Admira-se e consola o paladar com o fruto do nosso trabalho, regala os olhos e alimenta a alma com o esplendor da nossa paisagem a cada curva do rio e a cada mexer de olhos montes acima e de bardos ao fundo para lá e para cá.

Como escreveu Jaime Cortesão, os socalcos do Douro vinhateiro não são uma curiosidade turística, mas uma técnica ancestral de cultivo da vinha, representando a mais bela e dolorosa homenagem ao trabalho do povo português.

O Alto Douro Vinhateiro é Património da Humanidade em homenagem ao passado e para memória futura. Que se ergam pois então os cálices em saudação neste presente aos que nos antecederam, aos que estamos e aos que hão-de vir. Nós merecemos.

Manuel Igreja

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